Orgulho Autista: popularização dos cordões acende alerta sobre banalização

Discussão ganha força nesta quarta-feira, data em que se celebra o Dia do Orgulho Autista

Por Anna Caroline Santiago.

Nos últimos anos, os símbolos do girassol e do quebra-cabeça colorido, reconhecidos como representações de pessoas no espectro autista e com deficiências invisíveis, se tornaram cada vez mais populares. De itens de identificação para símbolo de apoio e inclusão, passaram a ser facilmente encontrados em camelôs e lojas online.

Mas junto à repercussão, surge um novo desafio: a banalização da causa e o risco de transformar símbolos legítimos em modismos. A discussão ganha força nesta quarta-feira (18), data em que se celebra o Dia do Orgulho Autista.

Dia do Orgulho Autista. Foto: Reprodução | Web

Na Estação da Lapa, em Salvador, a reportagem teve acesso a um episódio que ilustra essa preocupação. Sem qualquer questionamento sobre a real necessidade de uso, um cordão de girassol foi oferecido livremente por um vendedor ambulante. “Só estou fazendo meu trabalho”, justificou ele, que preferiu não se identificar.

Regulamentação e Banalização

Atualmente, tramita no Senado um projeto de lei que busca regulamentar o uso de cordões identificadores para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outras condições neurodivergentes, com o objetivo de fortalecer seu uso como instrumento de inclusão e acesso a direitos. No entanto, até o momento, o único dispositivo legal em vigor é a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). Ela garante, entre outros pontos, atendimento prioritário e acesso facilitado a serviços públicos e privados. O uso do cordão de girassol é facultativo.

Apesar disso, a banalização preocupa. Para o supervisor técnico do Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA), Vinicius Neiva, o crescimento no uso indiscriminado dos cordões pode enfraquecer seu propósito original.

“O uso sem critério transmite a falsa ideia de que o cordão, por si só, garante direitos. Ele é um recurso de apoio à identificação, mas não representa, legalmente, um direito em si”, alerta.

A psicóloga Jéssica Castelo Branco complementa a análise, afirmando que o valor simbólico desses itens está diretamente relacionado ao respeito que recebem. “Símbolos como o cordão têm força quando são respeitados. Eles surgem como uma ferramenta de comunicação, sem precisar verbalizar", completa. 

O exemplo de Jéssica chega a ser motivo de piada nas redes sociais, como o “Super autista”, com roupas estampadas com quebra-cabeças. 

Meme do

Jéssica defende que, mais do que regulamentar, é necessário criar orientações éticas e inclusivas para o uso dos cordões. “Não pode ser algo meramente burocrático”, diz.

“Esses símbolos carregam significados profundos, muitas vezes ligados a experiências de sofrimento psíquico e desafios diários que não são visíveis aos olhos.”

Na prática, o uso dos cordões pode garantir benefícios como gratuidade no transporte público, acesso a assentos exclusivos e prioridade em atendimentos. Por isso, o uso indevido também pode configurar fraude.

Comerciante de rua há 10 anos, Antônio Santos, de 47 anos, admite que vende cordões variados, inclusive o de girassol e o da fibromialgia, sem conhecer totalmente seus significados. “Nunca pergunto se a pessoa tem ou não a condição. Se ela veio até aqui, imagino que precise”, afirma.

Foto: Anna Caroline Santiago | Aratu On

Para Jéssica, exigir um diagnóstico formal pode ser uma proteção contra o uso indevido, mas há ressalvas:

“É preciso cuidado para que essa exigência não crie barreiras para quem está em processo de investigação ou sofre com o estigma. A chave está no equilíbrio: acolhimento, informação e fiscalização”, explica.

Vinicius Neiva acredita que uma forma eficaz de lidar com a banalização é investir em campanhas de conscientização sobre o uso correto dos símbolos e dos direitos garantidos às pessoas com TEA.

“A entrega conjunta da Ciptea e do cordão, feita por órgãos que já realizam esse tipo de emissão, pode ajudar a formalizar o processo. Mas o mais importante é a capacitação de profissionais das redes pública e privada para que compreendam e respeitem os direitos das pessoas autistas”, conclui.

 

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