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TDI: entenda o transtorno que pode levar uma pessoa a ter múltiplos ‘inquilinos’ na própria cabeça

Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) afeta 1,5% da população dos Estados Unidos, de acordo com estudo americano

Por Bruna Castelo Branco

TDI: entenda o transtorno que pode levar uma pessoa a ter múltiplos ‘inquilinos’ na própria cabeçaCréditos da foto: Ilustrativa/Pexels

Aos cinco anos, Giovanna Blasi, de 21, sofreu uma série de violências tão marcantes que desenvolveu um quadro de estresse pós-traumático. Nessa época, para ajudá-la a lidar com a situação, uma criança de cinco anos, que disse que se chamava Momô, começou a morar dentro da cabeça dela.


Conforme outras experiências traumáticas foram acontecendo na infância de Giovanna, entre elas, um abuso sexual, outras personagens, femininas e masculinas, passaram a se juntar a Momô na cabeça da estudante de psicologia: Tatá, ou Coisa, Luísa, Lina, Aurora, Aline, Ariel, Dandara, Laura, Luara, Lua, Melanye, Ayana, entre outras - muitas outras. “Hoje, nós somos 18”, diz a jovem em dezenas de vídeos que compartilha frequentemente com seus quase 380 mil seguidores no TikTok. Na rede social, ela e suas múltiplas identidades se identificam como “Sistema Resiliência”.


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Segundo conta Giovanna, ela está sendo acompanhada por uma equipe médica há 10 meses por suspeita de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), condição que, de acordo com a rede americana International Society for Traumatic Stress Studies, afeta 1,5% da população dos Estados Unidos. O TDI, como explica o neuropsicólogo Breno Marques, é um “transtorno mental crônico, complexo, com os primeiros casos identificados por volta do século XVI, embora com outros nomes. Há presença de eventos traumáticos verificáveis, entre os 5 a 10 anos de vida, em 90% a 100% das pessoas diagnosticadas com TDI, geralmente associados a pessoas próximas da criança”. Para chegar ao resultado final, são necessários dois anos de acompanhamento multidisciplinar com médico e psicólogo.


[caption id="attachment_240773" align="alignnone" width="1024"] Há presença de eventos traumáticos verificáveis, entre os 5 a 10 anos de vida, em 90% a 100% das pessoas diagnosticadas com TDI, de acordo com o neuropsicólogo Breno Marques. | Foto: Ilustrativa/Pexels[/caption]

O transtorno, como pontua Breno, causa um impacto severo na rotina e na qualidade de vida das pessoas que sofrem com os sintomas. Como ainda não há muitos estudos sobre a condição no Brasil, não é tão fácil determinar como o cérebro dos pacientes é afetado, mas dá para apontar uma série de características que ajudam a fechar um quadro.


“O TDI pode ser entendido como a existência de duas ou mais identidades dissociadas no mesmo sujeito, sendo que há confusão ou total amnésia entre as identidades, além de sintomas de despersonalização e desrealização. É importante destacar que essas identidades não estão sob controle do sujeito e não aparecem conforme sua vontade ou desejo, o que causa sofrimento intenso”, explica o neuropsicólogo.


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Nos vídeos publicados no perfil do “Sistema Resiliência”, Giovanna contradiz a informação do profissional: de acordo com ela, além de conseguir conversar com as outras 17 identidades, todas elas se dão super bem e não “tomam” o “front”, ou seja, o corpo, sem permissão. Isso tudo, conta ela, depois de passar por diversas sessões de terapia em que cada uma das identidades é analisada e tratada.


“Hoje, eu sou a ‘host’ [hospedeira], a pessoa que decide quem entra e quem sai do ‘front’. Nem em todo sistema, o ‘host’ é a identidade original, mas, nesse caso, sou eu. [...] Eu tenho amnésia dissociativa, mas não fico em estado inconsciente, porque, para isso, teria que desligar o corpo, ou seja, causar um desmaio, e elas precisam do corpo ligado para conseguirem vir falar e fazer as suas atividades. Eu só perco a memória de tudo o que elas fizeram no momento em que elas vão embora”, relata ela.


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Em um vídeo, Ariel, uma das identidades que moram na cabeça de Giovanna, disse que, além de cada uma das personas ter um trabalho e aparências próprias, o espaço mental em que elas convivem é como uma casa: “O nosso head space [espaço mental] é uma casa enorme com um quarto para cada um, com algumas áreas de lazer, como ateliê de artes, academia, sala de cinema. Temos uma sala de reuniões para a gente fazer o consenso sobre as coisas do corpo, e um quintal enorme”.


[caption id="attachment_240772" align="alignnone" width="683"] Como ainda não há muitos estudos sobre a condição no Brasil, não é tão fácil determinar como o cérebro dos pacientes é afetado. | Foto: Ilustrativa/Pexels[/caption]

DIAGNÓSTICO


Porém, o diagnóstico não é fácil. O psiquiatra Vinicius Freitas explica que, por ser um quadro raro, é difícil chegar a uma conclusão rápida, mas há sinais. “Transtornos dissociativos são alterações do conteúdo da nossa consciência, que estão relacionado às questões de identidade: onde eu estou, quem eu sou, a diferença entre mim e o mundo, e por aí vai. A dissociação de identidade é algo muito complexo, porque tem que dissociar todo o funcionamento da personalidade da pessoa: como ela se veste, se enxerga, fala. É algo muito intenso”.


