Celebrado no dia 23 de abril, em homenagem &agrave;s datas de morte dos escritores Miguel de Cervantes e Willian Shakespeare, o Dia do Livro traz <a href="https://aratuon.com.br/cultura/dia-mundial-do-livro-destaca-queda-do-habito-de-leitura-no-brasil" target="_blank" rel="noopener">um olhar para o universo da literatura e das hist&oacute;rias</a>. Mas quando n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel dar esse &ldquo;olhar&rdquo;, como no caso das Pessoas com Defici&ecirc;ncia (PCD) visual, qual o caminho? O <a href="aratuon.com.br" target="_blank" rel="noopener">Aratu On</a> conversou com leitoras PCD que contaram suas experi&ecirc;ncias com a literatura, os estigmas enfrentados e a import&acirc;ncia da inclus&atilde;o na cultura.
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/8b108a91-99a2-4aae-ad3d-642949bd8ab4.jpg?width=1024&amp;height=768" alt="Neste Dia do Livro, duas leitoras com defici&ecirc;ncia visual compartilharam as experi&ecirc;ncias e desafios enfrentados para a inclus&atilde;o no universo liter&aacute;rio. Foto: Ascom/FPC">
<h3>O olhar dos deficientes visuais</h3>
O tabu, a falta de investimento em pol&iacute;ticas p&uacute;blicas e servi&ccedil;os de inclus&atilde;o, sem falar na falta de informa&ccedil;&atilde;o, s&atilde;o alguns dos muitos problemas enfrentados pelo p&uacute;blico PCD no Brasil, para al&eacute;m da pr&oacute;pria defici&ecirc;ncia. De acordo com a fisioterapeuta e massoterapeuta Selma Calazans, de 52 anos, mesmo com todos esses pontos desafiadores, ela sempre conseguiu viver a vida dela e seguir curtindo seus hobbies, como a literatura.
Apaixonada pelo mundo dos livros desde sempre, Selma contou que &eacute; &ldquo;&agrave; moda antiga&rdquo; e prefere os materiais f&iacute;sicos, sendo que uma das coisas que mais sentiu falta ap&oacute;s perder parte da vis&atilde;o era &ldquo;ler tudo&rdquo;.
&ldquo;Eu gosto muito de livro f&iacute;sico, do papel. Eu sou a moda antiga, viu? Quando enxergava bem e meu pai chegava em casa, eu era a primeira pessoa que lia o jornal, os meus dedos ficavam pretos da tinta do jornal. Com a baixa vis&atilde;o, fui me adaptando, neh? Eu tenho lupas f&iacute;sicas, tenho tamb&eacute;m uma lupa eletr&ocirc;nica, que amplia o texto para mim&rdquo;, contou.
Selma perdeu o olho esquerdo em raz&atilde;o de uma doen&ccedil;a, que tamb&eacute;m a fez deixar a fam&iacute;lia em Ilh&eacute;us, na Bahia, e rumar para Salvador em busca de tratamento e tamb&eacute;m uma nova perspectiva de vida. Como &ldquo;Selminha&rdquo; mesmo explica, por ter baixa vis&atilde;o ela consegue enxergar &ldquo;nublado ou parcialmente nublado&rdquo;, o que n&atilde;o a impede de, dentre outras atividades, ser uma leitora voraz - atualmente ela est&aacute; finalizando a leitura de &ldquo;Vidas Secas&rdquo;, do escritor alagoano Graciliano Ramos.
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/1fbd68eb-184c-458a-815a-827aae59e2af.jpg?width=1024&amp;height=768" alt="Selma participando de uma tarde de leituras na Biblioteca dos Barris. Foto: Ascom/FPC">
Diferente de Selma, que ainda consegue enxergar algo, a professora e terapeuta Claudia Lima, de 49 anos, j&aacute; n&atilde;o enxerga mais. Assim como a amiga, &ldquo;Claudinha&rdquo; n&atilde;o nasceu cega, mas devido a um problema de sa&uacute;de foi perdendo a vis&atilde;o gradualmente: primeiro aos 32 anos, de maneira inesperada, gra&ccedil;as a uma s&iacute;ndrome rara que atingiu seu olho esquerdo e, aos 40, foi a vez do direito ser afetado.
&ldquo;Eu sempre digo que n&atilde;o &eacute; a cegueira que vai dizer que me limita, sou eu quem digo para ela onde &eacute; que eu vou, e ela vai ter que me acompanhar do meu jeito. E a gente se d&aacute; bem. No come&ccedil;o n&atilde;o gostava muito dela n&atilde;o, a gente se estranhou muito, mas hoje sou eu, ela e minha bengala&rdquo;, disse a terapeuta.
