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Três anos depois, sobreviventes da tragédia do mar cobram Justiça e convivem com depressão; "não consigo dormir"

Três anos depois, sobreviventes da tragédia do mar cobram Justiça e convivem com depressão; "não consigo dormir"

Por Diorgenes Xavier

Três anos depois, sobreviventes da tragédia do mar cobram Justiça e convivem com depressão; "não consigo dormir"arquivo / Aratu On

Vinte mortes, dezenas de famílias devastadas e nenhuma solução completa. A "Tragédia do Mar", como ficou conhecido o acidente envolvendo a embarcação Cavalo Marinho I, na Região Metropolitana de Salvador, completa três anos nesta segunda-feira (24/8). Para pedir celeridade à Justiça e punição dos responsáveis, um grupo realizou uma manifestação durante a manhã, na principal praça de Mar Grande. 


Protesto-na-Ilha


Era início da manhã quando a lancha, que fazia a tradicional travessia de Mar Grande para Salvador, se chocou contra uma onda e virou. A embarcação navegava com 116 passageiros e quatro tripulantes. Entre eles, 19 morreram por consequência do afogamento e uma sobrevivente, Adailma Gomes, passou a conviver com sintomas de depressão e acabou morrendo, pouco mais de um ano após o acidente.


A situação da vítima é comum até hoje, no dia a dia de muitos dos que participaram daquela viagem. Distúrbios psicológicos, ansiedade e depressão passaram a ser "companheiros" constantes nas vidas de algumas pessoas. O medo de encarar o mar e entrar em uma embarcação é um dos sintomas que representa os traumas adquiridos.


SOBREVIVENTES E A DEPRESSÃO


O caso de Juvenilde Costa Santos, 70 anos, é bem representativo. Ela morava em Mar Grande à época do naufrágio, mas teve que abandonar sua casa própria e sair da Ilha. Ela foi para Sauípe, no Litoral Norte Baiano, onde paga aluguel, mas fica próxima do filho.


“Agora estou em um momento que eu não consigo dormir, justamente quando chega esse período do frio [...] Eu fiquei três horas na água e fui ao fundo duas vezes. Entrei em um estado bem grave, tive pneumonia, fiquei internada por duas semanas e pensei que não fosse sobreviver”, relatou.


Quando a lancha naufragou, Dona Juvenilde estava próxima à mãe de Davi, um bebê de seis meses que não resistiu ao afogamento e teve sua imagem marcada naquele episódio. “Ela estava de um lado, eu no meio, e a mãe dela [avó da criança] do outro. Quando afundou, que eu a vi naquela aflição, tive um desespero muito grande”, lembrou.


Por motivos semelhantes, Jucimeire Santos Santana, 49 anos, faz uso de medicamentos controlados. Ela cursava direito e, naquele dia, seguia para a aula. “Parei a faculdade no sétimo semestre e, agora, não sei o que vou fazer pra pagar o Fies [programa de financiamento do Governo Federal]”, disse, preocupada. Ela também teve pneumonia e ficou sete dias internada, após beber muita água misturada ao óleo da embarcação.


O professor aposentado e administrador de empresas, Alberto Santos, de 70, passou quase cinco horas no mar e foi uma daquelas pessoas que, apesar da aflição natural de quem testemunha uma situação de tragédia, teve a possibilidade de ajudar no salvamento de algumas vítimas.


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Quando era mais jovem, Alberto foi pescador e acumulou experiências de estar, algumas vezes, à deriva. Ele contou que teve de mergulhar para atravessar a embarcação e se livrar do perigo. “A maré estava puxando muito, mas consegui pegar um bote e me salvar junto com um grupo de doze pessoas”.


O professor é morador da Barra do Gil e realizava, diariamente, a travessia para ir trabalhar em Salvador. “Eu fui um dos últimos a sair do mar. Fiquei dois meses com problema na perna, mas com exercícios em academia e fisioterapia consegui melhorar”.


PROCESSOS NA JUSTIÇA


Desde a ocorrência do naufrágio da Cavalo Marinho I, alguns processos com ações indenizatórias em favor das vítimas foram arrolados na Justiça, mas, até o momento, nenhum foi concluído.


Apesar de o inquérito da Polícia Civil ter apontado falhas existentes na estrutura da embarcação, a defesa da CL Empreendimentos, proprietária da lancha, e de Lívio Garcia Galvão Júnior, sócio da empresa, solicitou que o processo fosse suspenso, até a conclusão da investigação no Tribunal Marítimo (TM), o que acabou sendo um entrave no andamento de algumas instâncias.


Porém, na última quinta-feira (20/8), mesmo durante a pandemia da Covid-19, o TM, responsável por analisar ocorrências da navegação e indicar responsáveis, além de aplicar penalidades previstas na lei, realizou o tão esperado julgamento em sua sede, no Rio de janeiro.


