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03/08/2023 12h06 | Atualizado em 03/08/2023 20h30

Agredida por dois ex-companheiros, baiana diz que é ‘estatística viva’ em mês de combate à violência doméstica

Campanha Agosto Lilás enfrenta agressões a mulher; no Brasil, Bahia foi o segundo estado que mais matou mulheres em 2022

Agredida por dois ex-companheiros, baiana diz que é 'estatística viva' em mês de combate à violência doméstica Foto: ilustrativa/Pexels
Juana Castro

“Sou uma estatística viva”. A fala é de Suzi*, de 45 anos, vítima de violências domésticas cometidas por dois agressores diferentes. Dois ex-companheiros.

O primeiro, pai de sua filha, iniciou as agressões há mais de 10 anos, inclusive as cometeu quando Suzi estava grávida. “Ele me machucou muito e até hoje não sei o motivo. Quebrou meus braços, meu maxilar e deixou danos que não dá pra mostrar aqui, que são os danos psicológicos”, diz.

“Fiquei sem coragem até de me olhar no espelho, mas fiz tudo como tinha que fazer: denunciei e fui ‘na’ Delegacia da Mulher [Deam]”, acrescenta. “O resultado disso foi que tive que fazer um parto de urgência. Minha filha nasceu com sete meses”, acrescenta, informando que a menina está bem, atualmente.

À época, Suzi também sofreu queimaduras de primeiro e segundo graus, nos braços e embaixo do queixo. Certa vez, o agressor tentou crucificá-la na parede. “Foi horrível!”, lembra.

Ela prestou queixa, foi às audiências e conseguiu medida protetiva, além de receber visitas da Ronda Maria da Penha. Ainda assim, ao responsável pelos crimes, nada de significativo aconteceu. “Ele respondeu em liberdade e está solto até hoje”, afirma Suzi. Enquanto isso, ela entrou em depressão e, com o “rosto deformado”, pediu para sair do emprego.

suzi machucados

Fotos: arquivo pessoal

Passados quatro anos e com ajuda profissional, Suzi conseguiu se reerguer e voltou a trabalhar, mas com medo de se envolver em um novo relacionamento. Até que conheceu um novo rapaz. “Ele parecia uma pessoa boa, conquistou minha família, mas quando a gente foi morar junto, percebi que estava entrando em um relacionamento novamente tóxico”, relata. Dessa vez, porém, Suzi já sabia identificar o ciclo.

“Ele apagava as mensagens [de celular] por mim, as pessoas me mandavam prints, como se eu tivesse respondido, e quando eu ia questionar, ele dizia que eu estava maluca. Já estava querendo ‘me sair’ dele, aí entrou na fase de discussão”, relembra. “Depois veio a fase da violência. Faltou pouco para ele me agredir e eu não ia esperar mais. Aí veio a fase do ‘arrependimento’, mandou flores pro meu trabalho. Quem via, parecia que era o homem perfeito, mas só eu sei o que eu passava dentro de casa“, completa.

Depois de um tempo, Suzi não quis mais ficar com ele. Um dia, o ex-companheiro chegou em casa e ela não estava mais lá. Porém, apareceu no dia em que ela foi fazer uma aula experimental em uma academia. “A gente começou a discutir e ele acabou me agredindo”, conta a vítima.

Mais uma vez, a mulher foi para o Hospital Geral do Estado [HGE], fez exame de corpo de delito e prestou queixa. “Ele foi condenado a um ano e sete meses de prisão, mas como é réu primário, teria que pagar um salário mínimo, eu acho. Não faço questão [do dinheiro]. Queria que ele fosse preso. Mas a Justiça me explicou que ele será preso, agora, caso faça isso com outra pessoa, pois não é mais réu primário”.

MÉTODOS

Integrante da Comissão de Direito criminal na Organização dos Advogados da Bahia (OAB-BA), a advogada criminalista Gabriela Cordeiro explica que os agressores têm métodos semelhantes. Na maioria dos casos, não começam com agressões físicas, mas, sim, com violência psicológica.

A advogada listou algumas dessas estratégias, com o intuito de ajudar possíveis vítimas e prevenir agressões. Confira abaixo:

– Violência psicológica: “Eu diria que a pressão psicológica é a mais comum, quando o agressor usa chantagem emocional para conseguir o que quer, até com ameaças veladas”.

Isolamento social: quando o agressor afasta a vítima de pessoas de sua convivência, como familiares e amigos, e faz com que a sua importância na vida da vítima seja maior, causando uma dependência emocional.

– A exploração de fraquezas também é muito utilizada, segundo Gabriela. “O agressor diminui a vítima sobre sua autoestima, a critica em diversos aspectos – físicos, de personalidade ou intelectuais -, e faz com que ela acredite que tem ‘sorte’ por estar com aquela pessoa”, pontua, informando que aí vem o controle.

– Manipulação emocional: quando o agressor falseia o que está acontecendo, coloca a pessoa no lugar de culpada e justifica suas atitudes e agressões pela prévia atitude da mulher, no caso. “É uma forma de modificar a realidade, fazendo com que a vítima se sinta culpada pela agressão”, explica.

– Gaslighting: não deixa de ser uma manipulação, e ocorre quando o agressor faz com que a vítima comece a questionar sua sanidade mental e percepção dos fatos. Pode chamar de “louca” e costuma dizer que a vítima está imaginando ou que algo não aconteceu daquela forma.

