A história da avó que quase cai em depressão, mas hoje se movimenta e namora; profissionais dão dicas
De acordo com a OMS, até 2050, a taxa de idosos no mundo vai saltar de 12% para 22%. Falando em números absolutos, vamos passar de 900 milhões para 2 bilhões de pessoas da terceira idade em 28 anos
Após o marido morrer, Solange Alfano, de 74 anos, quase entrou em depressão. Para evitar que a mãe se tornasse uma entre os 11 milhões de brasileiros diagnosticados com a doença, ela a incentivou a voltar a conviver com outras pessoas da idade dela e, o mais importante de tudo: movimentar o corpo.
“A minha filha disse: ‘Não, minha mãe, a senhora vai fazer agora tudo o que a senhora gostava de fazer antes de conhecer o meu pai’. Ela saiu por aqui tudo, procurando um lugar de dança de salão. Aí, foi que eu me empolguei e entrei na dança de salão. Adoro dançar, adoro!”, conta ela.
Com o começo da pandemia de Covid-19, as aulas de dança pararam e não voltaram - mas, depois de tomar a quatro doses da vacina, Solange continuou -. Às sextas-feiras, ela frequenta serestas. “Me distrai muito. E é uma coisa para o corpo, né? Eu não fico totalmente parada, eu movimento o corpo”.
Além de fazer amizades por meio da dança, Solange conheceu um novo amor, com quem está namorando há quase oito anos. “Estamos vivendo, nos distraindo”. Casar novamente? Sem chances. Agora, a idosa, que mora sozinha, quer mais é aproveitar a vida. Ela, que já está aposentada há 21 anos, também preferiu continuar no emprego na secretaria de uma escola. Para ela, que também costura, para a família e por encomenda, e cuida da casa sozinha, deixar de ser ativa não é uma opção.
“Desde 1989 que eu trabalho nessa escola, e estou até hoje. Me aposentei, e continuo trabalhando lá. Eu tenho prazer em ir para a escola. O convívio com os colegas… você já pensou, você sentada dentro de uma casa, olhando para quatro paredes sem fazer nada? É terrível. Eu sou uma mulher que gosta de fazer muita coisa. Eu costuro, faço bolo. Eu não gosto de ficar parada, não”.
DEPRESSÃO
De acordo com a psicóloga Anaíde Magalhães, é comum que as pessoas esperem que, com o avançar da idade, os idosos parem a vida. Mas, como aponta a profissional, essa expectativa, além de irreal, não é saudável: “Com uma alta idade, existe um desloque de papel social. O idoso, ele passa a parar de trabalhar, passa a mudar suas atividades e hábitos. Porém, é preciso ainda dar oportunidade para continuar, pois a vida deles não acaba com a idade”.
Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os idosos lideram o ranking das pessoas mais afetadas pela depressão no Brasil. A faixa etária mais atingida é a de 60 a 64 anos: 13% dessa população sofre com o transtorno, mais do que o dobro dos cidadãos em geral. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 5,8% dos brasileiros têm a doença.
Como explica a psicóloga, esse quadro clínico pode vir do fato de as pessoas começarem a se sentir incapazes à medida que vão envelhecendo: incapazes de trabalhar, de amar, de se divertir e de aprender coisas novas. “Os problemas mais comuns são os de depressão e ansiedade. Esses quadros são motivados principalmente pelo sentimento de os idosos se sentirem incapazes. Por exemplo, por acharem que estão esquecendo de tudo. De fato, o idoso tem um quadro de esquecimento mais comum, porém nunca é ‘de tudo’”.
A presença constante da figura da morte na vida de quem está cada vez mais velho também contribui para o crescimento dessa melancolia que, mais tarde, pode virar uma depressão. Não só a morte de amigos e entes queridos, como foi o caso de Solange, mas a própria morte também, que parece cada vez mais próxima.
“Por conta da alta idade, uma série de questões surgem. Medos e inseguranças são comuns. A perda de amigos, pela morte ou distância, tudo afeta. ‘E agora? Para onde a minha vida vai?’. E isso não vem só com a idade, mas, principalmente, com a aposentadoria, para aqueles que conseguem deixar os trabalhos. Somada às dúvidas citadas, uma outra surge: a dúvida da morte. ‘Como construir uma vida agora?’”, explica Anaíde.
