O total de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo aumentou em 150 milh&otilde;es entre 2020 e 2021, alcan&ccedil;ando 828 milh&otilde;es neste &uacute;ltimo ano. O dado consta no relat&oacute;rio &quot;O Estado de Seguran&ccedil;a Alimentar e Nutri&ccedil;&atilde;o no Mundo&quot;, lan&ccedil;ado nesta quarta-feira (6/7) por cinco ag&ecirc;ncias da Organiza&ccedil;&atilde;o das Na&ccedil;&otilde;es Unidas (ONU).

Em rela&ccedil;&atilde;o ao Brasil, o documento indica que a preval&ecirc;ncia de inseguran&ccedil;a alimentar grave quadruplicou de 3,9 milh&otilde;es, ou o equivalente a 1,9% da popula&ccedil;&atilde;o, entre 2014 e 2016, para 15,4 milh&otilde;es (7,3%), entre 2019 e 2021. A preval&ecirc;ncia de inseguran&ccedil;a alimentar moderada ou grave em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; popula&ccedil;&atilde;o total aumentou de 37,5 milh&otilde;es de pessoas (18,3%), entre 2014 e 2016, para 61,3 milh&otilde;es de pessoas (28,9%), entre 2019 e 2021.

MUNDO

Outro dado preocupante &eacute; que cerca de 2,3 bilh&otilde;es de pessoas no mundo (29,3% do total) enfrentaram inseguran&ccedil;a alimentar moderada ou severa no ano passado, o que corresponde a 350 milh&otilde;es a mais em compara&ccedil;&atilde;o com o per&iacute;odo pr&eacute;-pandemia. Cerca de 924 milh&otilde;es de pessoas (11,7% da popula&ccedil;&atilde;o global) enfrentaram a inseguran&ccedil;a alimentar em n&iacute;veis severos, alta de 207 milh&otilde;es de pessoas em dois anos.

O relat&oacute;rio sinaliza que o mundo est&aacute; se afastando ainda mais da meta de acabar com a fome, a inseguran&ccedil;a alimentar e a m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o em todas as suas formas, que deveria ser cumprida at&eacute; 2030. Depois de permanecer relativamente inalterada desde 2015, a propor&ccedil;&atilde;o de pessoas afetadas pela fome, que era da ordem de 8% em 2019, cresceu para 9,3% em 2020 e continuou a subir em 2021, chegando a 9,8% da popula&ccedil;&atilde;o mundial.

Na avalia&ccedil;&atilde;o dos chefes das ag&ecirc;ncias, o relat&oacute;rio destaca a intensifica&ccedil;&atilde;o dos principais fatores de inseguran&ccedil;a alimentar e m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o que s&atilde;o &ldquo;conflitos, choques clim&aacute;ticos e choques econ&ocirc;micos, combinados com as crescentes desigualdades&quot;. Eles ratificaram que devem ser tomadas medidas mais ousadas para construir resili&ecirc;ncia contra choques futuros.

MULHERES

O g&ecirc;nero foi um fator importante para o resultado. Cerca de 32% das mulheres no mundo enfrentaram inseguran&ccedil;a alimentar moderada ou severa, ante 27,6% dos homens. A diferen&ccedil;a foi de mais de quatro pontos percentuais, em compara&ccedil;&atilde;o aos tr&ecirc;s pontos percentuais observados em 2020.

Segundo o relat&oacute;rio, em torno de 45 milh&otilde;es de crian&ccedil;as menores de cinco anos sofriam de baixo peso para a estatura (wasting), que &eacute; a forma mais mortal de m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o, o que aumenta o risco de morte das crian&ccedil;as em at&eacute; 12 vezes. Al&eacute;m disso, 149 milh&otilde;es de crian&ccedil;as menores de cinco anos tiveram crescimento e desenvolvimento atrofiados (stunting) devido &agrave; falta cr&ocirc;nica de nutrientes essenciais em suas dietas. Por outro lado, 39 milh&otilde;es estavam acima do peso.

Segundo a Ag&ecirc;ncia Brasil, um dado positivo informado pelo relat&oacute;rio &eacute; que, no relativo ao aleitamento materno exclusivo, est&atilde;o ocorrendo progressos. Quase 44% dos beb&ecirc;s com menos de seis meses de idade foram amamentados exclusivamente, em todo o mundo, em 2020. Mas o n&uacute;mero ainda est&aacute; abaixo da meta de 50%, prevista at&eacute; 2030. Outra grande preocupa&ccedil;&atilde;o &eacute; que duas em cada tr&ecirc;s crian&ccedil;as n&atilde;o recebem a dieta m&iacute;nima diversificada de que precisam para crescer e desenvolver seu potencial m&aacute;ximo, indica a publica&ccedil;&atilde;o.

