Ainda somos os mesmos? Após 7 anos ‘sem’ Belchior, legado é enaltecido em releituras
A obra do cantor e compositor cearense esteve, sempre, viva pela riqueza de suas composições. Contudo, novas reedições conotam a perenidade de suas canções.
reprodução/Terra (Filmow)
Há, exatamente, sete anos, a Música Popular Brasileira deu adeus à presença física de Belchior. Nascido em Sobral, o cantor cearense morreu, aos 70 anos, na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul, durante um "auto-exílio" que deixou fãs e a opinião pública intrigados.
Belchior viveu seus últimos anos longe da mídia e de seu público. Até porque, era um artista inconformado com o tratamento dispensado pelos "gestores dos holofotes", e custava a se render a determinados padrões que eram impostos pelo mercado fonográfico.
Apesar da postura, o “rapaz latino americano” não passou em branco! No início da década de 1970, começou a construir uma obra de grande sucesso e, ao longo da carreira, seu trabalho ganhou notoriedade e reconhecimento da crítica nacional.
Em entrevista concedida ao Aratu On, o jornalista e crítico musical, Régis Tadeu, falou sobre a importante obra do compositor cearense e destacou dois discos que, para ele, são irretocáveis.
"O primeiro álbum do Belchior, que ficou conhecido pelo nome de uma de suas músicas, ‘Mote e Glosa’, e o disco ‘Alucinação’, que é um clássico absoluto, são trabalhos muito regulares! Todas as canções são espetaculares!", enfatizou.
[caption id="attachment_322949" align="aligncenter" width="700"] Foto: Acervo Pessoal[/caption]
Sobre o seu distanciamento da mídia, Régis pontuou que o cantor se sentiu, àquela época, como um mero participante de um grande jogo, em que os artistas tinham que diluir seus trabalhos, atendendo às exigências das gravadoras e do mercado.
“Por não jogar o jogo midiático, ele foi se afastando, até que chegou o momento que percebeu que não havia mais nenhum interesse pelo trabalho dele [...] Teve uma época que ninguém dava mais bola para os discos do Belchior, foi quando ele se afastou, se tornou um cara recluso e aí se criou toda uma lenda em torno dele", ressaltou.
O crítico deu destaque, também, à riqueza do conteúdo que está presente no repertório do compositor, uma obra recheada de filosofia, literatura e protesto social, muito condizente com a época da ditadura militar.
PROFUNDIDADE DE LADO
Esse perfil, inclusive, foi observado por Régis, fazendo um comparativo com o que é produzido, ultimamente dentro da nossa MPB. Contrariado com a realidade atual, ele foi ácido em seu comentário e, "a palo seco", se posicionou sobre o novo cenário musical.
"Os artistas deixaram de lado esse tipo de característica, evidentemente, assim como as próprias gravadoras sentiram que o mercado consumidor de música brasileira, nos últimos 20 anos, vem 'emburrecendo' muito! Chega um momento, que é preciso diluir o trabalho, poeticamente falando, pra poder ser entendido", comentou.
SÃO, SALVO E FORTE
Ainda que Belchior tenha transitado em uma estrada que pouco favoreceu à construção de uma carreira midiática mais expressiva, a riqueza de suas canções é determinante pra que ele não seja esquecido.
A prova disso é o que está acontecendo, de modo crescente, nos últimos anos: o público de todas as gerações está tendo a oportunidade de seguir fazendo contato com o trabalho do compositor, através de várias manifestações artísticas, que enaltecem o seu legado.
Alguns projetos musicais contemplam, hoje, releituras e reedições de suas músicas, dando a conotação de que a obra de Belchior está eternamente viva.
Para Régis Tadeu, esse é um movimento muito bem-vindo. “Eu acho esse resgate atual, bastante, salutar, porque é uma maneira de mostrar para as novas gerações a importância que o Belchior teve!”.
Entre os intérpretes da atualidade, alguns desenvolvem projetos que são verdadeiros tributos, dedicados ao cearense. São os casos das cantoras Ana Cañas, que percorre o país com a turnê Ana Cañas Canta Belchior; de Daíra, com o show Amar e Mudar as Coisas; e da ex-Frenéticas Sandra Pêra, com mais uma turnê nacional “Sandra Pêra em Belchior”.
