Gagueira não é 'falha' pessoal: estudo genético reforça origem biológica
A descoberta oferece uma nova base para compreender os mecanismos biológicos da gagueira
Por Bruna Castelo Branco.
Um estudo inédito publicado nesta segunda-feira (28) na revista Nature Genetics identificou 57 regiões do genoma humano associadas à gagueira, o distúrbio de fluência mais comum do mundo, que afeta mais de 400 milhões de pessoas. A pesquisa, considerada a maior do tipo já realizada, também aponta 48 genes possivelmente ligados à condição e sugere conexões genéticas entre a gagueira e outras características neurológicas, como o autismo, a depressão e até a musicalidade.
A descoberta oferece uma nova base para compreender os mecanismos biológicos do distúrbio, frequentemente marcado por repetições de sílabas, prolongamentos involuntários de sons e pausas durante a fala. Segundo os pesquisadores, os dados podem impulsionar a identificação precoce e o desenvolvimento de tratamentos específicos, além de combater visões equivocadas e estigmatizantes sobre a condição.
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“Ninguém entende realmente por que alguém gagueja; isso tem sido um completo mistério. E isso se aplica à maioria das patologias da fala e da linguagem. Elas são profundamente pouco estudadas porque não levam as pessoas ao hospital, mas podem ter consequências enormes na qualidade de vida das pessoas”, afirmou Jennifer Below, autora correspondente do artigo.
A pesquisadora destaca que, ao compreender os fatores de risco genéticos, será possível oferecer intervenções mais eficazes desde a infância, fase em que a gagueira geralmente se manifesta — entre os dois e cinco anos de idade.
Vulnerabilidades e impactos sociais
Os autores ressaltam que a gagueira, embora não coloque a saúde física em risco, pode gerar impactos significativos no bem-estar mental, social e profissional. Jovens que gaguejam relatam experiências mais negativas na escola, incluindo episódios de bullying e menor participação em sala de aula. No mercado de trabalho, a condição pode afetar oportunidades e a percepção de desempenho.
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“Há centenas de anos existem ideias equivocadas sobre as causas da gagueira, que vão desde hipóteses sobre canhotos a traumas de infância e mães autoritárias”, destacou Below. “Em vez de ser causada por falhas pessoais, familiares ou de inteligência, nosso estudo mostra que a gagueira é influenciada por nossos genes”.
Dados e análises
Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram informações genéticas de mais de 1 milhão de usuários da plataforma de testes genéticos 23andMe Inc. A base incluiu 99.076 pessoas que responderam "sim" à pergunta "você já gaguejou?" e 981.944 que responderam "não". Os dados foram organizados por sexo e ancestralidade.
As análises revelaram que a gagueira possui uma base poligênica — ou seja, é influenciada por diversas variantes genéticas de pequeno efeito, como ocorre em distúrbios complexos como insônia e diabetes tipo 2. Um dos principais genes identificados foi o VRK2, associado ao desenvolvimento cerebral precoce e a condições como esquizofrenia, epilepsia e esclerose múltipla. Variantes do gene também foram relacionadas à dificuldade em seguir ritmos musicais.
“Historicamente, pensamos em musicalidade, fala e linguagem como três entidades separadas, mas esses estudos sugerem que pode haver uma base genética compartilhada”, explicou Below. “A arquitetura do cérebro que controla nossa musicalidade, nossa fala e nossa linguagem pode ser parte de um caminho compartilhado”.
Mais de 20 genes identificados já haviam sido anteriormente relacionados a distúrbios neuropsiquiátricos, como o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e o autismo. A revista Science aponta que o estudo oferece a primeira evidência genética robusta para teorias que associam a gagueira a falhas no processamento de ritmo.
Limitações e próximos passos
Apesar dos avanços, os autores reconhecem limitações. A amostra incluiu mais mulheres do que homens, embora globalmente a gagueira afete cerca de quatro vezes mais os homens. Também houve dificuldade em confirmar associações genéticas em pessoas de ascendência asiática e africana, devido à sub-representação desses grupos.
Ainda assim, os pesquisadores consideram os resultados um marco para a compreensão da gagueira. Para Dillon Pruett, coautor do estudo e também afetado pessoalmente pela condição, o trabalho pode abrir novas frentes terapêuticas:
“Nosso estudo descobriu que existem muitos genes que, em última análise, contribuem para o risco de gagueira, e esperamos usar esse conhecimento para, com sorte, desenvolver novas abordagens terapêuticas”.
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