Conheça Victória Yasmim, a jovem que nasceu sem cérebro e foi aprovada em quatro vestibulares
Ela é um daqueles casos impressionantes que desafiam a medicina. A garota chegou ao mundo com hidranencefalia. O espaço craniano fica preenchido, apenas, por líquido cerebroespinhal.
Créditos da foto: Dinaldo dos Santos/Aratu On
Victória Yasmim tem 19 anos e está muito animada para iniciar uma nova fase da vida. A jovem acaba de passar no vestibular de uma universidade, em Salvador, e vai estudar gastronomia.
A decisão pelo curso passou por uma escolha entre quatro opções. Ela realizou outros exames e estava apta para ingressar, também, em faculdades de jornalismo, estética e eventos.
Mesmo se tornando universitária, Victória afirma que não quer abandonar um antigo desejo. Ela garante que vai se organizar para dividir seu tempo e conciliar um curso profissionalizante de massoterapia.
O entusiasmo e a determinação presentes na personalidade de Victória são aspectos sadios encontrados na maioria dos jovens. Mas uma condição faz com que suas conquistas se tornem muito mais especiais.
A menina nasceu sem o cérebro. Isso mesmo! Ela é um daqueles casos impressionantes que desafiam a medicina. A garota chegou ao mundo com hidranencefalia. O espaço craniano de quem apresenta a doença fica preenchido, apenas, por líquido cerebroespinhal.
Mas contrariando a literatura científica, ela driblou complicações previsíveis ao seu desenvolvimento. Bebês nascidos nessa situação não têm muita expectativa de vida. Normalmente, vivem algumas horas, meses ou, até mesmo, alguns anos. A sobrevida dessas pessoas, em regra, fica condicionada a sérias limitações.
A enfermidade, porém, pode ser descoberta, com um simples exame de imagem. Uma ultrassonografia feita, ainda, na fase de gestação da criança é capaz de detectar o problema. Edilma Silva, mãe de Victória, contou para nossa reportagem que recebeu a notícia durante o pré-natal.
LEIA MAIS: Brasileiro superdotado de 14 anos cursa duas graduações ao mesmo tempo e faz estágio
“Quando eu soube do diagnóstico, a princípio, pensei em abortar. Eu não era evangélica na época”, revelou. Apesar de a legislação brasileira permitir o aborto em casos como esse, ela resolveu apostar na cura de sua filha.
ESPERANÇA E FÉ
“Depois que ela nasceu, [os médicos] deram seis meses de vida, mas a minha fé me fazia acreditar que ela teria uma vida normal. Eu decidi que eu lutaria até o fim e iria fazer de tudo pra que ela fosse uma criança normal”, contou.
O médico que cuida de Victória, desde os seus primeiros dias de vida, é testemunha da entrega e luta da mãe. Márcio Brandão, na ocasião do nascimento da menina, era chefe da neurocirurgia do Hospital Roberto Santos, onde Dona Edilma deu à luz, e foi o primeiro a cuidar do caso.
Ele disse ao Aratu On que o bebê havia nascido com a cabeça um pouco grande e sem o cérebro. Lembrou que foi procurado pela mãe, pedindo para que fosse ao berçário visitar sua filha. “Ela já tinha o posicionamento de outro especialista e foi informada que Victória não ia falar, não ia andar e não teria uma vida útil”, comentou.
Esse era um prognóstico defendido, também, por Márcio Brandão, mas diante da fé e insistência da mãe, ele resolveu fazer um procedimento cirúrgico: implantar uma válvula na cabeça da criança para melhorar sua qualidade de vida.
Com a válvula, é possível drenar o excesso de líquido para outra área do corpo. O especialista lembrou que precisou “obrigar” um colega a lhe auxiliar na cirurgia, já que seu “subordinado” acreditava que a menina estaria exposta a um sofrimento desnecessário.
“Cirurgia de válvula, embora seja fácil de ser feita, dá algumas complicações como rejeição e meningite”, explicou Brandão.
O médico é um dos fundadores e atual vice-presidente da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia - Instituto do Cérebro. Foi nesta instituição que depois da intervenção, ele passou a acompanhar e observar a evolução de sua pequena paciente.
“Cada vez que ela chegava aqui era uma novidade. Começou a firmar o pescoço e começou a sentar. A menina progredia e evoluía de forma surpreendente”, comentou na ocasião da nossa visita à Fundação.
“Quando eu fazia uma tomografia, aparecia um pedaço de cérebro. Eu não vejo nenhum doente que evoluiu tão bem assim”, enfatizou.
O especialista explicou que, hoje, o cérebro dela, se observado do ponto de vista anatômico, não é 100% normal, mas, de acordo com sua avaliação, ela é uma menina 100% normal.
