Essa hist&oacute;ria nunca foi escrita.&nbsp;&nbsp;Ela fala sobre o Atl&eacute;tico de Alagoinhas, o primeiro clube do interior da Bahia a levantar a ta&ccedil;a do campeonato estadual de futebol por dois anos seguidos. Ela fala sobre o Jacuipense, a outra grande for&ccedil;a do esporte baiano, com 56 anos de funda&ccedil;&atilde;o, que se notabilizou a partir de 2015, participando da Copa do Brasil. Mas ela come&ccedil;a com Ant&ocirc;nio Pena.

Ant&ocirc;nio Pena, um pr&oacute;spero dono de uma frota de &ocirc;nibus intermunicipais, apaixonado pelo esporte, emprestou o nome da via&ccedil;&atilde;o para o clube em que foi um dos fundadores na d&eacute;cada de 70: Catuense. O time que revelou Bob&ocirc;, Sandro, Luiz Henrique, Naldinho e Vandick passou 30 anos como o maior rival do Atl&eacute;tico de Alagoinhas - e sempre superior em campo. At&eacute; um confronto no campeonato estadual de 2007, realizado em Catu.&nbsp;

Essa hist&oacute;ria jamais ser&aacute; escrita. &Eacute; das que emolduram o chav&atilde;o que diz que futebol &eacute; mais que um esporte. Por uma s&eacute;rie de problemas financeiros, o time do Atl&eacute;tico chegou ao est&aacute;dio de Catu sem todas as chuteiras para os jogadores. Foi Ant&ocirc;nio Pena quem mandou providenciar os cal&ccedil;ados, evitando que a Catuense (o time que ele fundou) ganhasse por WO.

Corta para 10 de abril de 2022: Atl&eacute;tico, com chuteiras novas para titulares, e para reservas, com uniformes personalizados, com sal&aacute;rios em dia, ganha o segundo t&iacute;tulo estadual seguido, feito in&eacute;dito para um clube do interior, em 117 edi&ccedil;&otilde;es do Campeonato Baiano.&nbsp;

Derrotou, por 2x0, o forte Jacuipense, entre os raros clubes do interior que pode alardear ter gest&atilde;o profissional, equipe que fez a melhor campanha entre todos os dez times do Baian&atilde;o 2022.&nbsp;

A decis&atilde;o interiorana teve tamb&eacute;m nuances pol&iacute;ticas. O ex-prefeito de Salvador, ACM Neto (Uni&atilde;o Brasil), deixou um pouco o Bahia e homenageou as duas equipes posando com as camisas de ambos. O deputado federal Z&eacute; Neto (PT) publicou que gostaria de ver o Fluminense de Feira na final, mas reconheceu a superioridade moment&acirc;nea das duas equipes.

O deputado F&eacute;lix Mendon&ccedil;a (PDT) exibiu um trecho do Linha de Frente (o produto de pol&iacute;tica do Grupo Aratu) e lembrou que este que escreve &eacute; torcedor do Atl&eacute;tico.&nbsp;Em todos os pr&eacute;-candidatos, o interesse genu&iacute;no de se aproximar das cidades que, somadas, passam de 200 mil habitantes, e de 100 mil eleitores.&nbsp;

A final tamb&eacute;m atraiu &iacute;dolos da m&uacute;sica nacional. O rapper Mano Brown gravou mensagem de incentivo para o clube. Qual a rela&ccedil;&atilde;o dele com o Jacuipense? A m&atilde;e nasceu em Riach&atilde;o do Jacu&iacute;pe.&nbsp;Durante o hino nacional, na Arena Valfred&atilde;o (Est&aacute;dio Eliel Martins), jogadores dos dois times em l&aacute;grimas.

