CALDEIRÃO DA FOLIA: Mudança do Garcia é palco para temas como política, sexo, racismo e… até mesmo Carnaval

Quem olha o Carnaval de Salvador por dentro percebe, ainda que tímida, uma tentativa de trazer a festa de volta às suas raízes. O aumento dos blocos sem corda, o povão sendo colocado no centro da folia, são sintomas de que o modelo de massificação de blocos e camarotes privados tem perdido espaço para aqueles que saem às ruas com os objetivos de diversão e mistura que, somadas, só podem resultar em pluralidade. Certamente, o maior símbolo de resistência e que há anos tenta trazer à tona este resquício do passado é a Mudança do Garcia, um dos destaques desta segunda-feira (08/02), penúltimo dia da folia.

Há mais de 80 anos, a genuína festa popular percorre as ruas do bairro até o Campo Grande. Em 2016, o circuito foi batizado como o nome de Riachão, homenagem ao lendário sambista de 95 anos, que nasceu nas ruas do Garcia. E tão rica e diversa quanto a história do artista, é o recheio de significados que se encontra nesta festa dentro da festa. Lá se fala de tudo. Há espaço para temas como política, sexo, racismo e até carnaval.

Um bom exemplo é dado por Douglas de Almeida, 60 anos, líder do grupo Boca de Brasa, referência ao poeta baiano Gregório de Matos. Criado em 1996, o bloco do lirismo participa da festa há 10 anos. ?O público já espera por nós. Esse é um espaço privilegiado, é o espaço da poesia. Têm lugares que, quando a gente chega, as pessoas já estão esperando?. Ele conta ainda que, apesar de não remunerada, a atividade traz um imenso prazer. ?Fazemos pela arte. Estamos dançando, nos divertindo, mas ao mesmo tempo levando a literatura da Bahia que é riquíssima, mas pouco conhecida?.

Ideologias também podem ser encontradas sob o sol escaldante que esquenta as ruas do Centro. Política sim. Por que não? Nilton Nunes, 65 anos, morador do bairro, participa todos os anos do desfile levando as idéias comunistas para a avenida. ?Estamos aqui, em um regime democrático, tentando passar isso para os mais jovens. Estamos sempre em uma ideologia de esquerda. Nada fechado, mas sim democrático?.

Temas cada vez mais atuais, como o combate ao racismo, não poderiam faltar em uma das cidades mais negras do mundo. Ailton Ferreira, 57 anos, participa da Mudança do Garcia há 22 anos de forma ininterrupta. ?Nós fazemos o combate ao racismo, o combate a intolerância religiosa. O trabalho para as pessoas respeitarem a pluralidade e a diversidade cultural?.

Com a experiência de quem acompanha a história de perto há mais de duas décadas, ele resume qual o real significado desta celebração popular. ?A Mudança do Garcia é uma síntese. Aqui tem de tudo. Você vai encontrar todas as cores, todas as religiões, todos os times de futebol. A Mudança se caracteriza por levantar os temas sociais, sempre. Desde a sua gênese, desde o seu primeiro momento. É o momento da sociedade dizer aquilo que incomoda, dizer aquilo que está gostando e brincar com a situação. Aqui não tem lugar para o rancor, para o revanchismo. Aqui é brincando que a gente diz as coisas. O suor desce, mas adocica e a gente fala as coisas dando risada?.

Definição melhor, impossível. Ficou com vontade de sentir tudo isto na prática? Se junte ao cortejo no ao que vem. Certamente, haverá um espaço reservado para você.