Carnaval

A Praça e o Poeta: símbolo do Carnaval de Salvador, Castro Alves recebe abertura da folia

O evento na praça será comandado por Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, BaianaSystem e terá participação especial do Ilê Aiyê

Por Matheus Caldas

A Praça e o Poeta: símbolo do Carnaval de Salvador, Castro Alves recebe abertura da foliaCréditos da foto: Ilê: André Frutuôso / Ivete: divulgação/ Brown: Roncca / Baiana: divulgação
"A Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião": em 1977, Caetano Veloso compôs  “Um Frevo Novo”, música que, em um dos seus versos, homenageia um dos locais símbolo da cidade, mas, sobretudo, do Carnaval de Salvador. Durante os últimos 47 anos, a praça recebeu alguns dos momentos mais emblemáticos da Bahia. E, nesta quinta-feira (8/2), a partir das 16h, 47 anos depois da música composta por Caetano, um ato simbólico vai abrir oficialmente uma das principais manifestações populares do mundo: o encontro de trios, que, tradicionalmente, demarcava o fim do circuito do Centro.
O evento será comandado por quatro das atrações que mais dão tom ao atual modelo do Carnaval soteropolitano: Ivete Sangalo, Carlinhos Brown e BaianaSystem, que terão a participação do Ilê Aiyê.
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Para o presidente da Empresa Salvador Turismo (Saltur), autarquia ligada à prefeitura, Isaac Edington, a iniciativa visa fortalecer o Carnaval no Centro. “Por que não fazer a abertura do Carnaval onde, normalmente, é o fim? A praça Castro Alves se notabilizava pela madrugada. Dialogamos com alguns artistas e esses eles se dispuseram a estar conosco. Vamos fazer uma abertura histórica, transmitida para o mundo inteiro e dando a grande demonstração da importância que é o Carnaval”, afirma, em entrevista ao Aratu On.
Segundo Edington, é necessário que as simbologias do Carnaval se unam a “investimentos concretos” para revitalização da folia no Centro. “Não será apenas a abertura do Carnaval, com grandes artistas. Será a abertura do Carnaval do Brasil. Isso é muito importante para uma cidade como Salvador. Quando falamos em investimento, é algo que vale muito a pena. O que ganhamos de visibilidade... Salvador é a cidade que os turistas mais desejam vir neste período”, analisa.

PRAÇA DE QUESTIONAMENTOS


A importância da Castro Alves para o Carnaval está para além da estética da festa. Segundo o reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Miguez, doutor em Comunicação e Culturas Contemporâneas pela própria instituição, o local reunia, além de foliões, centenas de militantes contrários à ditadura militar “A praça foi, especialmente durante a década de 1970, uma espécie de zona libertada, onde a alegria carnavalesca era o contraponto àquele ambiente tenebroso de ditadura militar. Era um espaço de oposição. Era aberto a um conjunto muito grande de transgressões inadmissíveis para o regime militar”, relembra.
Em 1972, ano no qual, coincidentemente, Ivete, uma das atrações desta quinta, nasceu, um acontecimento marcou a história da Castro Alves: após voltar do exílio em decorrência da repressão do regime militar, Caetano Veloso foi homenageado a bordo do trio elétrico Caetanave. Para Miguez, que estava na praça neste dia, foi um dos momentos mais emocionantes para ele, enquanto folião. “Ele recebeu uma homenagem magistral de Orlando Campos com a Caetanave e levou Caetano e nós todos às lágrimas”.
Caetano é, de fato, um dos grandes expoentes dos primeiros anos de Carnaval com trio elétrico. Numa época em que o Centro era o circuito de maior efervescência cultural da capital, ele se juntou a artistas como Moraes Moreira, com o Novos Baianos, e Armandinho, Dodô e Osmar para fazer, a partir de 1974, o encontro de trios, um dos principais símbolos da folia momesca soteropolitana, que acontecia, espontaneamente, sobretudo nos primeiros anos da década.
Na década de 1980, com a banda Acordes Verdes, Luiz Caldas, o primeiro expoente do Axé Music, também participou de alguns encontros. Para ele, é um movimento que precisa ser preservado. “As mudanças que ocorrem durante o tempo, a meu ver, devem ser cuidadosas por quem dirige a vida das pessoas, para que a gente não perca esses pontos culturais de importância fundamental para nossa história carnavalesca”, reivindica.
"Participei muito, desde o tempo dos Tapajós, Novos Baianos, Armandinho, Dodo e Osmar, junto com Moraes. É fora de série lembrar desses momentos e da importância da Castro Alves”, acrescenta, enaltecendo este ponto do Carnaval de Salvador.
Para Luiz, a abertura desta quinta é importante para a manutenção do Centro – e da Castro Alves – como um espaço relevante para a festa. “É sempre bom a gente ter, principalmente com artistas da envergadura de Brown, Ivete e da BaianaSystem. É maravilhoso. Vai dar um gás muito interessante para aquele local, que é um lugar importantíssimo e muito simbólico para nossa história”, destaca.

