OPINIÃO: 20 anos após a morte dos Mamonas, será que o Brasil aceitaria hoje a irreverência da banda?
OPINIÃO: 20 anos após a morte dos Mamonas, será que o Brasil aceitaria hoje a irreverência da banda?
Há 20 anos, no dia 2 de março de 1996, o avião PT-LSD chocou-se contra na Serra da Cantareira e matou a banda Mamonas Assassinas.
Uma banda irreverente que cantava um rock caipira com palavrões trocadilhos e piadas com gays, maconha, nordestinos e sexo com animais. Dinho, Bento Hinoto, Júlio Rasec, Samuel Reoli, Sérgio Reoli. Cinco integrantes com idades que variavam entre 25 e 32 anos.
Infelizmente o sucesso da banda foi curto demais para prever o desdobramento que aquele fenômeno musical traria a longo prazo. O Brasil, inegavelmente, era outro. O país tinha apenas 11 anos que deixara o regime da Ditadura Militar — para se ter uma ideia apenas duas eleições presidenciais haviam transcorridos neste intervalo.
Na economia, o país sofria os primeiros reflexos de uma onda mordernizante com abertura para o capital estrangeiro e a chegada de marcas e produtos exportados. Uma das músicas dos Mamonas — Chopis Center –, por sinal, capta este momento e brinca com os costumes regionais e o choque capitalista provocado por esta mudança:
Comi uns bichos estranhos
Com um tal de gergelim
Até que tava gostoso
Mas eu prefiro aipim
Quanta gente
Quanta alegria
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia
Havia brincadeira também com gays:
O meu bumbum era flácido
Mas esse assunto é tão místico
Devido a um ato cirúrgico
Hoje eu me transformei
Com mulheres:
Te encontrei toda remelenta e estronchada
Num bar entregue às bebida
Te cortei os cabelos do sovaco e as unhas do pé
te chamei de querida
Te ensinei todos os auto-reverse da vida
E nordestinos:
Tava ruim lá na Bahia, profissão de bóia-fria,
trabalhando noite e dia, não era isso que eu queria,
eu vim-me embora prá Sum Paulo.
Hoje eu tô arrependido de ter feito migração
volto pra casa fudido, com um monte de apelido
O mais bonito é cabeção!
Mas será que a irreverência dos Mamonas seria bem aceita hoje?
Vivemos um contexto bem diferente de 20 anos atrás. As minorias étnicas, raciais e sexuais brigaram por espaço e não aceitam brincadeiras e comentários que as diminuam ou retratem de forma caricata.
Isso talvez explique a razão de nenhuma nova banda tenha seguido o legado dos Mamonas. Os próprios, bem possível, vivos fossem, seriam taxados de homofóbicos, racistas, misóginos ao dedilharem os primeiros acordes em um show qualquer em rincão do país.
O mundo era outro. O Brasil era outro. O rock nasceu como música de contestação e, para o bem do gênero, deve seguir esta tendência. Mas quando isso vira uma forma de opressão?
São questões complexas demais para serem resolvidas em julgamentos direcionados.
“Os Mamonas eram contras as minorias!!”, dirão os mais exaltados, em uma revisão histórica canhestra. É preciso entender os valores da época. O espírito do tempo (o “zeitgeist”, como dizem os alemães). Da mesma forma que não se pode rapidamente taxar Monteiro Lobato de racista por caracterizar Tia Anastácia (personagem negra) com desdém e de forma depreciativa.
Antes de riscar as primeiras chamas da Santa Fogueira da Inquisição é preciso entender a dimensão da arte, o poder da ironia e, em última instância, os valores que norteiam o mundo a cada geração.
O Brasil de Monteiro Lobato (nascido no século 19 e morto em 1948) era baseado em relações raciais frutos de uma escravidão terminada às pressas e sem a necessária reparação aos negros oprimidos. A obra de Lobato, mesmo que numa esfera inconsciente, retrata este valores.
O Brasil dos Mamonas Assassinas é do jovem pobre, que, ao alcançar o sucesso, tem a felicidade atribuída ao poder de compra — o valor está nos objetos de consumo. Os que não conseguem estabelecer este patamar são alvos de chacota. Os que não conseguem são, em sua maioria, nordestinos, mulheres etc.
Num livre exercício de futurologia, sem muito compromisso com a realidade, é possível imaginar que se o PT-LSD conseguisse aterrizar impune naquela noite trágica de 2 de março a banda dificilmente continuaria voando em céu de brigadeiro de um sucesso estrondoso. Ou adaptaria seu ritmo musical a tendências, digamos assim, menos polêmicas ou se tornaria uma banda de nicho — tocada para um público restrito que finca a bandeira no politicamente incorreto como forma de protesto.
Jamais saberemos, meu xuxuzinho.
Óh yes!
Óh no!