Aratu Comunidade – Vitrine de cultura soteropolitana, conheça o Nordeste de Amaralina
Aratu Comunidade – Vitrine de cultura soteropolitana, conheça o Nordeste de Amaralina
O projeto ?Aratu Comunidade? garimpou, nesta edição, algumas preciosidades da riqueza cultural do Nordeste de Amaralina. Nossa reportagem registrou a existência de iniciativas ligadas à arte, esporte e cultura, que são importantes no processo de inclusão social dos moradores.
Quatro bairros de Salvador estão inseridos no que pode ser considerado um único núcleo: Nordeste de Amaralina, Vale das Pedrinhas, Santa Cruz e a Chapada do Rio Vermelho. De acordo com o último censo demográfico do IBGE, cerca de 77 mil pessoas moram na região, mas há quem defenda que este número hoje é maior.
A população é formada, em sua maioria, por negros e pardos e, dessa forma, não é à toa que, por lá, a cultura afro transcende com grande efervescência.
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Boa leitura!
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“Olha! O que foi que o tio falou? Se obedecer a mamãe vai poder tocar aqui com a gente! Lembra?”.
As palavras são dirigidas a um menino de quatro anos pelo multi instrumentista e performer Marivaldo dos Santos. O pequeno Davi, com toda autoridade de sua inocência, tinha entrado correndo no estúdio do Centro Cultural do Projeto Quabales, bem na hora em que íamos entrevistar o artista.
O garoto ficou encantado com alguns instrumentos percussivos que ali estavam e queria tocá-los. Em seguida, a mãe entra e lhe chama. Ela tinha ido ao local para fazer a inscrição do filho. Só após algumas explicações e promessas de que ele teria outras oportunidades de conhecer os instrumentos foi que Davi concordou em ir para casa.
?São esses assim que eu quero para o meu projeto!?, disparou, Marivaldo, observando toda energia e ansiedade daquela criança. O criador do Quabales nasceu Nordeste de Amaralina, onde mantém atividades socioculturais, mas vive grande parte do tempo em Nova Iorque. É com a história dele que começamos a falar desse bairro de Salvador.
Marivaldo é integrante do STOMP, um espetáculo performático, originado no Reino Unido, que está em cartaz há mais de 20 anos, na Broadway. Em janeiro, o Quabales vai completar seis anos. O nome é homônimo do instrumento criado por Marivaldo e reúne as expressões Qua (por ter quatro bocas) e Bales (pelo formato semelhante ao dos timbales). O projeto surgiu com o objetivo de não deixar que os jovens da comunidade ficassem sem ter o que fazer.
?Minha ideia foi trazer o conceito desenvolvido no STOMP pra cá: um trabalho feito com instrumentos não convencionais. Na época eu lembro que os meninos estavam querendo tocar ?pagodão? e eu tentava introduzir essa cultura. No início, eles não entenderam, mas muitos entraram pela curiosidade e alguns estão até hoje”, disse.
O músico contou que quando começou o trabalho foi com intuito de realizar workshops e fazia isso em seu período de férias. Ele percebeu que a receptividade era boa e a demanda era grande. Então, resolveu levar o elenco do STOMP pra sua comunidade. ?Vieram comigo uns seis ou sete de lá, com muita boa vontade, e ficaram todos na minha casa! Eu peguei uns tablados e coloquei nas ruas do Nordeste de Amaralina e fizemos uma apresentação de meia hora. Juntou uma galera pra ver aquilo e aí eles ficaram pirados, porque nunca tinham visto aquilo”, relembra.
A partir daí, ele conta que o interesse pelo trabalho cresceu ainda mais entre os jovens do local e nos momentos que precisava estar ausente, dois professores do bairro cuidavam de fazer com que as atividades não parassem. Porém, era preciso ter um espaço próprio para que os ensaios fluíssem sem problemas. ?Quando a gente começou, era lá no espaço do Sítio Caruano, que é o Centro Cultural da comunidade, onde funcionou a primeira academia do Mestre Bimba. Em 2012, o lugar estava fechado. Aí, eu fiz uma reforma e o trabalho passou ser feito lá?, revelou.