No sentido negativo, aproximadamente 3,1 bilh&otilde;es de pessoas n&atilde;o conseguiram pagar por uma alimenta&ccedil;&atilde;o saud&aacute;vel em 2020, com expans&atilde;o de 112 milh&otilde;es em rela&ccedil;&atilde;o ao ano anterior, reflexo dos efeitos da infla&ccedil;&atilde;o nos pre&ccedil;os dos alimentos ao consumidor, em decorr&ecirc;ncia dos impactos econ&ocirc;micos da pandemia de covid-19 e das medidas postas em pr&aacute;tica para cont&ecirc;-la.

&ldquo;A escala sem precedentes da crise da m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o exige uma resposta sem precedentes&rdquo;, salientou a diretora executiva do Unicef, Catherine Russell. Afirmou que os esfor&ccedil;os de todos devem ser redobrados, para garantir que as crian&ccedil;as mais vulner&aacute;veis tenham acesso a dietas nutritivas, seguras e acess&iacute;veis, e servi&ccedil;os para a preven&ccedil;&atilde;o precoce, detec&ccedil;&atilde;o e tratamento da m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o. &ldquo;Com a vida e o futuro de tantas crian&ccedil;as em jogo, este &eacute; o momento de intensificar nossa ambi&ccedil;&atilde;o pela nutri&ccedil;&atilde;o infantil. N&atilde;o temos tempo a perder&quot;, indicou.

GUERRA

Os representantes das cinco ag&ecirc;ncias da ONU observaram que, neste momento, h&aacute; uma guerra em curso na Ucr&acirc;nia, envolvendo dois dos maiores produtores globais de cereais b&aacute;sicos, oleaginosas e fertilizantes. O conflito est&aacute; interrompendo as cadeias de suprimentos internacionais e elevando os pre&ccedil;os de gr&atilde;os, fertilizantes, energia, bem como alimentos terap&ecirc;uticos prontos para uso por crian&ccedil;as com m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o grave.

As cadeias de suprimentos j&aacute; est&atilde;o sendo afetadas negativamente por eventos clim&aacute;ticos extremos cada vez mais frequentes, em especial em pa&iacute;ses de baixa renda, com implica&ccedil;&otilde;es severas para a seguran&ccedil;a alimentar e nutri&ccedil;&atilde;o globais, destacaram as ag&ecirc;ncias.

O relat&oacute;rio aponta que o apoio mundial ao setor aliment&iacute;cio e agr&iacute;cola totalizou quase US$ 630 bilh&otilde;es por ano, entre 2013 e 2018. A maior parte dos recursos &eacute; destinada aos agricultores individuais, por meio de pol&iacute;ticas comerciais e de mercado e subs&iacute;dios fiscais. De acordo com o estudo, entretanto, este apoio &eacute; distorcido pelo mercado, bem como n&atilde;o est&aacute; atingindo muitos agricultores, o que prejudica o meio ambiente e n&atilde;o promove a produ&ccedil;&atilde;o de alimentos nutritivos que comp&otilde;em uma alimenta&ccedil;&atilde;o saud&aacute;vel.

Isso acontece, em parte, porque os subs&iacute;dios visam, muitas vezes, a produ&ccedil;&atilde;o de alimentos b&aacute;sicos, latic&iacute;nios e outros alimentos de origem animal, especialmente em pa&iacute;ses de alta e m&eacute;dia renda, enquanto frutas, legumes e verduras s&atilde;o menos apoiados, particularmente em pa&iacute;ses de baixa renda.

As ag&ecirc;ncias da ONU que assinam o relat&oacute;rio consideram que, com as amea&ccedil;as de uma recess&atilde;o global iminente e suas implica&ccedil;&otilde;es sobre as receitas e despesas p&uacute;blicas, uma forma de apoiar a recupera&ccedil;&atilde;o econ&ocirc;mica seria atrav&eacute;s da redefini&ccedil;&atilde;o do apoio alimentar e agr&iacute;cola para alimentos nutritivos direcionados onde o consumo per capita, isto &eacute;, por indiv&iacute;duo, n&atilde;o corresponde ainda aos n&iacute;veis recomendados para dietas saud&aacute;veis.