“É realmente impressionante! [...] Ela me surpreendeu a vida inteira [...] É a paciente que mais certeza me dá que eu participei, de uma maneira indireta, de um milagre!”, celebrou.
Ao longo da vida, Victória já teve dez episódios de meningite e a necessidade, por cinco vezes, de fazer a troca de válvulas, disse o neurocirurgião. Essas ocorrências são, contudo, esperadas dentro do quadro, conforme o especialista.
Márcio Brandão conviveu e aprendeu muito com Victória e diz que acabou lhe adotando como afilhada. “Ela me deu a oportunidade de participar disso e nomeei ela como a minha paciente símbolo, porque nesses 50 anos de profissão, não tinha visto nada igual”, ressaltou.
De forma muito simpática, Victória atendeu ao Aratu On e conversou com a gente sobre sua “história”. Em um papo descontraído, na praça de alimentação de um shopping de Salvador, mãe e filha compartilharam um pouco das experiências vividas dentro de um contexto de superação.
Atenta e acolhedora, a jovem não dá sinais de ter feito parte de um processo tão complexo e incomum. Ao ouvir relatos sobre o que passou, contou que, em determinados momentos, se coloca em dúvida com relação à sua própria capacidade. “Às vezes eu penso: nossa, eu passei por tudo isso e a ficha ainda não caiu!”
Com relação ao desejo de se tornar massoterapeuta, Victória está buscando aprofundar o conhecimento sobre a atividade. “Estou pesquisando alguns cursos e observando algumas videoaulas pra ter uma base melhor”, disse.
Como qualquer jovem da sua idade, ela tem sonhos e planos para o futuro: quer se tornar uma profissional bem sucedida, conquistar sua independência e muitos clientes. Na vida pessoal, o casamento faz parte de seus projetos, mas não vai apressar as coisas, quer “aguardar o momento certo”.
A mãe não consegue esconder o orgulho que tem da filha. “Eu acho que Victória veio de uma forma especial para mudar a história da minha vida!”.
Dona Edilma é “mãe solo” em dois relacionamentos. Tem um filho de 27 anos que está terminando o curso de educação física. Ela faz questão de salientar que sempre alertou aos meninos para a capacidade deles.
“Independente de qualquer situação, sempre incentivei meus filhos para não acreditarem, em hipótese nenhuma, que não são capazes de fazer alguma coisa. A gente é aquilo que quer ser! É só ter foco, objetivo e não se sentir inferior”, afirmou.
[caption id="attachment_202267" align="aligncenter" width="494"] Dona Edilma e Victória Yasmim / Foto: Dinaldo dos Santos[/caption]
Sobre a capacidade de Victória, uma pessoa pode falar com alguma propriedade. Marilda Aguiar Pepe é diretora de uma escola particular, de Salvador, onde a jovem estudou, enquanto realizou o nível médio.
“Yasmim é uma menina muito tímida, mas [a escola] junto com o tratamento médico que a mãe sempre lutou pra lhe dar, a melhora dela foi significativa”, relatou a pedagoga. Ela contou, ainda, que ao longo dos anos, a adolescente aumentou sua interação com as questões escolares.
A Professora Marilda lembrou que a jovem tinha uma certa dificuldade para escrever. A situação, porém, se relaciona com o seu histórico de saúde, já que a enfermidade pode ocasionar um prejuízo aos movimentos finos, como a escrita.
“Mas quando chegava na hora da discussão em sala de aula, ela sabia falar sobre tudo [...] ela, realmente, estudava e sabia sobre o assunto [...] Com o quadro dela, esse avanço foi uma coisa muito grande!”, festejou a educadora.
Dentro da mesma linha de entendimento está a avaliação da neuropsicóloga Liliana Silva. Ela também atua no Instituto do Cérebro e presta atendimento para Victória, dede 2018.
“Do ponto de vista cognitivo, ela funciona dentro do esperado, quando comparada a qualquer jovem na faixa etária dela nos quesitos de cognição, inteligência, memória e percepção”, garante a especialista.
A questão relacionada à motricidade fina é também observada por Liliana, mas ela considera que o problema pode ser tratado, através de técnicas como a fisioterapia, podendo alcançar resultados satisfatórios.
Victória Yasmim é uma menina doce, prestativa, comunicativa, de boa expressão e bom entendimento para a leitura, segundo a neuropsicóloga. “Às vezes introvertida, com certo retraimento, mas são condições ligadas à personalidade”, disse.
De acordo com Liliana, a menina tem todos os atributos necessários para tocar sua vida e ser independente. “Profissionalmente falando, ela tem condição de seguir os projetos que já começou a traçar!”, acrescentou.
