Paixão de berço: tradição no Galinho, quadrilhas juninas acompanham gerações; "dancei grávida e, hoje, meu filho dança comigo"
Veja também o trabalho de uma das quadrilhas mirins mais importantes e antigas de Salvador, a Forró do Luar.
Assim como a música tema do Galinho, nesta matéria vamos falar sobre um amor que não para de crescer e virou tradição: o amor pelas quadrilhas juninas. Presente no evento - então "Arraial do Galo" - desde 1989, as apresentações dos quadrilheiros são regadas a figurinos de tirar o fôlego, marcações e muita emoção, mas, sobretudo, uma paixão genuína pela arte que tanto representa o São João da Bahia e que, muitas vezes, vem desde a infância.
No caso de Tamiles Pimenta, 32, ou melhor, do filho dela, o pequeno Aslan Pedro, de apenas 6 anos, tudo começou ainda "na barriga”. “Eu dançava num grupo de arrocha na minha cidade [Candeias, na Região Metropolitana de Salvador] e surgiu o convite. Me apaixonei! Danço desde os 14 anos, dancei grávida e, hoje, meu filho dança comigo", diz ela, eleita a melhor dançarina do concurso realizado no Galinho, em 2019, representando a quadrilha Asa Branca.
Tamilles e Aslan no Galinho 2019 | Foto: arquivo pessoal
De acordo com Tamiles, Aslan se identifica e “gosta mesmo” de participar das quadrilhas, e fica ansioso para saber quando a roupa dele vai chegar. Ela revelou, ainda, que inspira a sobrinha de 10 anos - que já avisou à mãe que vai ser “que nem” a tia - e algumas alunas. Sim. A dedicação foi tanta que, atualmente, ela não só dança como também é coreógrafa de duas quadrilhas juninas: a “Brilho Candeense”, na cidade natal, onde faz um “trabalho de resgate de cultura”, e a “Fogueira Santa”, em Camaçari, também na RMS, já participante de festivais e competições.
“Pra você ver o que é a quadrilha junina. Antigamente eu era só brincante, e hoje ganho dinheiro fazendo quadrilha junina”, reflete, em conversa com o Aratu On.
Com a Fogueira Santa, Tamiles deve percorrer mais de 20 cidades no próximo mês, e, para isso, tem uma rotina intensa de ensaios, os quais normalmente ocorrem aos finais de semana. “A preparação começa em janeiro, pausa no Carnaval e volta com tudo em março”, afirma.
“Agradeço à quadrilha junina pela minha formação de jovem, mulher e mãe. Não é só São João. É trabalhar corpo e mente, é todo um processo”, explica, comentando que não podem beber, por exemplo, e devem se empenhar bastante. Para a coreógrafa, existe um lado social nas quadrilhas de forte influência sobre os mais novos. “Se todo jovem pudesse conhecer, seria ótimo. Eles se afastam das drogas e da prostituição, por exemplo”, conclui.
QUADRILHA MIRIM "FORRÓ DO LUAR"
Da parte social, Anna Franco, 63, e Fátima dos Santos, 62, entendem bem. Juntas, as vizinhas e amigas de longa data cuidam, há mais de 30 anos, da quadrilha fundada por Seu Regino, pai da primeira, que após mudar de nome algumas vezes, firmou-se como a quadrilha mirim “Forró do Luar”, que se apresentou no Galinho 2019. Elas são presidente e diretora, respectivamente, e compartilham da mesma opinião de Tamiles, garantindo que monitoram os pequenos durante todo o ano, e não só no São João, com um trabalho sociocultural no bairro de Massaranduba, na Cidade Baixa, em Salvador.
As crianças fazem teatro, dança, futebol, “baleô”, e a dupla ainda organiza ações para todos os moradores, incluindo um “sopão”, no terceiro domingo de cada mês (há cerca de 15 anos), e o “Mãe de Primeira Viagem”, no qual auxiliam grávidas com fraldas e itens para o bebê.
“Festa de Dia das Crianças são mais de 1.000 cachorros-quentes!”, destaca Anna, que trabalhou por muitos anos - e ainda trabalha, mesmo após se aposentar - em uma lanchonete bastante famosa, em Salvador, justamente pelo hot-dog: “Travessas”, no Santo Antônio Além do Carmo.
Voltando à quadrilha junina, para ser um brincante, ou personagem, a dupla reforça que existem alguns pré-requisitos que a garotada deve cumprir. “A gente procura saber como está na escola, porque tem que estar estudando, ter boas notas e bom comportamento em casa”, afirma Anninha, como é carinhosamente chamada a presidente da Forró do Luar. Tem até grupo no WhatsApp para esse acompanhamento!
Ela conta que dançava na quadrilha do pai, então chamada de “Arraiá da Paquera”. Depois, junto com a amiga Fátima, “tomaram a responsabilidade” e a quadrilha mirim foi ganhando forma após uma homenagem à herdeira:
“Os pais dos meninos que estavam dançando, na época, resolveram fazer uma homenagem para mim. Cada um pegou uma calça, remendou, arranjou um bocado de roupa antiga e fizeram o ‘Arraiá dos sem-terra’. Quando fomos nos filiar à Federação Baiana das Quadrilhas Juninas (FEBAQ), mudamos o nome para ‘Forró do Luar’”.