No entanto, a situação não era tão confortável para o grupo. O volume do som produzido pelas batidas da percussão era muito alto, incomodava a vizinhança e causava insatisfações. ?Eu vi que aquilo ia gerar um problema futuro. O projeto começou a crescer, o Quabales começou a bombar, muita gente queria entrar, mas realmente era muito alto o som?, reconheceu Marivaldo.
ESTILO QUABALES – O FILME
Enquanto buscava uma solução para a situação, Marivaldo teve a ideia de produzir um vídeo dentro da comunidade. O resultado foi um produto de ótima qualidade intitulado “Estilo Quabales”: um curta-metragem musical de doze minutos feito com seus alunos e a participação de amigos famosos, como os atores globais Stênio Garcia, Heloísa Périssé e Paula Pereira; além da cantora Ivete Sangalo.
?A repercussão do filme foi grande e o Quabales virou um xodozinho da mídia. Ganhei a aprovação e o respeito de muita gente?, relatou. Com o reconhecimento, o projeto teve fôlego para superar o mau estar do som alto até conseguir um local adequado para o funcionamento.
ASSISTA AO RESUMO DO CURTA:
Demorou um tempo considerável, mas hoje o trabalho está sendo desenvolvido em um espaço que fica na Rua Aurelino Silva, um local privilegiado do Nordeste de Amaralina, onde foi montado um estúdio de gravação com alto investimento em proteção acústica. ?Aqui eu posso meter o pau, 3 ou 4 horas da manhã e ninguém ouve nada”.
Contudo, a conquista não foi tão fácil! Marivaldo não esconde as dificuldades que teve para alcançar esse objetivo. O valor do imóvel era muito alto para o seu orçamento. Além disso, eram necessárias algumas reformas e as negociações demoraram muito até o fechamento da compra. ?Essa construção levou oito meses. Uma coisa que era pra ser feita em dois! Foi muita grana, mas, claro, tive muitos apoiadores?, revelou.
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Inaugurado no último dia 10 de outubro, o Centro Cultural atende cerca de cem pessoas, incluindo os 13 integrantes do grupo performático. Marivaldo conta com a colaboração de monitores que atuam em aulas de violão, canto e percussão. Na nossa visita, o aluno Reginaldo Rodrigues, o “Juninho”, estava lá. Ele tem 22 anos e está há três no projeto. O rapaz contou que, apesar de ser da comunidade, descobriu o Quabales em um evento realizado no verão de Salvador.
“Eu não sabia que eles eram daqui do Nordeste. Um amigo meu foi quem me indicou para o grupo. Assim que cheguei e vi o pessoal fazendo as performances fiquei apaixonado?, relatou o jovem.
Reginaldo detalhou que o projeto lhe trouxe grande ajuda e colaborou pra que ele aumentasse o seu interesse pela arte. O rapaz concluiu o nível médio escolar e disse que, agora, vai encarar o Enem para se tornar um musicista de formação. Além do Quabales, ele atua, também, no Rua Onze, um grupo de Hip-Hop que tem um trabalho voltado para a realidade das comunidades. Essa iniciativa teve o apoio de Mr. Armeng, outro influenciador cultural da região.
EMPREENDEDORISMO CULTURAL
O rapper Mr. Armeng, 35 anos, é morador do Vale das Pedrinhas e utiliza o hip-hop como ferramenta de socialização. Muitas de suas intervenções são realizadas em escolas públicas. Quase todas instituições da região tiveram a oportunidade de abrigar suas oficinas. São ações que integram o grafite, percussão e exibição de filmes.
Ele lembra que Iniciou nesse movimento em 2002, influenciado por moradores do próprio bairro. ?Eu já tinha ouvido rap, com o Racionais Mc’s, mas não foi uma coisa que bateu logo em mim. Quando eu vi a galera daqui, de camisa grafitada e cabelo trançado, que eu fui ver o que era a cultura hip-hop e logo me identifiquei”.