E, com o envelhecimento progressivo da população, pensar em formas de evitar o nosso adoecimento mental se torna ainda mais urgente: de acordo com a OMS, até 2050, a taxa de idosos no mundo vai saltar de 12% para 22%. Falando em números absolutos, vamos passar de 900 milhões para 2 bilhões de pessoas da terceira idade em 28 anos.
E já estamos começando a ver uma mudança na Bahia: segundo projeções do IBGE, o estado tem expectativa média de vida de 74,76 anos. Em 2050, deve chegar a 78,27. E, falando em velhinhos, a capital baiana guarda um dado curioso: segundo o último Censo, realizado em 2010, Salvador é a cidade que mais tem centenários no país. Na época, eram 3.578 moradores com, no mínimo, 100 anos de idade.
AUTONOMIA
Para abrigar tantas pessoas mais velhas, é importante que as cidades estejam preparadas estruturalmente para isso. Se a pessoa não conseguir sair de casa para realizar atividades simples, além da saúde mental, a saúde física também começa a ser comprometida, como ressalta Anaíde.
“O isolamento faz com que o idoso se afaste da sociedade e dos laços. O estado precisa imaginar e projetar a cidade para esse idoso. Ele precisa sair para um mercado, conseguir fazer isso sozinho se quiser. As calçadas quebradas, com buracos, isso mantém os idosos dentro de casa e contribui para a inatividade".
A fisioterapeuta Lívia Coelho, especialista em idosos com doença de Alzheimer, explica que, diferentemente de como era em um passado recente, hoje, ela vê muito mais idosos ativos. E essa mudança, como aponta a profissional, está diretamente ligada ao aumento da longevidade da população.
“Nós temos uma ideia de que o idoso não serve mais para nada, é inútil, o que não é. Tem muitos idosos, quando a gente fala em atividade física, que são muito mais ativos do que os jovens. É uma realidade, hoje, totalmente diferente. O idoso precisa se mexer. Ele precisa se tornar ativo”.
Entre as atividades físicas mais procuradas por pessoas acima de 60 anos estão natação, hidroginástica e pilates. Nesses momentos, além do corpo, a cabeça também se transforma: “Ele está socializando, conversando com outras pessoas com histórias parecidas, interagindo. E vê que a vida continua”.
Para a profissional de saúde, a palavra chave para um envelhecimento saudável é autonomia. “O idoso é capaz de colocar um calçado, de levar uma comida à boca, é capaz de tomar um banho sozinho. Já ocorreu situações de atendimentos meus em que a própria família vinha ajudar o idoso a se levantar, por exemplo. E a fisioterapia está aí para direcionar a pessoa nesses movimentos, não deixar o idoso acamado”.
FAMÍLIA
Para Solange, ter a família por perto é e sempre foi essencial para ela se sentir motivada e empolgada com a vida. Hoje (26/7), no Dia dos Avós, ela conta como a proximidade com a neta, Maria Eduarda Alfano, de 21 anos, é um presente. “Eu convivo com essa pequena aqui desde quando estava na barriga da mãe dela. Até hoje, não tem quem faça separar. Aqui é a minha riqueza”.
Na velhice, como aponta Anaíde Magalhães, existe o risco de a família querer “proteger demais” os mais velhos e limitar as suas escolhas e desejos - um grande erro. “A família precisa entender a diferença entre proteger e tirar a autonomia daquele idoso. Em uma pessoa de maior idade, ainda existem desejos, vontades, sonhos…. então, o que for possível, precisa ainda ser feito e vivido por essa pessoa. A família e o Estado são membros fundamentais no processo de dar oportunidade para continuar essa vida”.
E, na vida de Solange, o que não falta é incentivo. Como conta Maria Eduarda, a avó, que todo dia descobre como o mundo pode ser bonito, é uma “caixinha de surpresas”, um exemplo do que ela quer ser na velhice.
“Minha avó é uma caixinha de surpresas, eu nunca sei qual vai ser o próximo passo dela. Hoje em dia, eu vejo a trajetória dela de maneira muito bonita. Tenho muito orgulho de quem a minha avó se tornou e ainda se torna, porque, a cada dia, ela me traz uma novidade. Ela é tudo o que eu planejo ser. Ela é o sol da minha vida”.
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