– Controle financeiro: “O agressor tem acesso às finanças da vítima e controla isso fazendo com que ela não tenha mais liberdade financeira, tornando-a, assim, mais dependente dele”, destaca Gabriela.

A advogada criminalista também ressalta que é importante observar “comportamentos extremos”, como “amar demais”, em uma hora, e estar muito grosso, em outra. “Essa oscilação também é utilizada como forma de manipulação, porque os momentos bons ‘compensariam’, teoricamente, os momentos ruins. É bom ficar atenta e procurar se existem outros sinais”, pondera Gabriela.

Por fim, ela reforça que violência doméstica não é “só” a física, e orienta: “Se você já passou ou passa por isso, ou conhece alguém nessa situação, fique de olho aberto e compartilhe essas informações. Informação salva vidas”.

NÚMEROS ALARMANTES

A preocupação da criminalista é contundente, ainda mais quando números são colocados na mesa. Ao menos uma mulher morreu, por dia, na Bahia, em 2022. Foram 406 mortes, ao todo, o que dá uma média superior a um assassinato por dia. Dessas, 107 foram registradas como feminicídio – quando o fato de “ser mulher” é a motivação para o homicídio. Os outros 299 casos também foram resultado de violência contra as mulheres, mas não foram classificados como feminicídio no levantamento.

Os dados são do Anuário de Segurança Pública de 2023, divulgado em julho deste ano, e deixa a Bahia como o segundo estado que mais matou mulheres no ano passado. Em números absolutos, está atrás apenas de São Paulo (423), que tem praticamente 30 milhões de habitantes a mais. A Bahia também foi o estado do Nordeste com mais agressões a mulheres, mais de nove mil casos em um ano.

O levantamento foi feito com base em dados de 2021 e 2022, divulgados pelas secretarias de Segurança dos estados brasileiros e Distrito Federal.

AGOSTO LILÁS

Embora a Bahia se destaque negativamente, os números têm se mantido em patamares elevados em todo o Brasil, não só em relação aos assassinatos, mas também às diferentes formas de violência contra a mulher. Por isso, no ano passado, foi sancionada a lei do Agosto Lilás (nº 14.448/2022), que institui o mês de agosto como de proteção à mulher e determina que a União, os estados e os municípios deverão promover ações de conscientização e esclarecimento sobre o tema.

A medida endossa outro grande passo no combate à violência contra a mulher, que foi a criação da Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, em 2006. Além de criar mecanismos para coibir agressões, a legislação estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Para a Tenente-Coronel Denice Santiago, criadora da Ronda Maria da Penha, a Lei Maria da Penha é um “divisor de águas da nossa sociedade”, mas, ainda assim, é preciso um maior enfrentamento a essas atitudes, tal qual o combate a outros crimes.

“Olhava-se para a violência doméstica e familiar contra a mulher como se fosse uma ‘briga de marido e mulher’, e o ditado popular, durante muitos anos, reforçou esse estigma de que nós não poderíamos nos intrometer. A lei veio dizer que aquilo que a gente chamava de ‘briga de marido e mulher’, na verdade, é um crime”, enfatizou, em vídeo enviado à TV Aratu no final do mês de junho.

A Tenente-Coronel frisou, ainda, que tem certeza que esse tipo de violência só será banida da sociedade a partir do entendimento que for tratada como um crime. Ela destaca, então, a importância de a vítima buscar a polícia: “A denúncia, no mínimo, salva a vida de duas pessoas – da mulher e do agressor que, infelizmente, pode acabar cometendo feminicídio. Denunciar é um ato de preservação da família e da paz“.

Ainda de acordo com Denice Santiago, também é necessário que amigos, familiares e servidores da Segurança Pública, sistema judiciário e sistemas de assistência social realizem políticas públicas e ações solidárias e de sororidade para que as mulheres denunciem. “A rede de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher precisa estar preparada para acolhê-la e consubstanciar a defesa social que ela precisa”, afirma.

Suzi foi uma das mulheres que conseguiu apoio dessa rede. Além da ajuda da família, contou com a Ronda Maria da Penha, que a acompanhou após as agressões, e faz um apelo a quem possa estar em um relacionamento abusivo: “Achava que não aconteceria comigo, mas, infelizmente passei por isso. Então, meninas, não se calem. Denunciem. Procurem a polícia. Nós merecemos respeito. E é preciso que a gente se una“.

Em casos como este, o número ideal para denúncias é o 180. Contudo, vale sempre lembrar que o 190 também pode ser utilizado para casos de emergência.

SAIBA COMO DENUNCIAR E ONDE PROCURAR AJUDA EM CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

– Ligue 180, serviço telefônico gratuito disponível 24 horas em todo o país;
– Clique 180, aplicativo para celular;
– Ligue 190, se houver uma emergência;
– Delegacias de polícia;
– Delegacias da Mulher (se não funcionar 24 horas, o boletim de ocorrência pode ser feito em uma delegacia normal e depois transferido);
– Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, para os casos em que a mulher não se sente segura em procurar a polícia;
– Serviços de Atenção Integral à Mulher em Situação de Violência Sexual, como abrigos de amparo;
– Defensoria Pública, que atende quem não possui recursos para contratar um advogado;
– Promotorias Especializadas na Defesa da Mulher.

*O nome da fonte foi trocado para preservar sua identidade.

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