Fim das políticas de diversidade: ser “do bem” tinha prazo de validade

A decisão de grandes corporações, como a Accenture, em extinguir programas de diversidade revolta alguns, mas é sintoma de um momento histórico: equidade e inclusão não pagam a conta da crise global

Por Pablo Reis.

Passado o Carnaval, o encontro com a difícil realidade. Chegou a Quarta de Cinzas para os programas de diversidade e inclusão nas grandes empresas do mundo. Um exemplo é o que ocorre na Accenture, a gigante global em consultoria, que está em mais de 120 países, com 743 mil colaboradores. O escritório em São Paulo ocupa três andares inteiros num imponente prédio da Avenida Nações Unidas, e muitos ainda não se recuperaram do baque.


Por ali, ainda tinha gente que não queria acreditar no que era óbvio e já estava escrito não nas estrelas, mas nos memorandos da matriz há quase um mês: acabavam as cotas de minorias, de trans, os programas de diversidades, nada mais de bandeira colorida, ou de grupos voltados para inclusão. Muitos trocaram mensagens, cochicharam na copa, sufocaram indignação sem entregar os cargos. Ordem lá de cima.


O fim das políticas de diversidade nas grandes corporações não é um acaso. Nem parece um lapso estratégico. É um fenômeno previsível, movido por uma equação simples: política, economia e pragmatismo empresarial. 


Fim Diversidade Empresas

Fim Diversidade Empresas




A decisão da Accenture de descontinuar suas metas globais de diversidade e inclusão é só mais um marco de um processo inexorável. Google, Meta, McDonald 's, Microsoft, todas na mesma direção. Não é uma questão de "se", mas de "quando" outras seguirão.


A narrativa corporativa sempre flertou com a diversidade como um diferencial competitivo. Executivos, relatórios anuais e eventos de ESG (Enviromental, Social, Governance) venderam a inclusão como um fator de inovação, engajamento e retorno financeiro. Mas na prática, quando os números falham em sustentar essa tese e o ambiente político se torna hostil, o compromisso se desfaz como um slogan de campanha eleitoral.  


Nos Estados Unidos, epicentro dessa mudança, o Departamento de Justiça pressiona as empresas a revisarem suas iniciativas de diversidade sob risco de ações legais. A Suprema Corte já invalidou políticas afirmativas em universidades. A cara enfezada contra a agenda ESG cresce em um cenário onde "diversidade" passou a ser entendida por setores conservadores como sinônimo de privilégio e não de equidade. A resposta das empresas? Adaptação. O risco jurídico e a falta de impacto mensurável no balanço financeiro tornam a decisão fácil.   


Nesse aspecto, a ascensão de Donald Trump é mais sintoma do que causa. Ele não parece ser o ideólogo, mas o operador das jogadas.  


As big techs, que um dia foram as maiores propagadoras da inclusão como pilar estratégico, agora recuam. Não porque são menos progressistas, mas porque são essencialmente pragmáticas. A Microsoft dissolveu sua diretoria de diversidade alegando que a política "não é mais crítica para os negócios". O Zoom eliminou sua divisão de diversidade menos de dois anos após criá-la. O Google e a Meta reduziram seus programas voltados para grupos minorizados.


E Elon Musk, que eu sempre vou me referir como o Vice Presidente do Mundo, pelo grau de influência que hoje tem em qualquer nação, foi mais direto (como sempre). Classificou essas iniciativas como "socialismo corporativo". 


O caso da Accenture - que no Brasil tem entre 10 mil e 13 mil colaboradores - é emblemático. A consultoria construiu uma marca de excelência em diversidade e inclusão, oferecendo até serviços especializados no tema. Mas quando a maré virou, as metas de representatividade foram descartadas. A justificativa oficial fala em "parar de contar as diferenças". Na prática, significa encerrar programas estruturados que garantiam algum nível de inclusão nas contratações e promoções. O Brasil, ainda protegido por legislações locais, pode retardar esse movimento, mas a força do realinhamento global é evidente.  


O ponto central dessa guinada não é apenas político, mas econômico. Para os acionistas, diversidade é interessante até o momento em que deixa de gerar vantagem competitiva clara. Se o discurso da inclusão tivesse impacto direto e mensurável nos lucros, esse movimento de retração não aconteceria. Mas, diante de incertezas econômicas, corte de custos e mudanças no perfil regulatório, os CEOs optam pelo óbvio: manter o que garante resultado imediato.   


A lição que fica é dura, mas necessária. No mundo corporativo, valores são negociáveis. Inclusão é bem-vista até o momento em que se torna um passivo. E, quando os ventos mudam, o mercado não hesita em se ajustar. O desmonte das políticas de diversidade não é um acidente ou um desvio temporário. É a constatação de que, para muitas empresas, a inclusão foi apenas um experimento — e um experimento que não passou no teste da realidade financeira e política.

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