Porém, por mais que o transtorno esteja descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o tema ainda não é unanimidade entre o profissionais da área de saúde, como comenta Vinicius. “É bem controverso. A validade desse diagnóstico é muito questionada no mundo inteiro. Nos Estados Unidos se fala muito disso, se propaga muito essas ideias, porque os casos mais famosos são de lá. Mas, em outros países, há muita controvérsia se esse é um diagnóstico real, se ele de fato acontece da maneira que os pacientes falam, ou se existe algo por trás”.


Também é comum que o diagnóstico de TDI se confunda com o de outros transtornos que também surgem após um trauma na infância, como transtorno de personalidade borderline e histriônica, por exemplo. “Existe uma mística por trás desses comportamentos que é um ganho secundário, você receber cuidados. E não que a pessoa faça por querer, ela não faz voluntariamente”, afirma o psiquiatra.


Segundo Vinicius, o comportamento é movido pelo inconsciente. “É mais uma tentativa de receber atenção, cuidado, porque, ao longo da infância, faltou esse afeto e houve trauma. Por isso, é tão difícil de diferenciar de borderline e transtorno de personalidade histriônica, que têm a mesma dinâmica: trauma na infância, busca por cuidado, busca por atenção, sensação de vazio, medo do abandono… Mas, como eu disse, é involuntário”.


[caption id="attachment_240790" align="alignnone" width="683"] Também é comum que o diagnóstico de TDI se confunda com o de outros transtornos que surgem após um trauma na infância, como o transtorno de personalidade borderline e histriônica. | Foto: Ilustrativa/Pexels[/caption]

No dia 20 de agosto, o Fantástico, programa da TV Globo, exibiu uma extensa reportagem sobre o tema, o que, para Vinicius, produziu o que é chamado de “Efeito Werther” de TDI. Em 1774, o escritor alemão Johann Wolfgang Goethe publicou o livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, que conta a história de um homem que comete suicídio após se apaixonar por uma mulher que vai casar com outra pessoa. Para realizar o ato, o jovem Werther utilizou uma pistola. Depois do lançamento da obra, dezenas de pessoas na Europa se mataram com roupas parecidas com as do personagem e utilizando uma pistola.


O episódio foi tão significativo que, em 1974, o pesquisador americano David Phillips nomeou o caso de “Efeito Werther”. Porém, há algo que é preciso ressaltar: o chamado “suicídio por imitação” só acontece com pessoas que já estão em um grave estado de vulnerabilidade.


Na vivência do psiquiatra, desde que os debates sobre TDI começaram a viralizar nas redes sociais, mais pacientes iniciaram uma busca pelo mesmo diagnóstico. “Esses transtornos relacionados à busca por afeto sofrem muito com o mecanismo de contágio. São pessoas mais vulneráveis ao externo, querem fazer parte de um grupo, querem ser acolhidas. Então, quando veem muita divulgação a respeito desse transtorno, a tendência é que, sim, comece a aumentar a busca pelo diagnóstico. É algo que já venho percebendo”.


Vinicius conta o efeito no seu consultório após a exibição da matéria. “No domingo, saiu a reportagem. Segunda ou terça já vieram pacientes em massa trazendo essa hipótese diagnóstica para si próprios. Precisamos ter muito cuidado para não sair diagnosticando todo mundo com esse transtorno que, de fato, é muito raro”.


[caption id="attachment_240789" align="alignnone" width="637"] Com psicoterapia, é possível ir silenciando essas vozes que moram na cabeça dos pacientes e, com o tempo, apagando seus rostos, gostos e personalidades. | Foto: Ilustrativa/Pexels[/caption]

TRATAMENTO


Como a própria Giovanna afirma em diversos vídeos, o principal tratamento para o transtorno é a psicoterapia, já que não há remédio específico para o TDI. A não ser que haja outras condições psiquiátricas associadas, como pontua Vinicius Freitas: “Se a pessoa tem ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, depressão, qualquer transtorno psiquiátrico, ela deve ser tratada, e a gente deve buscar diagnosticar isso ativamente, porque é muito provável que ela tenha uma comorbidade. É muito improvável ter só o TDI, e isso precisa ser tratado”.


O psiquiatra explica que, com muita psicoterapia, é possível ir silenciando essas vozes que moram na cabeça dos pacientes e, com o tempo, apagando seus rostos, gostos e personalidades: “a ideia é que a gente consiga dissolver essas identidades e retomar a identidade original para que ela consiga lidar com situações estressoras e recorra a outros mecanismos de defesa que não a dissociação. Com isso, essas identidades vão se tornando mais frágeis, mais fluidas, menos presentes no dia-a-dia do indivíduo. Se elas vão continuar lá ou não, nós não sabemos”.


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