Religião de matriz africana e afro-brasileira: qual a diferença?
Candomblé e Umbanda são as religiões afro-brasileiras mais conhecidas do Brasil
Por Juana Castro.
Religiões de matriz africana e religiões afro-brasileiras. Apesar de aparecerem juntos, muitas vezes, em debates sobre identidade religiosa, carregam sentidos distintos. "Matriz africana" refere-se às tradições religiosas originárias do continente africano - conjuntos de cosmologias, línguas, divindades e ritos trazidos ao Brasil por povos escravizados. Já "religiões afro-brasileiras" designam as expressões religiosas que se consolidaram no território brasileiro a partir dessa herança: fenômenos híbridos, sincréticos e adaptados, que combinam elementos africanos, indígenas e europeus, produzindo práticas e instituições próprias.
Em termos simplificados, a matriz africana é a raiz; as religiões afro-brasileiras, o tronco moldado no território brasileiro. A distinção importa para compreender genealogias, identidades e lutas por reconhecimento - tanto no plano cultural quanto no jurídico.

Candomblé, Umbanda, Batuque e outras expressões
As religiões afro-brasileiras não formam um bloco homogêneo. Entre as mais conhecidas estão o Candomblé e a Umbanda, mas o mapa religioso inclui ainda o Batuque, o Tambor-de-Mina, a Jurema, o Xambá, cultos aos egunguns, Quimbanda, Catimbó, e muitas manifestações regionais.
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O Candomblé consolida nações ou linhagens (ketu, jeje, bantu/angola etc.), mantém ritos de culto aos orixás, uso de atabaques, incorporações, jogos de búzios e um calendário ritual estruturado. A Umbanda, por sua vez, teve formulação moderna no início do século XX e sintetiza elementos africanos, espiritismo kardecista, catolicismo e tradições indígenas - valorizando princípios como fraternidade, caridade e mediunidade.
O Batuque, presente sobretudo no Rio Grande do Sul, e o Tambor-de-Mina no Maranhão e Pará, são exemplos de manifestações regionais que mostram como a matriz africana se reelabora conforme o território e a história local.
Influência das culturas iorubá, banto, jeje e outras
A diversidade africana é central para entender as religiões afro-brasileiras. Entre os povos trazidos ao Brasil entre os séculos XVI e XIX estavam iorubás (Nigéria/Benin), jeje/fons (Benim/Dahomey), e diversos grupos bantos (África Central e Sudeste), além de hauçás, éwés, congos, quimbundos e outros. Cada um trouxe cosmovisões, divindades e ritmos próprios - e, no Brasil, essas tradições interagiram e se transformaram.
Essa influência aparece em vários níveis: nas divindades (orixás, voduns, nkisis), em trechos de línguas africanas preservados em cânticos rituais, na música e dança (uso de atabaques e padrões rítmicos), e nas organizações de sacerdócio (babalorixá, iyalorixá, mães e pais de santo). Inclusive é de Salvador uma das maiores e mais renomadas ialorixás da história do Candomblé: Maria Escolástica da Conceição Nazareth, mais conhecida como Mãe Menininha do Gantois.

O Terreiro do Gantois, no bairro da Federação, na capital baiana, é um elemento de preservação e perpetuação da memória e tradição cultural da Bahia e do Brasil. Por isso, foi considerado Área de Proteção Cultural e Paisagística pela Prefeitura Municipal de Salvador, através da lei nº 3.590 de 16/12/1985, e tombado pelo IPHAN como Patrimônio Histórico e Etnográfico do Brasil, portaria nº 683 de 17/12/2002.

Reconhecimento e combate ao preconceito religioso
Apesar do reconhecimento crescente - jurídico e institucional - as religiões afro-brasileiras enfrentam preconceito e intolerância. Por isso, o Estado brasileiro criou instâncias de política pública, como secretarias, a exemplo da pasta de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT). Hoje também existem programas dedicados aos povos e comunidades de terreiro e às tradicionais de matriz africana, com ações voltadas à proteção do patrimônio cultural, territorial e religioso.
Todavia, embora o número de adeptos a religiões de matriz africana mais que triplicaram desde 2010 - de acordo com dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo IBGE -, a discriminação persiste. Estigmatizações, criminalização simbólica, invasões e destruição de terreiros, e invisibilidade institucional ainda ocorrem.
Candomblé: origem e identidade
O Candomblé é provavelmente o mais citado quando se fala em matriz africana no Brasil. Reúne práticas trazidas por diversos povos africanos e desenvolvidas em terras brasileiras, articulando ritos de culto aos orixás (ou voduns/nkisis conforme a nação), festas anuais, incorporações e um sistema complexo de assentamentos e hierarquias rituais.
Historicamente, os rituais africanos foram proibidos ou reprimidos no período colonial e imperial. A estratégia de sincretismo com santos católicos foi uma forma de sobrevivência - camuflar a devoção nos calendários cristãos para poder manter práticas e memórias. Hoje, o Candomblé preserva elementos litúrgicos e linguísticos africanos, organiza calendários festivos próprios e desempenha papel social, educativo e solidário nas comunidades.
As casas de Candomblé (terreiros, ilê asé, roças) são centros de sociabilidade e preservação de práticas culturais. Muitas dessas casas foram fundadas por mulheres negras cuja atuação foi decisiva para a manutenção da tradição e para a transmissão de saberes religiosos, musicais e herbários.
Sincretismo e religiosidades afro-brasileiras
O sincretismo religioso no Brasil não foi apenas um amálgama religioso neutro, mas também estratégia de resistência. A coexistência entre práticas católicas e cultos africanos, e mais tarde o diálogo com o espiritismo e crenças indígenas, gerou novas formas religiosas - muitas vezes chamadas de "afro-brasileiras" - que combinam símbolos, dias santos, imagens e narrativas.
Essa "mistura" manifestou-se tanto em símbolos (associação de santos católicos a orixás) quanto em práticas (festas que celebram simultaneamente figuras do panteão cristão e deidades africanas) e ajudou a consolidar identidades religiosas específicas do Brasil.
Um exemplo - que inclusive se aproxima - é o dia 4 de dezembro é marcado pela celebração de Santa Bárbara no calendário católico. No entanto, no sincretismo religioso brasileiro, corresponde a Iansã, orixá cultuada em religiões de matriz africana.
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