Alfabetizada e formada como uma pessoa com vis&atilde;o total, Claudia contou que precisou se readaptar &agrave; condi&ccedil;&atilde;o de baixa vis&atilde;o e posteriormente cegueira: &ldquo;Quando eu fui perdendo a vis&atilde;o eu ainda enxergava alguma coisa, ent&atilde;o adaptei isso para a leitura, n&atilde;o por ser somente professora, mas por ser algo que eu sempre gostei. Ent&atilde;o com letras ampliadas, em negrito, eu conseguia ainda ler. Eu gosto muito de poesias, de romances, dos livros de Clarice Lispector, &eacute; uma autora que sou apaixonada. E quando eu comecei a perceber que eu estava perdendo a vis&atilde;o, eu fui pro Braille. S&oacute; que eu nunca tive habilidade com Braille e por isso eu prefiro o aux&iacute;lio dos recursos tecnol&oacute;gicos&rdquo;.
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/165eb2e1-0d0e-469b-b04b-c1df463a9e26.jpg?width=1024&amp;height=768" alt="Claudia mostrando como &eacute; a leitura de um livro traduzido para braile. Foto: Ascom/FPC">
<h3>Dificuldades e estigmas</h3>
Dentre as dificuldades relatadas por elas, est&aacute; o desafio em se obter materiais adaptados para o p&uacute;blico com baixa vis&atilde;o, a exemplo de fonte ampliada, livros em braile ou com tecnologias voltadas para a audiodescri&ccedil;&atilde;o.&nbsp;
Frequentadoras da <a href="https://aratuon.com.br/especiais/dia-bibliotecario-livros-profissao-pouca-visibilidade-profissionais" target="_blank" rel="noopener">Biblioteca Central</a>, localizada nos Barris, em Salvador, elas tiveram acesso a um acervo diverso voltado para o p&uacute;blico PCD. &ldquo;Eu frequentei durante um bom tempo, quando estava terminando o meu ensino m&eacute;dio. Hoje ainda frequento, essa semana peguei tr&ecirc;s [volumes] do livro de Graciliano Ramos para poder ler em fonte ampliada&rdquo;, revelou Selma.
Como os livros voltados para o p&uacute;blico com baixa vis&atilde;o possuem fonte ampliada, uma obra pode ser dividida em v&aacute;rios m&oacute;dulos, a exemplo de Harry Potter e a Ordem da F&ecirc;nix, dispon&iacute;vel do acervo da Biblioteca, que est&aacute; dividido em 17 m&oacute;dulos.
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/a1c9974e-db95-4408-94f5-949f149da1f7.jpg?width=1024&amp;height=768" alt="A tradu&ccedil;&atilde;o em braile livro Harry Potter e a Ordem da F&ecirc;nx resultou em 17 m&oacute;dulos. Foto: Vit&oacute;ria P&aacute;dua/Aratu On">
Devido ao gasto maior de tinta e papel, como s&atilde;o v&aacute;rios &ldquo;livros&rdquo; para formar um, o pre&ccedil;o das obras em fonte ampliada &eacute; maior que os livros &ldquo;convencionais&rdquo;, sendo mais &ldquo;f&aacute;cil&rdquo; encontrar os materiais em servi&ccedil;os p&uacute;blicos.
E quando uma pessoa com defici&ecirc;ncia est&aacute; inserido na escola ou faculdade? Al&eacute;m da quest&atilde;o da falta de acessibilidade no espa&ccedil;o f&iacute;sico, outro problema &eacute; o despreparo por parte das institui&ccedil;&otilde;es para transmitir os conte&uacute;dos e avaliar o estudante cego ou com baixa-vis&atilde;o.
&ldquo;Eu estava no s&eacute;timo semestre de uma faculdade, a&iacute; a professora come&ccedil;ou a entregar uma prova. Ela olhou para mim e falou: &lsquo;Ah, eu esqueci de ampliar sua prova&rsquo;. Eu disse: &lsquo;N&atilde;o se preocupe, professora, n&oacute;s vamos resolver isso. Eu leio para a senhora e a senhora responde para mim&rsquo;&rdquo;, revelou Selma sobre um dos muitos perrengues enfrentados durante a faculdade de fisioterapia.
