A hist&oacute;ria n&atilde;o &eacute; de todo desconhecida. Um beb&ecirc; de apenas oito meses teve o p&ecirc;nis arrancado por um cachorro, num minuto que a m&atilde;e saiu de perto dele. Esse caso aconteceu h&aacute; mais de 20 anos, na cidade de Itapicuru, a cerca de 215 km de Salvador, na Bahia. Na &eacute;poca, a m&atilde;e foi orientada&nbsp;a operar o menino para que ele tivesse um &oacute;rg&atilde;o genital feminino, mas ela n&atilde;o quis.

Quando o garoto, que aqui vamos chamar de Heitor*, tinha 11 anos, ele conheceu o m&eacute;dico Ubirajara Barroso, ent&atilde;o respons&aacute;vel pelo setor de urologia pedi&aacute;trica do Hospital S&atilde;o Rafael, na capital baiana. Junto com o desenvolvedor da t&eacute;cnica de reconstru&ccedil;&atilde;o genital na inf&acirc;ncia, o especialista italiano Roberto Castro, eles refizeram o p&ecirc;nis do menino, que at&eacute; aquele momento urinava por um orif&iacute;cio.

Apesar de terem utilizado o&nbsp;ambiente de um&nbsp;hospital particular, a cirurgia foi realizada pelo Sistema &Uacute;nico de Sa&uacute;de (SUS) e durou cerca de quatro horas. Depois, Heitor vinha para a capital baiana&nbsp;periodicamente para revis&atilde;o.&nbsp;

&ldquo;N&oacute;s fizemos um p&ecirc;nis, a anatomia, mas reconstru&iacute;do de um tecido abdominal. Basicamente era pele e gordura - que naquele momento se prestou n&atilde;o para algo funcional, mesmo porque era um garoto -, mas preenchia a regi&atilde;o como &oacute;rg&atilde;o genital masculino e a crian&ccedil;a cresceu visualmente com p&ecirc;nis&rdquo;, relembra o urologista baiano. Por&eacute;m, com o passar dos anos, o&nbsp;garoto cresceu e passou a ter outras expectativas, principalmente sexuais.&nbsp;

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Foi assim que, em 2019, Heitor passou por outro procedimento cir&uacute;rgico comandado por&nbsp;Ubirajara Barroso. Dessa vez, uma t&eacute;cnica in&eacute;dita no mundo e feita mais uma vez pelo SUS, no Hospital Universit&aacute;rio Professor Edgard Santos (HUPES), o Hospital das Cl&iacute;nicas.

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&ldquo;Colocar uma pr&oacute;tese seria algo muito complicado, porque n&atilde;o havia tecido de sustenta&ccedil;&atilde;o. Ent&atilde;o nasceu a ideia de se fazer um procedimento em que n&oacute;s aproveit&aacute;ssemos a estrutura do p&ecirc;nis que est&aacute; por dentro do corpo, na regi&atilde;o perineal, destacando essa estrutura do osso [porque boa parte do p&ecirc;nis &eacute; interna e fixada no osso da&nbsp;bacia].&nbsp;Decidimos fazer um procedimento em que liber&aacute;ssemos a por&ccedil;&atilde;o &oacute;ssea do p&ecirc;nis, que ficaria livre para ascender at&eacute; a superf&iacute;cie, como se n&oacute;s tir&aacute;ssemos um iceberg de dentro do mar&rdquo;, explica&nbsp;Barroso&nbsp;ao Aratu On.

A vantagem, segundo o m&eacute;dico, seria preservar as estruturas penianas, j&aacute; que a &uacute;nica forma de reconstruir o p&ecirc;nis (antes disso) era por meio de um enxerto ou de um retalho livre, que nada mais &eacute; que uma por&ccedil;&atilde;o do corpo, como antebra&ccedil;o ou coxa, e esculpir um falo a partir delas. &ldquo;Ent&atilde;o essa t&eacute;cnica &eacute; a primeira que voc&ecirc; pode, de fato, utilizar as estruturas originais do paciente para reconstruir o falo&rdquo;, afirma&nbsp;Ubirajara.