Armeng é filho do lendário cantor Guiguio do Ilê Aiyê e credita ao pai a sua tendência natural de identificação com a cultura negra. ?Foi a minha referência dentro de casa?, reforçou.
A intenção de promover formas de socialização e multiplicação de conhecimentos é fundamental no seu trabalho, mas, além disso, o rapper busca difundir em sua comunidade a importância do pensamento empreendedor. Há dois anos ele criou a marca H2NA (H2 do Hip-Hop e NA de Nordeste de Amaralina) com o intuito de fundar, em breve, uma associação ou até mesmo uma ONG que funcione como um ?satélite da cultura? na comunidade.
“No dia que as comunidades pararem de se enxergar como carentes e se enxergarem como potentes, tudo cresce”, disse, citando o pensamento do carioca Celso Athaíde, fundador da Central Única das Favelas e militante importante nas causas em prol do desenvolvimento e emancipação das comunidades das periferias brasileiras.
E foi nessa pegada do espírito empreendedor que Armeng traçou estratégias para fortalecer a H2NA. Ele criou alguns produtos que chamou de moeda social da marca: são roupas e bolsas estampadas, produzidas para serem comercializadas e angariar fundos para o seu projeto.
?Hoje a H2NA está indo numa crescente, porque minha visão é ver a comunidade de forma potente. Eu sei quais são os valores que existem aqui dentro, quais são os tesouros e o que é que precisa só de um trampolim?, comentou, acrescentando que sua expertise pode lhe ajudar a criar uma rede capaz de fazer o projeto ganhar visibilidade.
O rapper tem o trabalho reconhecido em toda a cidade justamente por suas investidas bem sucedidas. Em 2006 ele conheceu DJ Leandro, com quem fez uma sociedade e montou a Freedomsoul, o primeiro estúdio voltado para atender as particularidades da música rap em Salvador. “A gente começou a produzir e gravar artistas e depois surgiu a necessidade de fazer eventos, aí comecei a me inserir na cidade como um todo”, relatou.
Em 2010, lançou duas músicas com o parceiro Leo Souza que, segundo ele, teve uma receptividade muito boa do público. “Em 2011, o clipe A Noite é Nossa abriu as portas pra mim. Comecei a aparecer na mídia e ser visto com um dos novos nomes da música baiana junto com a Baiana System, o que chamou a atenção de todos aqui”, ressaltou.
ESPÍRITO DE LUTA E NOVO ASTRAL
Na luta por uma melhor qualidade de vida e pela promoção da saúde e cidadania, o esporte, também, tem o seu espaço dentro da comunidade. A academia de boxe Novo Astral desempenha um importante papel neste segmento. As aulas são ministradas gratuitamente para os moradores. À frente desta iniciativa está o Mestre Gilvan que, gentilmente, preparou e cedeu a cobertura de sua residência para a realização das atividades.
O local é simples, mas o trabalho nobre! Basta ver o empenho e motivação dos participantes e a galeria de troféus em exibição na academia. “Aqui temos pessoas que chegaram sem qualquer expectativa e hoje são atletas de alto rendimento, fazendo parte da seleção baiana e da Confederação Brasileira de Boxe. Cada troféu desse significa uma história e um resgate importante”, disse, com orgulho, o mestre.
As aulas estão disponíveis para gente de todas as idades e acontecem tanto pelo dia como no período noturno. “O que a gente cobra aqui é que os jovens estejam estudando”, ressaltou Gilvan. Para que as atividades aconteçam, ele conta com a colaboração da esposa, a campeã brasileira de boxe, Aline Silva, e juntos distribuem os trabalhos. Ele, às segundas, quartas e sextas-feiras; e ela com o grupo feminino, às terças e quintas.
Com 45 anos, Carlos Alberto Moura estava bem entusiasmado no momento em que nossa reportagem esteve no local. Beto, como é chamado pelo grupo, se orgulhava de ter perdido 20 quilos em pouco mais de três meses. “Isso aqui pra mim é vida, porque tem saúde e pessoas que acreditam nas outras”, comentou com alegria.
