FÉ: “Minha mãe me dava banho para espantar os demônios”, diz candomblecista filha de evangélicos
FÉ: “Minha mãe me dava banho para espantar os demônios”, diz candomblecista filha de evangélicos
Por Andrea Chaves.
O fanatismo religioso representa um dos problemas mais delicados no Brasil. Isso porque uma guerra se estabeleceu em nome da fé.
Considerado um país laico — ou seja, onde o estado não possui uma religião oficial — a intolerância religiosa violou a Constituição da República Federativa do Brasil, que em seu art. 5º, inciso VI, diz que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
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De acordo com o Professor Adelson de Brito, da Casa de Azansu (Omolu), em Salvador, esta realidade é paradoxal, porque todas as religiões de matriz africana no mundo reverenciam o estado baiano.
” A Bahia é considerada a Roma Negra. A intolerância religiosa foi uma ferramenta criada pela igreja católica, afim de desarticular a identidade do negro. Recentemente, os neo-pentecostais se apoderaram para descaracterizar o real sentido da religião”, aponta.
Para o professor, o afro-brasileiro não conhece os elementos que compõe suas culturas e valores. Segundo ele, este é o principal problema. “Desprovidos desses conhecimentos ele se torna uma vítima frágil e fácil de ataques dos evangélicos que reproduzem o discurso de ódio”, explica.
DEMONIZAÇÃO DOS ORIXÁS
Taiane Lima, adepta do Yle Omin Dólar, conta que enfrenta dificuldades para se relacionar com vizinhos e familiares. “Antes, eu era obrigada a esconder que sou do candomblé, porque na minha casa todos são evangélicos e não aceitaram a minha escolha”, diz.
Ela relatou ainda que, para participar das festas no terreiro, era necessário mentir porque na época era menor de idade e dependia da autorização dos pais para sair.
Segundo Taiane, certa vez em sua casa, enquanto dormia, a mãe dela jogou uma água ‘ungida’ dizendo que ia libertá-la dos demônios que a oprimia.
“Sempre fui hostilizada e, sofro por ver as pessoas demonizando a minha religião”, disse.
Hoje, ela é mãe de um menino de três anos, que é considerado um ‘Abicun’ – quando todo o processo de catulação é realizado ainda ventre da mãe – e a principal preocupação dela são com os ataques dos intolerantes.
Pastor evangélico fala sobre a Intolerância religiosa, assista ao vídeo:
OUTRO LADO
Para o pastor Hilario dos Reis, o cristianismo não persegue o candomblecista.
“Amamos todos, abominamos a práticas deles. Porque a Bíblia nos orienta no segundo mandamento escrito por Moisés, nós devemos amar uns aos outros”. De acordo com o evangélico, os cultos aos deuses e os sacrifícios com os animais são condenados por Deus. E que os adeptos das religiões de matrizes africanas não aceitam isto e desrespeitam os mandamentos bíblicos.
Com o sincretismo religioso estabelecidos pelos cristãos católicos, foi possível cultuar as divindades do candomblé, mas não contribuiu para a liberdade ao culto.
“A intolerância foi criada para preparar a mente do negro para aceitar a escravidão, uma prévia análise sobre os sermões do padre Antonio Vieira, conclui-se que é o sofrimento aqui (na Terra) é para se beneficiar posteriormente. Ou seja, ser escravo aqui para ser salvo e ir para o céu”, diz o sacerdote Mavó da Casa de Azansu.
OS ORIXÁS SÃO DEUSES OU DEMÔNIOS?
A demonização do candomblé trouxe consequências graves para sociedade. O caso “Mãe Gilda” conhecido internacionalmente aponta uma ação de intolerância religiosa praticada pela Igreja Universal do Reino de Deus contra a Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos – a Mãe Gilda – fundadora do Ilê Axé Abassá de Ogum, Terreiro de Candomblé localizado na região da Lagoa do Abaeté, bairro de Itapuã, em Salvador.
De acordo com sua filha biológica, a também ialorixá Jaciara Ribeiro ou simplesmente “mãe Jaciara”, o terreiro da “Mãe Gilda”, foi invadido duas vezes por evangélicos da igreja Assembleia de Deus.
“Certa vez minha mãe estava aqui no terreiro atendendo os moradores da comunidade e adeptos de outros estados, quando assembleianos invadiram a casa e, um deles arremessou uma Bíblia três vezes na cabeça da “Mãe Gilda”.
No vídeo abaixo Mãe Jaciara relembra o caso, assista ao vídeo:
Em outubro de 1999, o jornal ‘Folha Universal’, da Igreja Universal, publicou uma fotografia associada a uma reportagem sobre charlatanismo, cujo o título: ?Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes?.
Na imagem, Mãe Gilda aparece com uma tarja preta nos olhos. No ano seguinte, Mãe Gilda sofreu um infarto. Ela morreu no dia 21 de janeiro de 2000.
A data foi deferida pela Presidência da República, em 2007, como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Instituída pela Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, evocando o dia do falecimento da Iyalorixá.
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De acordo com Mãe Jaciara, não existe delegacia especifica para os casos de intolerância religiosa. A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), orienta as vitimas a denunciarem através do Disque 100 ou à Ouvidoria da SEPPIR, pelo e-mail [email protected], além do telefone (61) 2025-7000.
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