A superação de Victória Yasmim, sem dúvida, consegue envolver emocionalmente todas as pessoas que fazem parte de sua vida. Familiares e profissionais que contribuíram com o seu processo de "cura" demonstram ser imensamente gratos pela oportunidade de estarem inseridos nessa história. Confira alguns depoimentos:
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A decisão pelo curso passou por uma escolha entre quatro opções. Ela realizou outros exames e estava apta para ingressar, também, em faculdades de jornalismo, estética e eventos.
Mesmo se tornando universitária, Victória afirma que não quer abandonar um antigo desejo. Ela garante que vai se organizar para dividir seu tempo e conciliar um curso profissionalizante de massoterapia.
O entusiasmo e a determinação presentes na personalidade de Victória são aspectos sadios encontrados na maioria dos jovens. Mas uma condição faz com que suas conquistas se tornem muito mais especiais.
A menina nasceu sem o cérebro. Isso mesmo! Ela é um daqueles casos impressionantes que desafiam a medicina. A garota chegou ao mundo com hidranencefalia. O espaço craniano de quem apresenta a doença fica preenchido, apenas, por líquido cerebroespinhal.
Mas contrariando a literatura científica, ela driblou complicações previsíveis ao seu desenvolvimento. Bebês nascidos nessa situação não têm muita expectativa de vida. Normalmente, vivem algumas horas, meses ou, até mesmo, alguns anos. A sobrevida dessas pessoas, em regra, fica condicionada a sérias limitações.
A enfermidade, porém, pode ser descoberta, com um simples exame de imagem. Uma ultrassonografia feita, ainda, na fase de gestação da criança é capaz de detectar o problema. Edilma Silva, mãe de Victória, contou para nossa reportagem que recebeu a notícia durante o pré-natal.
LEIA MAIS: Brasileiro superdotado de 14 anos cursa duas graduações ao mesmo tempo e faz estágio
“Quando eu soube do diagnóstico, a princípio, pensei em abortar. Eu não era evangélica na época”, revelou. Apesar de a legislação brasileira permitir o aborto em casos como esse, ela resolveu apostar na cura de sua filha.
ESPERANÇA E FÉ
“Depois que ela nasceu, [os médicos] deram seis meses de vida, mas a minha fé me fazia acreditar que ela teria uma vida normal. Eu decidi que eu lutaria até o fim e iria fazer de tudo pra que ela fosse uma criança normal”, contou.
O médico que cuida de Victória, desde os seus primeiros dias de vida, é testemunha da entrega e luta da mãe. Márcio Brandão, na ocasião do nascimento da menina, era chefe da neurocirurgia do Hospital Roberto Santos, onde Dona Edilma deu à luz, e foi o primeiro a cuidar do caso.
Ele disse ao Aratu On que o bebê havia nascido com a cabeça um pouco grande e sem o cérebro. Lembrou que foi procurado pela mãe, pedindo para que fosse ao berçário visitar sua filha. “Ela já tinha o posicionamento de outro especialista e foi informada que Victória não ia falar, não ia andar e não teria uma vida útil”, comentou.
Esse era um prognóstico defendido, também, por Márcio Brandão, mas diante da fé e insistência da mãe, ele resolveu fazer um procedimento cirúrgico: implantar uma válvula na cabeça da criança para melhorar sua qualidade de vida.
Com a válvula, é possível drenar o excesso de líquido para outra área do corpo. O especialista lembrou que precisou “obrigar” um colega a lhe auxiliar na cirurgia, já que seu “subordinado” acreditava que a menina estaria exposta a um sofrimento desnecessário.
“Cirurgia de válvula, embora seja fácil de ser feita, dá algumas complicações como rejeição e meningite”, explicou Brandão.
O médico é um dos fundadores e atual vice-presidente da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia - Instituto do Cérebro. Foi nesta instituição que depois da intervenção, ele passou a acompanhar e observar a evolução de sua pequena paciente.
“Cada vez que ela chegava aqui era uma novidade. Começou a firmar o pescoço e começou a sentar. A menina progredia e evoluía de forma surpreendente”, comentou na ocasião da nossa visita à Fundação.
“Quando eu fazia uma tomografia, aparecia um pedaço de cérebro. Eu não vejo nenhum doente que evoluiu tão bem assim”, enfatizou.
O especialista explicou que, hoje, o cérebro dela, se observado do ponto de vista anatômico, não é 100% normal, mas, de acordo com sua avaliação, ela é uma menina 100% normal.
“É realmente impressionante! [...] Ela me surpreendeu a vida inteira [...] É a paciente que mais certeza me dá que eu participei, de uma maneira indireta, de um milagre!”, celebrou.