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Por unanimidade, a Corte Marítima condenou, às penas máximas previstas na Lei 2.180/54, o engenheiro técnico responsável pela embarcação, Henrique José Caribé Ribeiro, a CL Empreendimentos e Lívio Garcia Galvão Júnior. O tribunal concluiu que o naufrágio aconteceu por conta de problemas construtivos não observados e "consequente existência de dolo eventual dos responsabilizados".


A decisão foi animadora para as defesas das vítimas do acidente, que passam a acreditar em uma maior celeridade no andamento dos processos indenizatórios.


DEFENSORIA PÚBLICA


Para a defensora pública e coordenadora da Força Tarefa que atua no caso, Soraia Ramos, a celeridade do julgamento pelo TM, mesmo no meio de uma pandemia, pode servir de exemplo aos juízes de outras instâncias. "O resultado serve como prova da responsabilidade deles e ajuda na condenação indenizatória, que é o que a gente pede no Ministério Público (MP-BA)", disse.


Como um dos primeiros resultados da Força-Tarefa, a Defensoria Pública entrou com uma ação cautelar e conseguiu, através de liminar deferida pela Justiça, em setembro de 2017, o bloqueio dos bens móveis, imóveis e direitos creditícios da CL Empreendimentos, e de Lívio Garcia Galvão Junior, além de 5% da renda líquida obtida com a venda das passagens da travessia que liga Mar Grande a Salvador, nos dois sentidos.


A Defensoria, no entanto, não contava em se deparar com alguns imprevistos: “quando a gente pediu para bloquear os bens do dono da CL, vimos que não tinha nada em nome dele. Por enquanto, não conseguimos levantar nenhum valor, porque todo mês eles apresentam um balancete, dizendo que não estão tendo lucro e que estão no vermelho”, disse a defensora.


Inicialmente, o os representantes do órgão já haviam entrado com ação judicial, somente em Salvador, já que Itaparica estava sem juiz na ocasião do acidente. Atualmente, os defensores estão atuando nas duas cidades. Na capital, cinco pessoas estão sendo defendidas e outras 35 fazem parte do processo na comarca da Ilha.


De acordo com Soraia Ramos, em Salvador o processo está mais adiantado e o juiz havia mandando arrolar as testemunhas para começar a instrução, no início de março deste ano, mas coincidiu com o começo da pandemia e as audiências foram suspensas até ser possível a realização de atendimento presencial, tanto no Tribunal de Justiça, quanto na Defensoria Pública.


DEFESA PARTICULAR


Entre os sobreviventes da tragédia e familiares de vítimas que buscaram por serviços de advogados particulares, 24 pessoas têm seus interesses defendidos pelo mesmo grupo de profissionais. 


Nossa reportagem entrou em contato com o criminalista José Oriosvaldo Brito, um dos representantes da defesa e foi informada que a maioria dos processos se encontrava suspensos ou em fase de diligências, aguardando a decisão do Tribunal Marítimo. Dos processos ajuizados pelo escritório de advocacia, apenas quatro passaram por fase instrutória e de apresentação de alegações finais e esperam por julgamento. 


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PARTICIPAÇÃO DA AGERBA


Ao contrário do Tribunal Marítimo, os defensores públicos e advogados particulares constituídos pelas vítimas, incluíram a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba) no processo, baseados no inquérito da Polícia Civil. A agência reguladora tem entre suas responsabilidades a fiscalização de transportes no estado e, portanto, também atua na travessia.


Em nota enviada ao Aratu On, pela sua assessoria de comunicação, a Agerba informou que os órgãos competentes pela apuração das circunstâncias do acidente não apontam ou citam ela como responsável pela tragédia com a lancha Cavalo Marinho I.


O comunicado diz, ainda, que no período da tragédia, a Agerba atuou dando assistência às vítimas e seus familiares, além de acompanhar os inquéritos instaurados pelos órgãos competentes e reforçar o número de fiscais no sistema de lanchas e Ferry-Boat.


Quanto aos casos em andamento em que a Agerba é citada, a nota esclarece que foi apurado, em um núcleo, cerca de oito processos em andamento, nos quais os quatro mais adiantados estão prontos e aguardam sentença conjunta na 16ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia.


A Agerba ressaltou que nas defesas foram apresentadas todas as comprovações de que estava fazendo a fiscalização que lhe compete por lei, ressaltando que a responsabilidade de fiscalizar as condições de navegabilidade das embarcações e as condições do mar para realização da travessia é da Capitania dos Portos.


LEIA MAIS: Especial Afogados – Sobreviventes contam detalhes da tragédia que parou a Bahia


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