Cabe aos governos repensarem a destina&ccedil;&atilde;o dos recursos usados para incentivar a produ&ccedil;&atilde;o, o fornecimento e o consumo de alimentos nutritivos, de modo a tornar as alimenta&ccedil;&otilde;es saud&aacute;veis mais baratas, mais acess&iacute;veis e equitativas para todas as pessoas. O documento recomenda que os governos poderiam reduzir as barreiras comerciais para alimentos nutritivos, como frutas, legumes, verduras e leguminosas.

Para o diretor-geral da FAO, QU Dongyu, &quot;os pa&iacute;ses de baixa renda, onde a agricultura &eacute; fundamental para a economia, os empregos e os meios de subsist&ecirc;ncia rurais, t&ecirc;m poucos recursos p&uacute;blicos para reaproveitar. A FAO est&aacute; comprometida em continuar trabalhando em conjunto com esses pa&iacute;ses para explorar oportunidades para aumentar a presta&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os p&uacute;blicos para todos os atores em todos os sistemas agroalimentares&quot;.

FUTURO

O cen&aacute;rio projetado para 2030 n&atilde;o &eacute; otimista, de acordo com o relat&oacute;rio. As proje&ccedil;&otilde;es s&atilde;o que cerca de 670 milh&otilde;es de pessoas (8% da popula&ccedil;&atilde;o mundial) ainda enfrentar&atilde;o a fome em 2030, &ldquo;mesmo que uma recupera&ccedil;&atilde;o econ&ocirc;mica global seja levada em considera&ccedil;&atilde;o&rdquo;. O n&uacute;mero &eacute; semelhante ao de 2015, quando o objetivo de acabar com a fome, a inseguran&ccedil;a alimentar e a m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o at&eacute; o final desta d&eacute;cada foi lan&ccedil;ado sob a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustent&aacute;vel.

O presidente do FIDA, Gilbert F. Houngbo, considerou os n&uacute;meros deprimentes para a humanidade. &ldquo;Continuamos nos afastando da nossa meta de acabar com a fome at&eacute; 2030. Os efeitos da crise alimentar global provavelmente piorar&atilde;o o resultado novamente no pr&oacute;ximo ano. Precisamos de uma abordagem mais intensa para acabar com a fome e o FIDA est&aacute; pronto para fazer sua parte, aumentando suas opera&ccedil;&otilde;es e impacto. Estamos ansiosos para ter o apoio de todas as pessoas&quot;, afirmou.

Na avalia&ccedil;&atilde;o do diretor executivo do WFP, David Beasley, existe um perigo real que os n&uacute;meros subam ainda mais nos pr&oacute;ximos meses. Ele estimou que os aumentos globais de pre&ccedil;os de alimentos, combust&iacute;veis e fertilizantes que resultam da crise na Ucr&acirc;nia amea&ccedil;am empurrar os pa&iacute;ses ao redor do mundo para a fome. &ldquo;O resultado ser&aacute; a desestabiliza&ccedil;&atilde;o global, a fome e a migra&ccedil;&atilde;o em massa em uma escala sem precedentes. Temos que agir hoje para evitar essa cat&aacute;strofe iminente&quot;, defendeu.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, comentou que, anualmente, 11 milh&otilde;es de pessoas morrem devido &agrave; alimenta&ccedil;&atilde;o n&atilde;o saud&aacute;vel e que o aumento dos pre&ccedil;os dos alimentos aponta para a piora desse cen&aacute;rio. &ldquo;A OMS apoia os esfor&ccedil;os dos pa&iacute;ses para melhorar os sistemas alimentares, tributando alimentos n&atilde;o saud&aacute;veis e subsidiando op&ccedil;&otilde;es saud&aacute;veis, protegendo as crian&ccedil;as contra o &lsquo;marketing&rsquo; prejudicial e garantindo r&oacute;tulos nutricionais claros. Devemos trabalhar juntos para alcan&ccedil;ar as metas globais de nutri&ccedil;&atilde;o de 2030, combater a fome e a m&aacute; nutri&ccedil;&atilde;o, para garantir que os alimentos sejam uma fonte de sa&uacute;de para todas as pessoas&quot;, destacou o diretor-geral da OMS.

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