Ao longo da vida, Victória já teve dez episódios de meningite e a necessidade, por cinco vezes, de fazer a troca de válvulas, disse o neurocirurgião. Essas ocorrências são, contudo, esperadas dentro do quadro, conforme o especialista.
Márcio Brandão conviveu e aprendeu muito com Victória e diz que acabou lhe adotando como afilhada. “Ela me deu a oportunidade de participar disso e nomeei ela como a minha paciente símbolo, porque nesses 50 anos de profissão, não tinha visto nada igual”, ressaltou.
De forma muito simpática, Victória atendeu ao Aratu On e conversou com a gente sobre sua “história”. Em um papo descontraído, na praça de alimentação de um shopping de Salvador, mãe e filha compartilharam um pouco das experiências vividas dentro de um contexto de superação.
Atenta e acolhedora, a jovem não dá sinais de ter feito parte de um processo tão complexo e incomum. Ao ouvir relatos sobre o que passou, contou que, em determinados momentos, se coloca em dúvida com relação à sua própria capacidade. “Às vezes eu penso: nossa, eu passei por tudo isso e a ficha ainda não caiu!”
Com relação ao desejo de se tornar massoterapeuta, Victória está buscando aprofundar o conhecimento sobre a atividade. “Estou pesquisando alguns cursos e observando algumas videoaulas pra ter uma base melhor”, disse.
Como qualquer jovem da sua idade, ela tem sonhos e planos para o futuro: quer se tornar uma profissional bem sucedida, conquistar sua independência e muitos clientes. Na vida pessoal, o casamento faz parte de seus projetos, mas não vai apressar as coisas, quer “aguardar o momento certo”.
A mãe não consegue esconder o orgulho que tem da filha. “Eu acho que Victória veio de uma forma especial para mudar a história da minha vida!”.
Dona Edilma é “mãe solo” em dois relacionamentos. Tem um filho de 27 anos que está terminando o curso de educação física. Ela faz questão de salientar que sempre alertou aos meninos para a capacidade deles.
“Independente de qualquer situação, sempre incentivei meus filhos para não acreditarem, em hipótese nenhuma, que não são capazes de fazer alguma coisa. A gente é aquilo que quer ser! É só ter foco, objetivo e não se sentir inferior”, afirmou.
[caption id="attachment_202267" align="aligncenter" width="494"] Dona Edilma e Victória Yasmim / Foto: Dinaldo dos Santos[/caption]
Sobre a capacidade de Victória, uma pessoa pode falar com alguma propriedade. Marilda Aguiar Pepe é diretora de uma escola particular, de Salvador, onde a jovem estudou, enquanto realizou o nível médio.
“Yasmim é uma menina muito tímida, mas [a escola] junto com o tratamento médico que a mãe sempre lutou pra lhe dar, a melhora dela foi significativa”, relatou a pedagoga. Ela contou, ainda, que ao longo dos anos, a adolescente aumentou sua interação com as questões escolares.
A Professora Marilda lembrou que a jovem tinha uma certa dificuldade para escrever. A situação, porém, se relaciona com o seu histórico de saúde, já que a enfermidade pode ocasionar um prejuízo aos movimentos finos, como a escrita.
“Mas quando chegava na hora da discussão em sala de aula, ela sabia falar sobre tudo [...] ela, realmente, estudava e sabia sobre o assunto [...] Com o quadro dela, esse avanço foi uma coisa muito grande!”, festejou a educadora.
Dentro da mesma linha de entendimento está a avaliação da neuropsicóloga Liliana Silva. Ela também atua no Instituto do Cérebro e presta atendimento para Victória, dede 2018.
“Do ponto de vista cognitivo, ela funciona dentro do esperado, quando comparada a qualquer jovem na faixa etária dela nos quesitos de cognição, inteligência, memória e percepção”, garante a especialista.
A questão relacionada à motricidade fina é também observada por Liliana, mas ela considera que o problema pode ser tratado, através de técnicas como a fisioterapia, podendo alcançar resultados satisfatórios.
Victória Yasmim é uma menina doce, prestativa, comunicativa, de boa expressão e bom entendimento para a leitura, segundo a neuropsicóloga. “Às vezes introvertida, com certo retraimento, mas são condições ligadas à personalidade”, disse.
De acordo com Liliana, a menina tem todos os atributos necessários para tocar sua vida e ser independente. “Profissionalmente falando, ela tem condição de seguir os projetos que já começou a traçar!”, acrescentou.
A superação de Victória Yasmim, sem dúvida, consegue envolver emocionalmente todas as pessoas que fazem parte de sua vida. Familiares e profissionais que contribuíram com o seu processo de "cura" demonstram ser imensamente gratos pela oportunidade de estarem inseridos nessa história. Confira alguns depoimentos:
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