<h3>Inclus&atilde;o para a Literatura</h3>
Letras, palavras, frases e p&aacute;ginas, quando juntados, podem dar origem ao que chamamos de livros. Para al&eacute;m das vers&otilde;es f&iacute;sicas, a modernidade trouxe o formato digital, em PDF, ampliando o acesso aos materiais. E como que o p&uacute;blico cego ou com baixa vis&atilde;o consome esse material?&nbsp;
Os livros adaptados podem ser traduzidos para a linguagem braile, que &eacute; um sistema de escrita e leitura t&aacute;til para as pessoas cegas, a partir de pontos em relevo; ou a partir do aux&iacute;lio da tecnologia, para a amplia&ccedil;&atilde;o das letras do texto (para o p&uacute;blico com baixa vis&atilde;o) ou mesmo a audiodescri&ccedil;&atilde;o, que promove a leitura dos textos, seja em aplicativos ou mesmo com aux&iacute;lio de ferramentas outras.
As bibliotecas p&uacute;blicas da Bahia possuem em seu acervo quase 3,4 mil obras adaptadas para o p&uacute;blico PCD. Desses, 3 mil s&atilde;o adaptadas para braile, sendo 353 voltados para o p&uacute;blico infantil. Os dados s&atilde;o da Funda&ccedil;&atilde;o Pedro Calmon (FPC) e da Secret&aacute;ria Estadual de Cultura (Secult-BA).
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/23853130-89c7-4ce7-8999-b693dff34f3d.jpg?width=1023&amp;height=767" alt="O acervo de livros adaptos das Bibliotecas P&uacute;blicas da Bahia &eacute; de 3,4 mil. Foto: Vit&oacute;ria P&aacute;dua/Aratu On">
Para Tamires Concei&ccedil;&atilde;o, diretora de Bibliotecas P&uacute;blicas baianas, &eacute; papel do Estado democratizar o acesso &agrave; leitura e oferecer as condi&ccedil;&otilde;es para tal: "A Biblioteca P&uacute;blica Estadual, ela tem que dialogar com todos os p&uacute;blicos e assim n&oacute;s fazemos, tanto na aquisi&ccedil;&atilde;o desse acervo, quanto na programa&ccedil;&atilde;o cultural que a gente oferece. E com rela&ccedil;&atilde;o a essa parte de estimular a vinda &agrave; biblioteca, de estimular tamb&eacute;m que as pessoas com defici&ecirc;ncia consumam esse material. Seja na oferta desse material e tamb&eacute;m com a realiza&ccedil;&atilde;o de diversos eventos ao longo do ano", contou.
Outra ferramenta dispon&iacute;vel no acervo estadual s&atilde;o os &Oacute;culos OrCam, que consiste em um &oacute;culos acoplado em um dispositivo capaz de ler textos em voz alta, identificar rostos, reconhecer produtos, identificar cores e c&eacute;dulas, sem a necessidade de uma conex&atilde;o com a internet: atualmente s&atilde;o 11 &oacute;culos dispon&iacute;veis na Biblioteca Central.
Quando os &oacute;culos foram colocados &agrave; disposi&ccedil;&atilde;o do p&uacute;blico, Claudia foi uma das primeiras a experimentar a tecnologia e revelou que se emocionou demais com a experi&ecirc;ncia:
&ldquo;Quando eu usei, no dia da inaugura&ccedil;&atilde;o desse &oacute;culos, eu chorei muito, foi uma emo&ccedil;&atilde;o muito grande para mim, porque eu j&aacute; eu tinha perdido toda minha vis&atilde;o. E a&iacute;, quando eu botei ele, li uma p&aacute;gina de um livro que tinha escrito &lsquo;eu sou uma bela mulher&rsquo;, foi a frase que estava no papel. Eu nunca me esqueci disso&rdquo;.
<h3>Porta de entrada para outras atividades</h3>
Mais que ser uma esp&eacute;cie de portal para universos e conhecimentos, a literatura e os espa&ccedil;os inclusivos serviram como porta de entrada para que Selma e Claudia realizassem atividades outras, como remo e massagens. Em especial, a dupla descobriu a paix&atilde;o pelo xadrez, esporte que as leva semanalmente at&eacute; a Biblioteca Central para treinar e jogar.
<a href="https://aratuon.com.br/geral/conheca-o-baleiro-que-trabalha-nos-onibus-de-salvador-e-e-fera-no-xadrez-ele-se-inspirou-no-poderoso-chefao" target="_blank" rel="noopener">Como o xadrez</a> adaptado tem o braile incorporado para auxiliar os enxadristas, o conhecimento da linguagem &eacute; fundamental, de acordo com a dupla. Ou seja, &eacute; preciso &ldquo;muito treino, muita leitura&rdquo;.