[caption id="attachment_322970" align="aligncenter" width="700"] Reprodução: Redes Sociais (instagram)[/caption]
Para a nossa reportagem, Cañas falou que seu projeto nasceu, a partir de uma live que fez no período da pandemia e, inicialmente, o objetivo era ajudar os músicos que estavam sem poder trabalhar. "Eu achei que ia cantar Belchior só naquela época, mas não foi o que aconteceu. Eu não sabia que dedicaria anos da minha vida, cantando e falando sobre o Belchior".
Ana disse que um grande influenciador da continuidade desse trabalho foi o cantor Ney Matogrosso. "Pra mim, ele é uma espécie de pai artístico, uma espécie de oráculo [...] Me apontou muitos caminhos importantes", comentou, considerando que nesse projeto, sua opinião foi decisiva.
COMO NOSSOS PAIS
Outra militante do movimento tem o DNA de Belchior no sangue e, certamente, teria um olhar especial do cantor: Vannick Belchior. A sua filha caçula, de 27 anos, está desde 2021 trabalhando no projeto “Das Coisas que Aprendi nos Discos”, interpretando as canções do pai.
Vannick é muito parecida com ele. Além disso, tem uma entonação vocal que lembra bastante Belchior. As coincidências, no entanto, não ficam apenas aí. A cantora revelou que compreende e se identifica com a sua obra. “A maior semelhança que existe entre eu e meu pai são as nossas verdades”, disse.
SUJEITO DE SORTE
Representantes da arte cênica também emprestam seus talentos para manter em cartaz os textos, sempre contemporâneos de Belchior. Entre eles, outro cearense famoso: o ator Silvero Pereira realiza uma turnê pelo Brasil cantando sucessos de seu ídolo e conterrâneo no show “Silvero interpreta Belchior”.
Rodando os palcos de teatros do país, um musical conta a trajetória do compositor cearense, ao longo de seu surgimento, sucesso e reclusão. Com o espetáculo "Belchior: Sujeito de Sorte", o ator mineiro Rogério Silvestre faz um compilado da vida e obra do cantor.
Rogério conversou com a reportagem do Aratu On e admitiu que, quando decidiu tocar o projeto, conhecia, apenas, as músicas mais famosas do compositor, e seu repertório, ainda, não fazia parte de sua playlist.
A sugestão de fazer o personagem foi dada por seu produtor e, a partir daí, Sivestre mergulhou na ideia. "Fui estudar, primeiro, a obra e a vida do Belchior. Aí, eu fiquei apaixonado!", disse.
O artista revelou que conhecer, a fundo, Belchior foi pra ele muito impactante, pela inteligência e genialidade do cearense. Rogério destacou, também, que além de tamanha qualidade observada, se encantou com a personalidade do cantor.
"A simplicidade dele, o jeito que ele falava das pessoas, do ser humano [...] isso me deixou muito fã do Belchior e eu abordo isso no meu espetáculo", comentou.
[caption id="attachment_323022" align="aligncenter" width="700"] Foto: reprodução (@rogeriosilvestreproducoes)[/caption]
As letras, poesias e métricas utilizadas pelo cantor em suas canções são também enaltecidas pelo intérprete do musical. "Hoje em dia, não tem mais letras. A música do Belchior te faz pensar! Hoje em dia as pessoas não querem mais pensar, só querem ter opinião!", criticou Sivestre.
O espetáculo "Belchior: Sujeito de Sorte" é apresentado com o aporte de uma banda que dá sustentação ao artista durante as execuções das músicas.
Na apresentação, o público ouve 17 canções: “Medo de Avião”, “De Pequena Grandeza”, “Perfil de um Cidadão Comum”, “Fotografia 3×4”, “Eu Sou Apenas um Rapaz Latino Americano”, “Na Hora do Almoço”, “Conheço meu Lugar”, “Coração Selvagem”, “Paralelas”, “Mucuripe” (de Belchior e Raimundo Fagner), “Divina Comédia Humana”, “Velha Roupa Colorida”, “Como Diabo Gosta”, “Comentários a Respeito de John”, “Como Nossos Pais”, “Alucinação” e “Sujeito de Sorte”, que dá nome ao show.
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