Crianças e adolescentes são flagrados atuando como cordeiros no Carnaval de Salvador
Crianças e adolescentes são flagrados atuando como cordeiros no Carnaval de Salvador
O Carnaval já passou, mas denúncias de situações flagradas este ano e que não podem ocorrer na edição do ano que vem de uma das maiores festas de rua do mundo começam a aparecer. Em 2015, foliões flagraram crianças e adolescentes atuando como cordeiros nas ruas de Salvador. Ao que parece, a atuação ilegal dos menores de idade surgiu como mais uma forma de subsistência para famílias de baixo poder aquisitivo.
“Fiquei impactado! Todos os blocos que observei no dia em que saí tinham crianças e adolescentes como cordeiros”. Esta afirmação foi feita ao Aratu Online por um leitor que preferiu não ser identificado, mas que registrou em fotos o flagrante de trabalho infantil realizado no bloco Burburinho, que no dia em que as imagens foram feitas era comandado pela banda Duas Medidas.
“Eu estava na pipoca. Sempre saio com minha família e dessa vez quis levar meu primo de onze anos. Daí teve uma hora em que o bloco parou na minha frente e eu fiquei olhando e decidi tirar algumas fotos. Me aproximei e descobri que o menino tinha 15 anos e que a menina tinha 14. Havia uma terceira menina que também parecia ser menor de idade, mas ela não quis falar comigo. Havia também uma mulher que pelo jeito parecia ser a responsável pelos adolescentes. Ela também estava trabalhando como cordeira. Então eu pensei, isso é exploração do trabalho infantil!”, relatou a testemunha ao Aratu Online.
“Eu já havia visto em muitos carnavais crianças ajudando os pais como ambulantes, colhendo latas, mas como cordeiras eu nunca tinha visto. Pra mim nessa função a exposição à violência é muito maior. Até sexual. Por exemplo, no Cortejo Afro eu também encontrei uma adolescente atuando como cordeira. E me chamou muito a atenção a beleza dela, que tem 15 anos. Fico pensando em pleno carnaval, com homens bêbados, e as brigas nas cordas, como uma menina assim pode se proteger?”, indagou. O rapaz ainda destacou a desigualdade social escancarada pela situação: “O Burburinho é um bloco de adolescentes. Foi muito chocante ver jovens dentro das cordas se divertindo e outros adolescentes com a mesma idade tendo que trabalhar na segurança dos mais ricos para poderem sobreviver”.
Entenda o que é o trabalho infantil:
O drible nos direitos da criança e do adolescente
O Aratu Online recolheu o depoimento de outra foliã que testemunhou o trabalho infantil na Avenida. Carla Ferreira é vendedora e viu quando um adolescente segurava as cordas do bloco Balada na altura do Morro do Gato, no começo de Ondina. “Eu estava comentando com minha mãe que esse ano tinha muita criança trabalhando, quando vi o rapaz na corda. Perguntei a idade dele, ele disse que era maior. Eu retruquei ‘é nada, você tem no máximo 14 anos’. Ele respondeu que tinha 16. Mas não foi só no Balada. Eu vi a mesma situação em todos os blocos”.
A vendedora, então, conseguiu descobrir como o rapaz havia conseguido trabalhar na função. “Ele me contou que o irmão se cadastrou pra trabalhar em três blocos com horários semelhantes. O irmão pegou as camisas, ficou com uma e entregou as outras duas para ele e para outra irmã. Daí cada um trabalhou em um bloco. As camisas normalmente são entregues horas antes do início do desfile e era o tempo necessário pro irmão, que havia feito o cadastro com sua identidade comprovando ser maior, fazer a distribuição”, explicou.
Termo de Ajuste de Conduta
O presidente do Conselho do Carnaval de Salvador, Pedro Costa, informou ao Aratu Online que antes do início da festa houve uma reunião entre a entidade e representantes do Ministério do Trabalho, onde ficou definido que sob hipótese alguma menores de idade poderiam ser contratados para a função.
“Isso é proibido pela Justiça do Trabalho. Tivemos uma reunião com o Ministério do Trabalho e com a Delegacia Regional do Trabalho onde foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público. O documento definiu que estava terminantemente proibida a contratação de menores de idade e de mulheres grávidas para trabalharem nas cordas dos trios”, afirmou.
Ainda segundo Costa, é certo afirmar que os donos dos blocos não colaboram com a irregularidade, “mesmo por que em muitos casos a contratação dos cordeiros é feita através de uma empresa terceirizada”. O presidente do Conselho também destaca que cabe aos órgãos da Prefeitura fiscalizarem esta nova modalidade de exploração do trabalho infantil.
Fiscalização
O Aratu Online entrou em contato com a coordenadora do carnaval Social da Secretaria de Promoção Social e Combate à Pobreza (SEMPS), Dinsjani Pereira, para saber se o município flagrou alguma situação semelhante. De acordo com Dinsjani, a SEMPS não atua diretamente na fiscalização das cordas, pois este é um trabalho da Secretaria de Saúde, que fiscaliza as leis de segurança no trabalho. “Esse ano nós não recebemos nenhuma notificação da SEMPS. Mas posso dizer que isso acontece e muitas vezes não é nem necessário que os cordeiros burlem a organização dos blocos para colocar menores para trabalhar. Muitos blocos fazem a exploração do trabalho infantil não apenas nas cordas, mas também em outras funções”, afirmou.
Abaixo, você confere em números a atuação da Secretaria durante o Carnaval 2015:
. Ao todo, durante o período da folia, foram realizadas 30.674 abordagens sociais pelas 18 equipes da Secretaria de Promoção Social, Esporte e Combate à Pobreza (SEMPS)
. Foram cadastradas 941 crianças e adolescentes que estavam desacompanhadas ou em situação de vulnerabilidade, mesmo acompanhadas de familiares (especialmente ambulantes cadastrados pela Prefeitura que estavam trabalhando nos circuitos)
. Entre as 941 crianças cadastradas 717 estudam, segundo os pais ou responsáveis, enquanto 95 estão fora da escola
. 253 menores que estavam exercendo alguma atividade laboral, mesmo em companhia dos pais, foram impedidos de trabalhar e retirados do circuito
. Foi constatada uma suspeita de exploração sexual de crianças/adolescentes
. 9 crianças foram encaminhadas pelas equipes de abordagem à Central de Regulação de Vagas
. Em comparação ao carnaval de 2014 foi constatada a diminuição do número de crianças e adolescentes trabalhando ou em situação de risco nos circuitos do carnaval.
Amanhã o Aratu Online segue com uma nova matéria especial sobre o trabalho infantil. Você irá conhecer a realidade de um menino que trabalha na Feira de São Joaquim.