Japoneses vivem na Bahia há mais de 70 anos; conheça histórias
Cidades da Bahia receberam 172 famílias de japoneses entre 1953 e 1962
Por Júlia Naomi.
Caminhar nas ruas sob olhares curiosos, receber apelidos e ser cumprimentado com um “arigatô” por desconhecidos. Estas são vivências comuns, compartilhadas por descendentes de japoneses no Brasil, em especial em locais em que representam uma porcentagem muito pequena da população. Apesar de os primeiros imigrantes japoneses terem chegado à Bahia há mais de 70 anos, sua presença ainda causa surpresa, devido ao desconhecimento da história da imigração no estado.
Neta de imigrantes japoneses nascida em Salvador, a professora de português Karina Takenami, 39, critica a redução da cultura japonesa a animes e cosplays, sem aprofundamento do contexto histórico e ensinamento sobre respeito às diferenças. Pensando nisso, esta reportagem te convida a conhecer mais sobre a diversidade étnica e cultural da bahia.
Conheça a história da imigração japonesa para a Bahia
Entre os anos 1953 e 1962, as cidades de Una, Ituberá e Mata de São João receberam 172 famílias japonesas, que deixaram seu país de origem em um contexto de crise, após a derrota na Segunda Guerra Mundial. Eles vieram para a Bahia por conta de uma iniciativa do governo do estado para desenvolver a agricultura em áreas até então improdutivas.
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Junto à família, Mari Saho, 77, professora aposentada da UFBA, se mudou do Japão para a colônia de Mata de São João em 1960, a bordo do navio Amerika Maru. Foram 45 dias de viagem, em busca de refazer a vida do outro lado do mundo. “Meu pai queria conseguir terras para cultivar, o que era difícil no Japão. Ele viu a emigração para o Brasil como uma oportunidade”, conta Mari.
A família de Mari Saho veio motivada por propagandas imigratórias no Japão, que anunciavam o Brasil como um país de terras férteis e facilidade para cultivar. Seus pais, assim como muitos outros imigrantes, tinham o objetivo de voltar para o Japão após juntar dinheiro, mas por questões econômicas, permaneceram.
Já instalada no Brasil, a família de Mari Saho começou a plantar cultivos diversos, como tomate, vagem, melancia e pepino. Ela afirma que na época, estes alimentos não faziam parte do cardápio dos baianos. O livro de Maekawa descreve relatos semelhantes de outros imigrantes, que tiveram fracasso nas vendas após as primeiras safras. Além das diferenças culturais, as barreiras linguísticas também impuseram dificuldades para a divulgação dos produtos e adaptação à nova terra.
Izumi Iseki Takenami, 61 anos, secretária executiva aposentada, é filha de imigrantes e descreve sua infância na colônia de Mata de São João como “marcada por poucos recursos materiais, mas cheia de união, alegria e solidariedade”. Ela conta que famílias criaram a Associação Cultural Nippo Brasileira de JK, com o objetivo de promover eventos culturais e fortalecer as tradições japonesas entre os colonos.
Como se formou a comunidade japonesa em Salvador?
Além da criação das colônias japonesas oficiais, outras comunidades surgiram espontâneamente, à medida que os imigrantes se mudaram em busca de melhores condições de vida. Em Salvador, este fenômeno teve início em 1967, quando o consulado do Japão criou a Casa do Estudante no bairro de Brotas, a fim de acolher estudantes japoneses vindos do interior. Hoje, no local, funciona a Escola de Língua Japonesa de Salvador.
Com a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari, na década de 1970, a Bahia recebeu novos imigrantes do Japão, além de profissionais descendentes de japoneses vindos de São Paulo, que já trabalhavam em filiais brasileiras de empresas japonesas. Neste contexto, a Associação Cultural Nippo Brasileira de Salvador (Anisa) foi criada para promover a integração entre as famílias.
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A advogada Alice Kimie Nakagawa Costa, de 24 anos, é bisneta de imigrantes japoneses e conta que sua mãe sempre a incentivou a manter os laços com a cultura japonesa, mas que na infância, chegou a ter vergonha de seu sobrenome, por conta de piadas feitas por colegas.
