O fim da escravid&atilde;o legalizada no Brasil foi um processo constru&iacute;do por pessoas negras, um ponto que especialistas consideram fundamental ser lembrado no dia 13 de maio, data da aboli&ccedil;&atilde;o da escravid&atilde;o.<img src="https://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.png?id=1459481&amp;o=node" /><img src="https://agenciabrasil.ebc.com.br/ebc.gif?id=1459481&amp;o=node" />

&ldquo;Ao longo das &uacute;ltimas d&eacute;cadas, t&ecirc;m aumentado as percep&ccedil;&otilde;es sobre a a&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica dos escravizados, inclusive o pr&oacute;prio 13 de maio&rdquo;, enfatiza o psic&oacute;logo M&aacute;rcio Farias, que coordena a cole&ccedil;&atilde;o Cl&oacute;vis Moura na Editora Dandara.

O 13 de maio &eacute; alvo de disputas por ser uma data oficial usada como uma esp&eacute;cie de &ldquo;a&ccedil;&atilde;o redentora de uma elite, dos setores dominantes, frente ao que foi o horror da escravid&atilde;o&rdquo;, diz Farias.

Segundo o pesquisador, por isso, os movimentos negros precisaram contestar a celebra&ccedil;&atilde;o no sentido em que a aboli&ccedil;&atilde;o estava sendo apresentada como uma benesse concedida pela monarquia &agrave; popula&ccedil;&atilde;o negra.

&ldquo;Talvez seja uma data das mais emblem&aacute;ticas naquilo que s&atilde;o as disputas de projetos de pa&iacute;s colocados, de um lado, por setores das elites dominantes, classes possuidoras de riquezas e poder, e por outro lado tamb&eacute;m reflete como os setores da classe trabalhadora, ao longo do s&eacute;culo 20, foram se posicionando frente a essa data, como uma plataforma de disputa de projeto de sociedade&rdquo;, comenta.

O historiador Rafael Domingos Oliveira, que faz parte do N&uacute;cleo de Estudos e Pesquisas da Afro-Am&eacute;rica, destaca que a promulga&ccedil;&atilde;o da Lei 3.353, em 13 de maio de 1888, acontece em um contexto hist&oacute;rico amplo, que envolve s&eacute;culos de luta das pessoas escravizadas.

&ldquo;O percurso hist&oacute;rico at&eacute; ela [Lei &Aacute;urea] foi muito mais longo e, se quisermos ser rigorosos, come&ccedil;ou com a primeira pessoa a ser escravizada e que, certamente, tentou resistir de todas as formas &agrave; nova condi&ccedil;&atilde;o a que estava sendo submetida. Desde ent&atilde;o, foram muitas as estrat&eacute;gias de resist&ecirc;ncia -- individual e coletiva &ndash; de que as popula&ccedil;&otilde;es escravizadas lan&ccedil;aram m&atilde;o para conquistar sua liberdade.&rdquo;

MOVIMENTO SOCIAL

De acordo com o historiador, a press&atilde;o para o fim da escravid&atilde;o veio de diversas formas, desde a resist&ecirc;ncia direta at&eacute; os movimentos que lutavam a partir da imprensa, da pol&iacute;tica e do Judici&aacute;rio.

&ldquo;A contribui&ccedil;&atilde;o dos movimentos abolicionistas foi, sem d&uacute;vida, fundamental para isso. Outro fator foi a tens&atilde;o constante causada pela viol&ecirc;ncia da escravid&atilde;o, tens&atilde;o geralmente resumida no medo que a classe senhorial cultivava de que revoltas e rebeli&otilde;es pudessem eclodir a qualquer momento&rdquo;, lembra.

&ldquo;H&aacute; uma pesquisa feita pela professora [da Universidade de S&atilde;o Paulo] Angela Alonso que mostra que o primeiro movimento social brasileiro foi o movimento abolicionista. Ela percorre, no livro dele, o per&iacute;odo de 1868 a 1888 mostrando as diferentes estrat&eacute;gias e t&aacute;ticas do movimento social abolicionista para que se chegasse em 1888 com a aboli&ccedil;&atilde;o&rdquo;, acrescenta o soci&oacute;logo e curador de conhecimento na Inesplorato, T&uacute;lio Cust&oacute;dio.

No entanto, em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; luta contra a escravid&atilde;o e pelos direitos da popula&ccedil;&atilde;o negra, o soci&oacute;logo considera mais importante o 20 de novembro, Dia da Consci&ecirc;ncia Negra, data da morte de Zumbi, l&iacute;der do Quilombo dos Palmares.