Depois de Heitor, a equipe m&eacute;dica liderada por Barroso realizou mais cinco procedimentos, incluindo casos de microp&ecirc;nis, amputa&ccedil;&atilde;o do &oacute;rg&atilde;o e de um homem trans, sendo cinco baianos e um ga&uacute;cho, todos operados pela rede p&uacute;blica de sa&uacute;de.&nbsp;A t&eacute;cnica inovadora, batizada de Mobiliza&ccedil;&atilde;o Total dos Corpos (TCM, na abrevia&ccedil;&atilde;o em ingl&ecirc;s), foi publicada cientificamente no <a href="https://www.intbrazjurol.com.br/video-section/20220177_barroso_et_al/" target="_blank">International Brazilian Journal of Urology</a>, com v&iacute;deo [Aten&ccedil;&atilde;o! Conte&uacute;do sens&iacute;vel].&nbsp;

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O m&eacute;dico Ubirajara &eacute; o atual coordenador da disciplina de urologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde tamb&eacute;m &eacute; professor livre-docente, e&nbsp;diretor cient&iacute;fico da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Para ele, a realiza&ccedil;&atilde;o da TCM em microp&ecirc;nis &eacute; mais desafiadora, porque a anatomia &eacute; a mesma de um p&ecirc;nis normal, s&oacute; que pequeno a ponto de impossibilitar a penetra&ccedil;&atilde;o.

&ldquo;Nesse paciente [do microp&ecirc;nis], n&oacute;s n&atilde;o somente&nbsp;exteriorizamos o p&ecirc;nis com a nossa t&eacute;cnica, mas tamb&eacute;m fizemos uma varia&ccedil;&atilde;o para engross&aacute;-lo. Houve uma mudan&ccedil;a incr&iacute;vel, passando&nbsp;de 3,5 cm,&nbsp;com p&ecirc;nis ereto, para&nbsp;9,5 cm&rdquo;, conta, afirmando que o homem est&aacute; muito satisfeito com o resultado e que j&aacute; sente outro prazer na masturba&ccedil;&atilde;o. Apesar de ainda n&atilde;o ter tentado uma rela&ccedil;&atilde;o sexual com penetra&ccedil;&atilde;o, acredita que &eacute; poss&iacute;vel.

AMPUTA&Ccedil;&Atilde;O PENIANA

Em um paciente que perdeu o p&ecirc;nis&nbsp;devido a um&nbsp;c&acirc;ncer de no local, o &oacute;rg&atilde;o foi recuperado. &ldquo;Esse tem parceira e penetra normalmente, inclusive por cima, que &eacute; um &acirc;ngulo mais dif&iacute;cil de penetra&ccedil;&atilde;o&rdquo;, diz o urologista. Ele aproveita para ressaltar que uma das principais causas de amputa&ccedil;&atilde;o peniana &eacute; a referida doen&ccedil;a, que na maioria das vezes pode ser evitada&nbsp;com h&aacute;bitos de higiene.

HOMEM TRANS

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J&aacute; no caso do homem trans,&nbsp;Barroso diz que o procedimento &eacute; basicamente igual ao realizado em um homem cis, porque &ldquo;o clit&oacute;ris tem a anatomia exatamente id&ecirc;ntica&rdquo;, com dois corpos cavernosos que se afastam e se inserem tamb&eacute;m no osso.

&ldquo;O que n&oacute;s fizemos foi a mesma coisa: &lsquo;desinserimos&rsquo;, como fizemos em todos os casos, engrossamos o falo [por meio de um tecido local que fica ali por dentro da vagina, chamado de &lsquo;Retalho de Martius&rsquo;], utilizamos tecido da mucosa da boca para reconstruir a uretra, utilizando como enxerto, e em seis meses do procedimento realizaremos o fechamento desse tecido para reconstruir a uretra. Tem&nbsp;que ser feito em dois tempos [um&nbsp;para fazer o falo e o outro para fazer a uretra],&nbsp;porque alguns homens trans querem urinar de p&eacute;. Se &eacute; poss&iacute;vel fazer - e &eacute; poss&iacute;vel -, n&oacute;s realizamos isso tamb&eacute;m&rdquo;, avalia.

