Fim da lenda do Pau Miúdo: veja história de 10 bairros de Salvador
Para além de nossos lares, os bairros trazem consigo histórias próprias, intimamente ligadas com o DNA de Salvador.
Nas idas e vindas de Salvador, ruas e avenidas nos levam e trazem todos os dias e, por vezes, sequer sabemos seus nomes reais e as histórias por trás delas. Porém, o Aratu On já apresentou algumas dessas importantes vias da cidade e quem foram essas personalidades que receberam a homenagem.
Hoje, vamos um pouco além: pegando carona pelos caminhos que cortam nossa capital, chegaremos a alguns bairros que trazem nomes curiosos e diferentes. Apesar de as opções serem muitas, escolhemos 10 bairros para desbravar.
Com a ajuda do professor e historiador Rafael Dantas, somos conduzidos pelas histórias de importantes bairros da primeira capital do Brasil e vamos aprendendo um pouco sobre a nossa própria história, talvez esquecida para os mais velhos e provavelmente desconhecida para os mais jovens.
Para além de nossos lares, os bairros trazem consigo histórias próprias, intimamente ligadas com o DNA de Salvador, através de contextos da formação da cidade durante os anos de Império, passando pelas mudanças vindas com a República Velha e a evolução econômica e industrial do período que abarca a Ditadura Militar e a democracia.
OS BAIRROS DE SALVADOR
Antes da lista, é importante trazer a definição do que é um bairro. Segundo a lei Nº 9278/2017 (a mesma que alterou alguns CEPs de Salvador em 2017), bairro é a unidade territorial com densidade histórica e relativa autonomia no contexto da cidade, que incorpora noções de identidade e pertencimento dos residentes e usuários, os quais utilizam os mesmos equipamentos e serviços comunitários, mantêm relações de vizinhança e reconhecem seus limites pelo mesmo nome.
Assim, por meio dessas características marcadas através das relações e do conhecimento popular, que se delimita uma localidade ou bairro.
VITÓRIA E SEU CORREDOR
Começando por um dos bairros tidos como nobres, a Vitória recebeu esse nome por conta da presença da Igreja de Nossa Senhora da Vitória em suas dependências, sendo ela a segunda mais antiga do país, fundada em 1561. Para além desse detalhe, o historiador nos conta uma outra curiosidade sobre a composição do bairro.
“Inclusive, antes era conhecida como Freguesia, distrito da Vitória, que não era só o bairro da Vitória de hoje, mas que ia das Mercês até o Rio Vermelho”, revela.
Quanto ao famoso corredor, Rafael nos conta que existem algumas possibilidades que são debatidas para o nome. “Existe uma possibilidade de o nome Corredor fazer referência à passagem do exército libertador durante a Independência da Bahia por aquele caminho”.
Uma segunda hipótese tem relação com a rainha Vitória, da Inglaterra. “Outras pessoas falam que o nome faz referência à Rainha Vitória, já que muitos ingleses moravam naquele lugar, mas não é muito acertado", diz.
CALABAR
Ainda no centro da cidade, saímos da Vitória e seguimos para a região da Barra/Ondina, em direção ao Calabar. Um bairro popular rodeado das consideradas “áreas nobres”, o Calabar traz a resistência em seu nome e na sua história.
“Segundo o historiador Cid Teixeira, o nome faz uma referência, tanto no que toca ao Calabar, como em outros lugares de Salvador, à tradições advindas de África. Alguns escravos trazidos de uma região da África, chamada Kalabari (atual Nigéria), se refugiaram na região e constituíram uma espécie de quilombo e o nome acabou ficando, de Kalabari para Calabar”, apresenta Rafael.
MATA ESCURA
Como o próprio nome entrega, o bairro da Mata Escura era uma grande área de vegetação que facilmente poderia ser cenário de um filme de terror. “[O nome] faz referência à quantidade de árvores que existia naquela região, formando uma grande mata que, quando você entrava, não via o sol passando pelos galhos. Era uma mata escura, com árvores grandes, com troncos grossos”, afirma.
Um outro detalhe apontado pelo professor é a mudança da paisagem da cidade ao longo do tempo, principalmente a natural. “Salvador já teve grandes matas no entorno de seu Centro Histórico e foram todas demolidas, destruídas, só ficando duas grandes reservas, ali no Cabula/Paralela e no Parque São Bartolomeu”, aponta.