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/785c7c6d-74f5-46ff-bd6f-00b04232e544.jpg?width=1024&amp;height=768" alt="Exemplo de tabuleiro de xadrez adaptado para deficientes visuais. Foto: Divulga&ccedil;&atilde;o/CNSS">
&ldquo;N&oacute;s temos tr&ecirc;s par&acirc;metros no xadrez que a gente transforma na vida da gente, sendo cego ou n&atilde;o cego: O foco, a sua sa&uacute;de e o equil&iacute;brio emocional. Al&eacute;m de tudo isso, o xadrez ainda precisa do racioc&iacute;nio l&oacute;gico, do jogo, das estrat&eacute;gias. Sou apaixonada por ele, que me tornou uma pessoa muito mais calma, tranquila, porque normalmente eu sou ligada no 220&rdquo;, contou a terapeuta Claudia.
J&aacute; Selminha, que revelou ter voltado a praticar o esporte ap&oacute;s 8 anos parada, conta que tem tentado ensinar a neta de 4 anos a jogar xadrez e que a pequena ainda reclama quando a &ldquo;vov&oacute; sempre ganha&rdquo;:
&ldquo;Eu comprei um xadrez para ela, mas s&oacute; que n&atilde;o &eacute; adaptado para minha vis&atilde;o, sabe? Eu tenho que pegar nas pe&ccedil;as. A&iacute; ela j&aacute; sabe que a av&oacute; dela precisa de uma lupa para ler. Ela n&atilde;o sabe da defici&ecirc;ncia visual, mas ela sabe que a av&oacute; dela enxerga pouco. Ela sabe que a av&oacute; dela precisa de uma lupa para ler. Ent&atilde;o, ela t&aacute; aprendendo, aos poucos&rdquo;. Leitoras, enxadristas, massoterapeutas e pessoas com defici&ecirc;ncia visual, Selma e Claudia mostram que &eacute; poss&iacute;vel sim ter uma vida normal, ativa e diversificada. Sendo todos &ldquo;eternos aprendizes&rdquo;, como Claudinha diz, &eacute; preciso buscar o conhecimento sempre, seja virtual (gra&ccedil;as &agrave;s tecnologias atuais) ou fisicamente, em livros e outros materiais f&iacute;sicos. Nesse dia do livro, &eacute; importante lembrar que o acesso aos universos contidos em cada p&aacute;gina <a href="https://aratuon.com.br/cultura/igualdade-racial-nas-bibliotecas-e-tema-de-discussao-em-salvador-no-dia-do-bibliotecario" target="_blank" rel="noopener">deve estar dispon&iacute;vel para todos</a>.
<img src="https://adm.aratuon.com.br/assets/d9156075-6cd2-4325-9dfb-dc4f0032b5ab.jpg?width=1024&amp;height=768" alt="Claudia e Selma, na Biblioteca Central. Foto: Ascom/FPC">

O vereador Dr. Jos&eacute; Antonio (PTB) apresentou o Projeto de Lei n&ordm; 217/2021, que disp&otilde;e sobre a implementa&ccedil;&atilde;o de pisos t&aacute;teis e placas em braille nos shopping centers de Salvador. A proposta busca implementar mecanismos que facilitem o acesso &agrave;s depend&ecirc;ncias dos equipamentos por pessoas que possuem limita&ccedil;&otilde;es visuais, ampliando o acesso a servi&ccedil;os e ao lazer.

O vereador diz que o censo feito pelo IBGE em 2010 apontava 558.400 pessoas em Salvador com alguma restri&ccedil;&atilde;o visual, seja ela parcial ou total. Esse n&uacute;mero representa 19,36% da popula&ccedil;&atilde;o do munic&iacute;pio.

De acordo com o projeto de lei, os pisos t&aacute;teis dever&atilde;o ser instalados antes e depois de locais com diferen&ccedil;a de n&iacute;vel no trajeto das pessoas, como escadas rolantes, escadas fixas, elevadores, rampas e outros. As placas em braile dever&atilde;o ser instaladas de modo a facilitar o acesso aos quiosques, sanit&aacute;rios, estacionamentos e outras divis&otilde;es de acesso ao p&uacute;blico dos shopping centers.

&ldquo;O expressivo n&uacute;mero de pessoas portadoras de defici&ecirc;ncia visual no munic&iacute;pio de Salvador torna imperativa a ado&ccedil;&atilde;o de pol&iacute;ticas p&uacute;blicas voltadas para os deficientes visuais. Nesse contexto, o piso t&aacute;til e as placas em braille representam autonomia e seguran&ccedil;a aos deficientes visuais&rdquo;, defende Dr. Jos&eacute; Antonio.

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