Era a primeira vez que Riach&atilde;o do Jacu&iacute;pe, um munic&iacute;pio com menos de 50 mil habitantes, recebia a final do campeonato estadual. Um evento at&eacute; ent&atilde;o ins&oacute;lito para a cidade com economia baseada na pecu&aacute;ria bovina e su&iacute;na e na agricultura do sisal. De acordo com o censo do IBGE de 2019, o PIB por habitante n&atilde;o passa de R$ 10,7 mil por ano. A mesma pesquisa colocou Alagoinhas com o PIB per capita de R$ 28 mil. &nbsp;

Quest&otilde;es que envolvem economia, paix&atilde;o, cultura e um novo eixo do esporte estadual. O presidente da Federa&ccedil;&atilde;o Bahiana de Futebol, Ricardo Lima, declarou: &ldquo;costumo dizer que &eacute; melhor valorizar aqueles que est&atilde;o chegando do que os que deixaram de chegar&rdquo;.&nbsp;

O JOGO

Quando a partida come&ccedil;ou, a torcida do Jacuipense fez a temperatura ultrapassar os 35&deg;C registrados no est&aacute;dio. Mas foi a minoria do Carcar&aacute; que vibrou primeiro. Gol de Tiaguinho, em um chute de primeira, de chapa, ap&oacute;s a rebatida do goleiro Mota, abriu o placar aos 15 minutos de jogo.

O narrador Rainan Peralva, colocando emo&ccedil;&atilde;o durante a transmiss&atilde;o da TVE, largou: &ldquo;Carcar&aacute;, p&aacute;ssaro malvado, tem fome de t&iacute;tulo. Pega, mata e come!&rdquo;. S&oacute; que a comemora&ccedil;&atilde;o precisou de um suspense. Ap&oacute;s dois minutos de an&aacute;lise pelo VAR, o gol foi validado pelo &aacute;rbitro Diego Pombo Lopez.&nbsp;

Foi o quinto gol de Tiaguinho no campeonato, vice-artilheiro, atr&aacute;s apenas do companheiro de equipe Miller, com seis gols.&nbsp;At&eacute; as finais, o Jacuipense foi, disparadamente, o melhor time da competi&ccedil;&atilde;o. De nove partidas disputadas na fase inicial, ganhou sete, s&oacute; perdeu as duas &uacute;ltimas para Bahia e Atl&eacute;tico. Estava credenciado para confirmar a boa fase com o primeiro t&iacute;tulo da hist&oacute;ria.&nbsp;

No segundo tempo, a situa&ccedil;&atilde;o do Le&atilde;o do Sisal se complicou mais. Aos 19 minutos, o jogador Nilton foi expulso ap&oacute;s tomar o segundo cart&atilde;o amarelo. Bremer ainda salvou um gol aos 32 do segundo tempo, tirando uma bola em cima da linha da meta.&nbsp;

Ainda faltava um momento de &ecirc;xtase. Um p&ecirc;nalti defendido Mota, um dos principais atletas da competi&ccedil;&atilde;o, que j&aacute; tinha defendido p&ecirc;nalti no jogo de ida. S&oacute; que o rebote foi aproveitado por outro vitorioso, o lateral Paulinho, que ganhou t&iacute;tulo da divis&atilde;o de acesso pelo Barcelona e j&aacute; tinha liderado o Atl&eacute;tico na campanha vitoriosa em 2021. &ldquo;&Eacute; muito dif&iacute;cil conquistar t&iacute;tulo com um time do interior&rdquo;, desabafou&nbsp;o goleador ao final da partida, antes de receber medalha e ta&ccedil;a.&nbsp;

Corta para 2007, naquele chamado Cl&aacute;ssico da Laranja. Com chuteiras emprestadas dos advers&aacute;rios, o Atl&eacute;tico ganhou por um a zero. O gol solit&aacute;rio foi marcado pelo goleiro Tigre, uma exc&ecirc;ntrica figura que, j&aacute; veterano, virou &iacute;dolo da torcida em Alagoinhas.

Ap&oacute;s aquela partida, a Catuense foi rebaixada no estadual e jamais voltou a disputar a primeira divis&atilde;o. Quem testemunhou aquilo viu em Ant&ocirc;nio Pena, que por muitos anos fora criticado por fundar o rival do Carcar&aacute;, uma figura imune a rancores, acima&nbsp;dos interesses em vit&oacute;rias imediatas, quase como pairando sobre&nbsp;o&nbsp;bem e o mal.

Se o Atl&eacute;tico chegou at&eacute; aqui, tem muito da contribui&ccedil;&atilde;o de Pena, que morreu aos 86 anos, em fevereiro de 2016, sem ver a Catuense campe&atilde; estadual. Ele se foi, mas o legado de um apaixonado por futebol continuou atrav&eacute;s da camisa do maior advers&aacute;rio. Que ele n&atilde;o considerava rival. Uma hist&oacute;ria como essa precisava ser escrita.

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