ANTES OU AGORA?


Embora fale com saudosismo a respeito da praça e da configuração do Carnaval no século passado, Paulo Miguez diz que a romantização dos foliões mais antigos não pode anular a importância do modus operandi atual da festa.
“Tenho saudade da juventude, não dos Carnavais antigos. Meu pai dizia que bom era no tempo dele. Eu dizer agora, com quase 70 anos, que bom era no meu tempo é desrespeitoso com os jovens, que também sabem fazer seus Carnavais. A praça merecerá sempre um lugar especial pelo que ela significou”, pondera.
Na visão do pesquisador, embora o circuito do Centro e, sobretudo a Castro Alves, precisem, sim, de maiores investimentos, as mudanças inerentes à estrutura da festa também promovem a criação de outros espaços e simbologias importantes. “Os trios elétricos eram caminhões. Hoje, pode ser arriscado, do ponto de vista de segurança, porque são carretas que podem até comprometer a estrutura”, analisa.
Diante deste panorama, ele acredita que o Centro, tenha, efetivamente, perdido espaço, em detrimento do circuito Barra-Ondina. Miguez, contudo, prefere não classificar este processo como “decadência”.
“Acho que o Carnaval tem uma vitalidade capaz de produzir novas configurações do ponto de vista da organização. Essas mudanças, fizeram, especialmente, a partir dos anos 80, quando começa a se estabelecer uma diferente configuração econômica, com que a praça ficasse para trás. O Carnaval do Centro perdeu muita vitalidade, embora continue sendo um grande Carnaval”, pontua.
Apesar desta avaliação, Miguez crê que, durante décadas, o poder público se eximiu da responsabilidade de valorizar o Centro. “Houve um abandono no sentido de que as transformações acabaram produzindo uma reordenação territorial que culminou com um novo circuito, o Barra-Ondina. Isso se deu porque o poder publico se eximiu da responsabilidade. Quem deveria dizer o dia que o bloco desfila não deveria ser o bloco, mas a prefeitura. Durante muito tempo, isso prevaleceu”, critica.
Contudo, embora faça esta ressalva a respeito do Estado, o pesquisador elogiou a iniciativa da administração municipal. “Acho que há uma compreensão da importância dessa requalificação, da importância do espaço do Centro. Espero que as ações que venham a ser implementadas possam, efetivamente, requalificar esse espaço. Digo isso sem aquela visão atrasada, que fala como se antes fosse melhor. Não era melhor: era diferente”, conclui.
Assim como no início desta reportagem, Luiz Caldas cita os versos de Caetano para projetar o futuro da Praça Castro Alves. “A Praça Castro Alves é do povo como o céu é do avião. Espero que ela volte a ser do povo novamente”, finaliza.
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