“Quando eu era pequena, eu não entendia muito o que era ser descendente [de japonês]. Com o passar do tempo, eu fui me aproximando cada vez mais da comunidade nikkei de Salvador e percebi que isso era uma coisa para se ter orgulho”, conta Alice, após relembrar os esforços de seus antepassados para construírem a vida no Brasil.
Alice Nakagawa afirma que Escola de Língua Japonesa de Salvador é sua segunda casa e que considera as professoras como suas avós, devido ao convívio desde a infância. Além do ensino da língua, a instituição promove atividades culturais como aula de caligrafia com pincéis, aulas de música com instrumentos japoneses, dança e culinária.
“Cultura é uma coisa que a gente não pode deixar se perder”, declara Alice, que lidera o grupo de dança Hanabi e participa das preparações para o Bon Odori, dança tradicional apresentada no Festival da Cultura Japonesa. Ela também faz parte do Seinenkai, grupo de jovens do qual participam descendentes de japoneses e não descendentes que apreciam a cultura.
Além destas atividades, a comunidade japonesa de Salvador também promove aulas de percussão japonesa e de danças no estilo yosakoi soran e matsuri dance, por meio do Grupo Cultural Wadō.
Beisebol em Salvador?
Os japoneses também trouxeram consigo a paixão pelo esporte. Roberto Mizushima, cônsul honorário do Japão em Salvador, conta que desde que se mudou de São Paulo para a capital baiana, em 1981, a Federação Cultural Nippo Brasileira da Bahia promovia, entre as colônias, torneios de Softball, uma forma simplificada do beisebol.
Segundo conta Mizushima, há três décadas, quando transmissões de jogos de beisebol começaram a se tornar mais populares no Brasil, um grupo da Universidade Federal da Bahia começou a formar um time. Assim, descendentes de japoneses que já praticavam softball se juntaram a eles.
“Esse grupo cresceu e dez anos atrás, mais ou menos, eu comecei a fazer o torneio Fujibag, chamando equipes de fora, para incentivar o pessoal daqui. Vieram equipes de Manaus, de Recife, de Vitória do Espírito Santo e algum time de São Paulo”, conta o cônsul, que também é fundador do Festival da Cultura Japonesa de Salvador, o segundo maior do país.
Roberto Mizushima relata que Salvador chegou a ter quatro times de beisebol, formados por descendentes de japoneses, não descendentese e um time de cubanos, mas que a pandemia de Covid-19 desmobilizou os treinos. As duas equipes restantes estão se unindo para formar um único time, com cerca de 15 pessoas, e promover uma nova edição da Copa Fujibag em novembro.
Aniversário da Imigração Japonesa no Brasil
Há exatos 117 anos, no dia 18 de junho de 1908, o primeiro navio de imigrantes japoneses aportou no porto de Santos (SP). Desigualdade social, concentração de terras, excedente populacional e diminuição do protagonismo da agricultura no Japão no final do século XIX fizeram com que, em 1908, os primeiros imigrantes japoneses embarcassem no navio Kasato Maru, com destino a terras desconhecidas.
De acordo com a Embaixada do Japão no Brasil, estima-se que aproximadamente 2 milhões de japoneses e descendentes vivem no Brasil, número que representa a maior população de origem japonesa fora do Japão. Em contrapartida, segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o país asiático abriga a quinta maior comunidade brasileira no exterior, com cerca de 211 mil pessoas.
O ano de 2025, foi batizado de Ano do Intercâmbio da Amizade Brasil-Japão, em comemoração aos 130 anos de diplomacia entre os dois países. Mari Saho afirma que se sente grata a todas as pessoas que acolheram e deram oportunidades a ela e sua família, dentre colonos e brasileiros. Ela declara que, em relação ao Brasil, seu sentimento principal é de gratidão. “O Brasil para mim, é a segunda terra natal. O Japão é a terra dos meus sonhos”, declara.
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