BOCA DO RIO/BOCA DA MATA
Trazendo duas localidades em um só tópico, as Bocas (do Rio e da Mata) são dois bairros bem populosos de Salvador e receberam esses nomes por conta de questões ligadas ao ambiente.
Boca do Rio era onde se encontrava a foz do rio, de onde ele saía. “Da mata é a mesma coisa. É o lugar do início da mata, era um lugar que tinha grande presenças de floresta, inclusive [era onde] extraíam muita madeira para construção civil de Salvador no final do século XIX e início do século XX”, acrescenta o historiador.
IAPI
Muita gente se pergunta o que significa IAPI e porquê se fala soletrado. Basicamente, significa Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. O bairro surge como um conjunto de unidades habitacionais lá na segunda metade do século XX e vai se expandindo a partir das décadas de 60 e 70.
“Hoje é um bairro que é referência no miolo da cidade do Salvador, sendo muito povoado, mas que tem essa história que acompanha um momento em que Salvador, na década de 70, chegou a 1 milhão de habitantes e as pessoas iam morar nos arredores do antigo Centro Histórico, no miolo da cidade”, conta Rafael.
PAU MIÚDO
Antes que apareça algum engraçadinho, o bairro não tem nada a ver com o tamanho dos órgãos sexuais masculinos. A razão do nome se dá pela sua vegetação, o que ainda assim não impede que sejam feitas brincadeiras à localidade vizinha do IAPI e da Caixa D’Água
No início da ocupação do local, as casas construídas eram feitas de palha e posteriormente eram “reformadas” para casas de taipa, necessitando de madeiras finas para obra, indo buscar no local. “Era um lugar com vegetação rasteira, vegetação menor, se compararmos com a Mata Escura, por exemplo", pontua o historiador.
CABULA
Assim como o Calabar, o Cabula traz em seu nome uma referência à cultura de África, porém, neste caso, é uma referência a um ritmo ou expressão musical. Ao longo dos anos, o motivo em que o bairro era reconhecido se modificou bastante.
“O lugar ficou muito conhecido mesmo por conta das fazendas extensas de laranjas que tinham naquela região, era um lugar conhecido pelos laranjais. Hoje, com uma ótica muito diferente, é um lugar conhecido pelos conjuntos residenciais que começaram a ser construídos no decorrer da segunda metade do século XX”, informa.
PERNAMBUÉS
Também localizada na região do antigo quilombo do Cabula, justamente pela densa vegetação, a localidade conhecida como Pernambués tem seu nome com origem indígena que significa "tanque de água".
“Aquela região era um lugar muito rico em águas, fontes e rios que ainda hoje existem nas bacias hidrográficas daquela região", nos conta o historiador.
SARAMANDAIA
Bairro vizinho à Pernambués, Saramandaia, diferente de outros citados nessa lista, tem esse nome por outro motivo. No ano de 1976, foi ao ar uma novela na Rede Globo, escrita por Dias Gomes, que serviu para batizar a região.
“Dizem que surgiu quando passou a novela e o lugar ficou conhecido como Saramandaia. É muito mais de um dizer popular que, de fato, uma confirmação documental”, informa.
Um detalhe trazido pelo historiador ajuda a situar a criação desses bairros em um determinado contexto histórico.
“Tanto o IAPI quanto o Cabula, Pernambués e Saramandaia têm que ser entendidos em um contexto de desenvolvimento urbano de Salvador. A economia baiana passa por mudanças nas décadas de 40 e 50 com as refinarias implantadas no Recôncavo Baiano e, depois, com o polo petroquímico nas décadas de 70 e 80. É aí que muitos desses bairros começam a ser desenvolvidos“, afirma Rafael.
ILHA DOS FRADES
Por fim, não um bairro propriamente dito, mas a ilha faz parte do território de Salvador. Como o nome entrega, a Ilha dos Frades tem relação com a religião. “Tem um nome religioso e faz referência à presença católica de religiosos naquela ilha ao longo do tempo”, finaliza o historiador.
O local aparece como destino turístico por suas belas praias e construções religiosas e faz parte da trinca de ilhas pertencentes à Salvador, que é composta ainda pela Ilha de Bom Jesus dos Passos e pela Ilha de Maré.
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