A Novo Astral, depois de 15 anos de existência, passou a contar com o apoio do Governo da Bahia. O incentivo vai para o Projeto ELISNA (Esporte, Lazer, Inclusão Social, Nordeste de Amaralina), criado dentro do bairro, e atua no desenvolvimento de várias modalidades como o boxe, karatê, jiu-jitsu, natação, ginástica dos idosos e futebol. Todas com professores remunerado. ?É assim que a gente consegue manter isso aqui funcionando?, pontuou Gilvan.
LUGAR DE PURA BELEZA
A beleza cultural encontrada na população da região do Nordeste de Amaralina extrapolou os talentos da arte e enveredou, também, por novos caminhos. Com muito charme, elegância e simpatia, duas moradoras do bairro da Santa Cruz, se tornaram, nos últimos cinco anos, vencedoras do Concurso Miss Bahia.
A mais recente é, justamente, a detentora do título deste ano. A modelo Maria Isabel de Jesus, 19 anos, brilhou no concurso baiano, em abril, e quase chegou mais longe. Um mês depois, foi ao Rio de Janeiro e bateu na trave no Concurso Miss Brasil. A baiana ficou em segundo lugar entre as mais belas do país.
“Nunca achei que eu pudesse ter essa oportunidade”, disse ao Aratu Online se referindo à sua descrença, naquela ocasião, relacionada à ascensão de quem mora na periferia. “Antes achava que esses concursos só favoreciam as meninas de classe social mais elevada”, confessou.
A conquista da jovem permitiu que algumas portas se abrissem em sua vida profissional. “Pude vincular a minha imagem a alguns trabalhos que me ajudaram a ganhar alguma grana”, disse.
A receptividade encontrada dentro de sua comunidade foi algo que a menina, também, não consegue esquecer. “Até hoje, quando vou em algum lugar como a padaria, tem alguém que fala alguma coisa como: torci muito por você! Isso é bom!”, comentou.
Isabel ainda pretende realizar trabalhos relacionadas ao mundo da moda, mas tem em seus planos se tornar, brevemente, uma administradora de empresas e quem sabe, segundo ela, conciliar as duas atividades.
Há cinco anos, Priscila Santiago, 27, foi a primeira a realizar o feito. Na época, o concurso permitiu que candidatas de Salvador pudessem participar como representantes de seu bairro. A medida agradou muito a jovem da Santa Cruz. “Eu tenho uma relação de muito amor com o bairro e sei que ele precisa ser visto de forma positiva”, pontuou, diante daquela oportunidade de colocar sua origem em evidência.
“Depois que ganhei o Miss Bahia, muitas meninas resolveram a participar de concursos, Não quero que pare por aí, eu quero que outras continuem participando e sintam orgulho de dizer que são da Santa Cruz”, acrescentou.
Assim como Isabel, Priscila também brilhou no Miss Brasil e faturou o terceiro lugar do concurso, em 2013. Em sua carreira de modelo, ela já havia acumulado títulos de Miss Estudantil e Princesa do Carnaval. Atualmente, a jovem está terminando o curso de jornalismo e pretende firmar carreira também nesta área.
Pra não fugir à regra e, até mesmo, por ter sido a primeira a elevar o nome do bairro em um evento como o Miss Bahia, os moradores da Santa Cruz abraçaram com muito carinho a filha ilustre do lugar. “Foi uma festa! Foi maravilhoso! Sem exceção, o bairro vestiu a camisa desde que foi divulgada a primeira lista com as 30 meninas que estavam na final”, lembrou.
Dentro desse contexto, Priscila e Isabel não esqueceram de mencionar o apoio recebido pelo site local NORDESTEUSOU (NES). As duas pérolas negras agradecem muito às divulgações feitas nas ocasiões dos eventos publicadas na Revista Eletrônica.
Aliás, mostrar as coisas boas do Nordeste de Amaralina faz parte da missão da equipe que comanda o site. Desde a sua criação, em 2011, vem sendo essa a proposta do NES. A seriedade do trabalho é reconhecida pelos moradores e foi verificada por nossa reportagem que contou com a colaboração de Pedro Martins, um de seus integrantes, durante a visita do Aratu Online ao local.
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