Aninha afirma que as crianças têm interesse e “se veem como rainhas e reis, com aquelas roupas empoderadas”. Quando ocorrem apresentações em escolinhas, “elas ficam encantadas e querem dançar”.
DESAFIOS
Atualmente, a quadrilha mirim do bairro de Massaranduba “cuida” de aproximadamente 60 crianças. “A gente insiste na cultura porque vê o resultado. Temos meninos como o Ed Santos..." - "meu sobrinho!", interrompe Fátima, sorridente e orgulhosa - "que dançou com Ivete [Sangalo] numa turnê e agora passou em uma edição do Balé Folclórico da Bahia. Então, a gente fica feliz", afirma.
Ivete Sangalo e Ed Santos, antigo integrante da Luar do Forró e sobrinho da diretora Fátima | Foto: arquivo pessoal
Mas nem tudo são flores. A Forró do Luar sobrevive do esforço das dirigentes e do voluntariado. Quando perguntamos como a quadrilha se mantém, Fátima não hesita e aponta para Anninha: “ralando no Santo Antônio Além do Carmo!”, rindo e arrancando risos da amiga, que completa: “com 13º, férias, Dia das Mães, quando meus filhos perguntam o que eu quero de presente… E a gente também faz feijoadas, balaios e rifas. Fazíamos os cortejos juninos com camisas para vender, e também tinha ‘A cultura bate à sua porta’, que era ‘tipo’ um livro de ouro, que a gente ia de porta em porta e os moradores assinavam, porque é muita despesa”.
Para a presidente, “é triste não ter apoio”, ainda mais quando saem bons dançarinos das mirins para as adultas. “Eu fico pensando: ‘vai chegar uma hora que quem está nas quadrilhas adultas não vai mais dançar. E as crianças que estão crescendo, mas não têm apoio?’. E aí a gente já começa a pensar em desistir, porque é muita despesa”, reitera.
“O que não faz desistir?”, emendamos, para uma resposta imediata de Anninha: “o amor à cultura e às crianças. A gente não desiste por isso. A cultura é essencial e a gente tem que estar ali, lutando e resistindo”.
EM TEMPO
Nessa quinta-feira (26), Anninha e Fátima levaram Evelyn Raquel, de 11 anos, e Carlos Matheus, de 12, à TV Aratu, para gravar uma edição especial do Clube da Alegria, que vai ao ar no próximo sábado, 4 de junho, dia do Galinho, evento que abre os festejos juninos na capital baiana.
Anninha, Evelyn, Matheus e Fátima no estúdio da TV Aratu | Foto: Aratu On
MANIFESTAÇÃO CENTENÁRIA
Como dito no início desta matéria, a presença das quadrilhas juninas no então Arraial do Galo começou há 32 anos, em 1989. "Na época do seu 'nascimento' já existiam outros concursos aqui, mas a TV Aratu sentiu a necessidade de apoiar e promover essa grande massa cultural, pela grande quantidade de quadrilhas que existia na época e a população abraçava", explicou o presidente da Federação Baiana das Quadrilhas Juninas (FEBAQ), Carlos Brito, no mini-doc "Galinho: Um espetáculo junino desde 1989".
O Arraiá do Galinho também fez o primeiro campeonato nacional, que aconteceu no antigo ginásio Antônio Balbino (o Balbininho, na antiga Fonte Nova). Apesar de a Bahia ser maioria, na época, com nove quadrilhas, os estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe também mandaram seus quadrilheiros, que mostraram muita empolgação, originalidade e tradição. "Só pra você imaginar, teve um universo de mais de 60 quadrilhas juninas disputando o primeiro ano", destacou Brito.
"A quadrilha junina é uma manifestação cultural centenária. Tem uma referência nas danças de salão vividas na França, na época das cortes. Toda a Europa dançava. Com a chegada de Dom João VI, aqui, essas danças invadiram o Brasil", explicou o presidente, ainda no mini-doc. "Os serviçais e pessoas escravizadas acompanhavam e viam essas danças acontecendo e faziam, à parte, seus próprios arraiais. Eles imitavam não só a brincadeira da dança como as marcações (anarriê, alavantê...)", continuou.
"No Nordeste, a quadrilha junina veio do 'matuto' e evoluiu. Hoje, temos quadrilhas matutas, tradicionais, às mais elaboradas e robustas. Assim, virou essa grande tradição e simbologia dentro dos festejos juninos", concluiu o presidente da FEBAQ.
DOCUMENTÁRIO
O mini-doc “Galinho: Um espetáculo junino desde 1989" foi lançado em abril deste ano, no canal Originais Aratu On, no YouTube. Produzido pelo Grupo Aratu em parceria com a Caranguejeira Filmes, o vídeo conta a história do festival, exibindo trechos desde as primeiras edições às mais atuais, além de trazer convidados como Carlos Brito, o cantor Léo Macedo, da banda Estakazero, e Célia Felicidade, irmã de Celisa Felicidade, produtora da TV Aratu e criadora do “Arraial do Galinho”, que faleceu em dezembro de 2016, em decorrência de um câncer.
“Celisa foi a precursora. Foi a que levantou a bandeira do movimento junino. É um dos grandes alicerces do nosso movimento na Bahia. [...] Era o amor da vida dela”, diz a irmã, Célia, no mini-doc, que você pode assistir na íntegra, a seguir:
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