ALTERNATIVAS

Se n&atilde;o passasse pela TCM, Heitor teria algumas outras possibilidades, como a utiliza&ccedil;&atilde;o dos retalhos livres, preservando vasos e nervos por meio de microcirurgia para nutrir esse retalho, fazendo com que haja ou permane&ccedil;a sensibilidade.

&quot;Mas,&nbsp;obviamente, a sensibilidade er&oacute;gena, essa sensa&ccedil;&atilde;o er&oacute;tica e prazer que existe nem um &oacute;rg&atilde;o genital normal&nbsp;&eacute; maior do que aquele reconstru&iacute;do por meio desses dessas t&eacute;cnicas&quot;, destaca&nbsp;Ubirajara. Segundo ele, uma das vantagens &eacute; &quot;customizar&quot; o tamanho, mas a grande desvantagem &eacute; a necessidade do uso de uma pr&oacute;tese, muitas vezes infl&aacute;vel, que custa de R$ 85 a 90 mil&nbsp;e n&atilde;o &eacute; fornecida pelo SUS, nem por planos de sa&uacute;de.

Outra alternativa seria uma pr&oacute;tese semirr&iacute;gida, que costuma&nbsp;romper a pele. As infl&aacute;veis tamb&eacute;m n&atilde;o est&atilde;o isentas desse risco, e cerca&nbsp;de 50% acabam sendo exteriorizadas. &quot;Creio que essa nossa t&eacute;cnica&nbsp;tem a vantagem justamente da preserva&ccedil;&atilde;o dos tecidos er&eacute;teis da pr&oacute;pria pessoa. Tanto que, at&eacute; o momento, todos preservaram a ere&ccedil;&atilde;o&quot;, enfatiza.

TCM PARA AUMENTAR QUALQUER P&Ecirc;NIS?

O professor&nbsp;alerta&nbsp;que pessoas com problema de ere&ccedil;&atilde;o n&atilde;o s&atilde;o indicadas para a cirurgia, pois isso &eacute; resolvido com&nbsp;medica&ccedil;&atilde;o, inje&ccedil;&atilde;o ou&nbsp;pr&oacute;tese. Tamb&eacute;m&nbsp;n&atilde;o &eacute; para qualquer um que&nbsp;ache seu&nbsp;p&ecirc;nis pequeno. &quot;Muita gente acha que tem p&ecirc;nis pequeno, mas, na verdade, tem um p&ecirc;nis normal. Precisa muito mais de um psic&oacute;logo, do que de um procedimento cir&uacute;rgico&quot;, opina.

Outros, de fato, t&ecirc;m o p&ecirc;nis embutido, o que dificulta a higiene e, &agrave;s vezes, a penetra&ccedil;&atilde;o. Nesses casos &eacute; poss&iacute;vel a reconstru&ccedil;&atilde;o, mas a t&eacute;cnica de&nbsp;Barroso &eacute; para&nbsp;quem tem, de fato, o tamanho desfavor&aacute;vel, seja com microp&ecirc;nis, p&ecirc;nis amputado ou homem trans. &quot;S&atilde;o essas&nbsp;tr&ecirc;s&nbsp;grandes indica&ccedil;&otilde;es&quot;, ressalta.

Com o sucesso das recentes cirurgias de mobiliza&ccedil;&atilde;o total dos corpos cavernosos, a procura pelo procedimento tem aumentado - na casa dos milhares, conforme&nbsp;o m&eacute;dico. Por isso, ele espera que mais profissionais aprendam a realiz&aacute;-lo e que,&nbsp;assim,&nbsp;mais pessoas sejam beneficiadas. &quot;O pr&ecirc;mio principal &eacute; devolver &agrave;s pessoas a autoestima e a possibilidade de ter uma vida sexual plena&quot;, conclui.

*Nome fict&iacute;cio para preservar a identidade do paciente.

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