&ldquo;N&oacute;s temos o 20 de novembro como uma data mais fundamental, porque &eacute; uma data que conecta com a grande luta, ou com uma perspectiva mais ampla da luta contra a escravid&atilde;o, contra o racismo, contra a situa&ccedil;&atilde;o das pessoas negras em um contexto colonial e racista do Brasil&rdquo;, enfatiza.

Por&eacute;m, &eacute; preciso, segundo Cust&oacute;dio, lembrar que promulga&ccedil;&atilde;o da lei que encerrou o per&iacute;odo escravista no pa&iacute;s n&atilde;o foi uma iniciativa da princesa Isabel, respons&aacute;vel pela assinatura do documento oficial, mas, sim uma luta de muitos anos de figuras negras importantes, como Jos&eacute; do Patroc&iacute;nio, Luiz Gama e Andr&eacute; Rebou&ccedil;as.

SEM DIREITOS&nbsp;

Apesar dos esfor&ccedil;os dos abolicionistas, o processo de aboli&ccedil;&atilde;o, no entanto, acabou promovendo a desigualdade racial no Brasil pelas d&eacute;cadas seguintes at&eacute; os dias atuais, diz Domingos Oliveira.

&ldquo;O projeto de redistribui&ccedil;&atilde;o de terras, defendido por Andr&eacute; Rebou&ccedil;as e Joaquim Nabuco, que poderia perfeitamente ser entendido hoje como reforma agr&aacute;ria, estaria associado &agrave; emancipa&ccedil;&atilde;o da popula&ccedil;&atilde;o escravizada. O projeto, como sabemos, nunca foi para a frente e, at&eacute; hoje, o Brasil &eacute; um dos &uacute;nicos pa&iacute;ses de forma&ccedil;&atilde;o agroexportadora que nunca realizou a reforma agr&aacute;ria&rdquo;, exemplifica Oliveira sobre as propostas que chegaram a ser discutidas &agrave; &eacute;poca.

A forma como a aboli&ccedil;&atilde;o foi feita n&atilde;o garantiu, segundo Farias, dignidade e direitos, muito menos repara&ccedil;&atilde;o &agrave;s pessoas que sofreram com a escravid&atilde;o. &ldquo;Esse projeto foi o vitorioso. Um projeto em que as cidadanias foram mutiladas para que uma nova forma de explora&ccedil;&atilde;o do trabalho do ponto de vista formal se instaurasse, mas mantendo formas arcaicas de rela&ccedil;&otilde;es sociais&rdquo;, ressalta.

&ldquo;&Eacute; s&oacute; pensar na [Rua] 25 de Mar&ccedil;o&rdquo;, exemplifica Farias, ao falar da regi&atilde;o de com&eacute;rcio popular no centro da capital paulista. &ldquo;Voc&ecirc; tem l&aacute; toda uma tecnologia dispon&iacute;vel para compra, consumo, mas as pessoas que vendem, em geral, est&atilde;o em condi&ccedil;&otilde;es de trabalho bem prec&aacute;rias. Em uma ponta, o mais alto n&iacute;vel da produ&ccedil;&atilde;o, e em outra, as rela&ccedil;&otilde;es mais arcaicas de trabalho. Essa &eacute; uma imagem que retrata quais s&atilde;o os reflexos do 13 de maio ainda hoje. Um projeto que a rela&ccedil;&atilde;o de superexplora&ccedil;&atilde;o da for&ccedil;a de trabalho est&aacute; muito relacionada com o racismo&rdquo;, ressalta.

Mesmo considerando o contexto adverso, o pesquisador destaca a capacidade de organiza&ccedil;&atilde;o dos movimentos negros que mantiveram a luta por direitos no s&eacute;culo 20 e continuam nestas primeiras d&eacute;cadas do 21. &ldquo;A popula&ccedil;&atilde;o negra, mesmo colocada em posi&ccedil;&atilde;o de informalidade, perene de superexplora&ccedil;&atilde;o enquanto classe trabalhadora p&oacute;s-13 de maio, ela se organizou, se associou. Teve espa&ccedil;os de associa&ccedil;&atilde;o que permitiram a ela n&atilde;o s&oacute; se reconstituir como grupo social, enquanto classe, mas, acima de tudo, reelaborar projetos&rdquo;, acrescenta Farias. 
 
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