'Se não fosse Mãe Hilda, não celebraríamos 50 anos do Ilê', diz Vovô, fundador do bloco afro
Vovô participou do espaço 'Café Literário' junto com a historiadora Luciana da Cruz Brito
"E se a gente fizer um bloco só de negão?". Esse foi o questionamento feito por Antonio Carlos dos Santos, mais conhecido como "Vovô do Ilê", na década de 1970, inspirado pelos apaches e blocos de índios no Carnaval da capital baiana. A história do primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê - "o mais belo dos belos" -, foi o tema do último painel do espaço "Café Literário" da Bienal do Livro da Bahia 2024, no Centro de Convenções de Salvador.
"O Ilê surgiu como uma proposta minha e de Apolônio [amigo e cofundador do bloco, falecido em 1992]. Nós curtíamos o bairro da Liberdade, o Gandhy, desfiles de blocos de samba... e percebemos que não tinha participação de pessoas negras", iniciou Vovô.
Nessa época, a dupla já se inspiravava no movimento negro americano, da ideologia às roupas coloridas, algo até então incomum para pessoas negras. "A gente tinha esse orgulho de ser negão da Liberdade, mas a juventude negra desfilava em blocos de índios... Por que não fazer um bloco só de negão?", lembrou.
Ao comentar sobre a ideia com a mãe, Mãe Hilda de Jitolu, ela indagou: "mas não vai sair só homem não, né? Porque eu também vou sair".
Segundo Vovô, a matriarca queria orientar o filho e amigos, e foi assim que fez. O terreiro Acé Jitolu, na casa dela, na Liberdade, foi a primeira casa do Ilê. "Se não fosse Mãe Hilda, não estaríamos comemorando os 50 anos do Ilê Aiyê", afirmou.
Ainda de acordo com o fundador, o diferencial do Ilê, além da matriarca, foi socializar as ideias do Movimento Negro nas músicas.
IDENTIFICAÇÃO
Também convidada do painel, a historiadora, professora e articulistra Luciana da Cruz Brito falou sobre seu primeiro contato com o Ilê, no final da década de 1990, ainda como estudante de História na Universidade Federal da Bahia (Ufba), e como isso a marcou.
"Venho de uma família de maioria de pessoas negras, mas de muitas cores, cujo ideal dessas pessoas era embranquecer. Não foi um caminho familiar [encontrar o Ilê]. A negritude era um peso", contou. "Nunca tive dúvida [da sua negritude], mas era um peso. Até que um dia, na universidade, me falaram 'vai ter o ensaio do Ilê'. Devia ser 1999... Fiquei impactada! A negritude ali não era um peso. Foi um mundo que se abriu", revelou.
Alguns anos se passaram até Luciana sair como foliã do bloco, em 2008. Ali, disse, entendeu que "sair no Ilê" era um megaevento de celebração da negritude individual. "Em três dias de desfile, as pessoas celebram o que elas são", destacou.
Rememorando o sentimento, afirmou que desfilar no Ilê, para ela, é celebrar ser uma mulher negra e a beleza do povo de Salvador, quando é possível passar por qualquer lugar "que o caminho se abre".
"Não há nenhuma hipocrisia nisso. É celebração e respeito da alegria e da negritude da cidade de Salvador. Foi uma suspensão de qualquer sentimento de fardo. Foi uma reconciliação com quem eu sou. Isso que significou para mim", concluiu.
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