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Super-heróis no espelho: como o universo dos games pode ajudar a construir uma sociedade mais diversa

A comunidade gamer pede por Super-heróis cercados por diversidade

Por Mateus Xavier

Super-heróis no espelho: como o universo dos games pode ajudar a construir uma sociedade mais diversaRedes Sociais: @pain_babs /Epic Games / Arquivos Pessoais

Quem são os super-heróis do cinema e dos videogames? Geralmente homens altos, de corpos atléticos, cabelos lisos, loiros, olhos claros e com o tom de pele branco. Esse padrão, que mira em uma perfeição construída no imaginário popular, vem mudando nos últimos anos e o Aratu On reuniu diversas histórias que provam a importância de quebrar essa estética padronizada.


No início de abril, o mundo foi apresentado aos pôsteres do novo filme da Barbie, que estreia nos cinemas brasileiros apenas em julho deste ano. Com isso, o público conheceu diversos tipos de bonecas. Elas são negras, brancas, altas, baixas, magras e gordas, prezando pela máxima diversidade nas telas.


Arquivo Pessoal

Porém, você já se perguntou a importância de mostrar diferentes tipos de corpos, gêneros e cores em uma telinha, seja ela do cinema, ou de um videogame? Quem responde a essa pergunta é a jornalista e ativista do movimento gordo, Naiana Ribeiro.


“O cinema e o videogame são construtores de sociedade. O que você vê ali, acaba sendo internalizado e interfere na formação da personalidade e do seu trato com o próximo. Se você vê diversidade constantemente no filme e nas séries, assim como nos jogos, você tende a se tornar diverso também”, destaca.


Além de ajudar no processo de reconstrução do pensamento da sociedade, e colaborar para um dia a dia mais inclusivo, o aumento da representatividade nas telas também é um refúgio para a autoestima. “É importante você se ver representada. Assim, percebe que pode ser quem você quiser ser, com o corpo, a cor ou o gênero que você quiser. Quando conseguimos ver alguém parecido conosco nas telas, isso nos motiva”, afirma Naiana.


Machismo x Mundo dos jogos


Arquivo Pessoal

Helen Cerqueira, ou “Yariax”, jovem universitária de 20 anos, faz sucesso nas redes sociais com suas lives jogando videogame e conversando com seu público. Ela é uma mulher gamer, que convive com boas memórias, mas também com muito preconceito no meio dos jogos.


Em conversa com o Aratu On, Helen nos conta que sua relação com os jogos começou em 2010, quando tinha sete anos. “Minha mãe chegou em casa com um videogame do Mario Bros. Ali, eu tive meu primeiro contato. Depois de um tempo, migrei em 2017 para o computador, onde estou até hoje”, relembra.


Apesar de já ter certa experiência neste mundo, Yariax afirma que o meio dos jogos online não é tão receptivo e que o medo e a raiva, por vezes, tomam conta. “A maioria das vezes é algo gratuito. O  'hater', (que na tradução identifica alguém que dissemina ódio), não sabe quem está do outro lado, mas ele está protegido por um personagem, então fala o quer e te ofende sem pensar duas vezes”, contou.


Segundo Yariax, que foi alvo de insultos machistas no jogo online Valorante, em janeiro deste ano, os ataques se tornam ainda mais intensos quando os haters descobrem que seu alvo é uma mulher. “Todos os erros caem sobre mim, eu sempre vou ser a responsável. Já ouvi que eu deveria lavar louça, limpar a casa e que jogar é coisa para homem”, lamentou.


https://twitter.com/i/status/1610090008135737345

Após a agressão sofrida em janeiro, ela decidiu denunciar e mais de 360 mil pessoas foram alcançadas pela sua postagem no Twitter. Na oportunidade, a jovem teve de ouvir frases como: “mulher inútil”; “fala alguma coisa, mulher!”; “lava-louças”. Somadas às ofensas, a jovem ainda teve suas ações no jogo sabotadas por atitudes conhecidas como “trollagens”, quando um membro do seu próprio time tenta te atrapalhar, com estratégias duvidosas ou brincadeiras de mau gosto.


Assédio presencial e online


Situação similar à vivida por Yariax passou a influencer digital Bárbara Emely, ou “Babs”, que hoje trabalha com o mundo dos games, tem mais de 160 mil seguidores e faz parte de uma das maiores organizações brasileiras, a “Pain Gaming”.


Instagram: @pain_babs

Em entrevista exclusiva ao Aratu On, ela relatou que o assédio também é visto no mundo real, como aconteceu enquanto participava de uma mesa de análises, durante um campeonato de “Free Fire”, jogo online para celular, com mais de 290 milhões de usuários ativos em todo o mundo.


“Era uma transmissão ao vivo, eu estava com meu rosto e corpo aparecendo para centenas de pessoas e foi o suficiente para ser atacada. Estava usando um blusão, um short e uma meia calça. Fiquei o tempo inteiro com minhas pernas cruzadas. Quando cheguei em casa, me deparei com diversas mensagens como: adorei a visão, poderia ter deixado as pernas mais soltas para a gente ver…”, relatou em tom de tristeza.


“Babs” ressaltou que sua vida nos jogos começou cedo, através da presença de seu pai. Ao longo da infância e adolescência, passou por alguns jogos online no computador e teve o vídeo-game como um refúgio após passar por uma fase difícil da vida. "Distraia a mente, não focava tanto nos problemas pessoas", relembrou.


Atualmente, a jovem nascida em Minas Gerais vive da profissão de influencer. Porém, tamanha visibilidade é acompanhada pelo aumento do assédio. “Quando ganhei destaque no cenário, os haters começaram a supor que eu tinha conquistado meu espaço através do sexo. A minha empresa postava uma foto minha jogando no computador com um colega de trabalho na mesa ao lado e tinham comentários dizendo: fulano já deve estar fazendo a festa com essa daí”, lamentou.


Outro caso também foi apontado por “Yariax”, que contou sobre abusos vividos em suas redes sociais, quando, ainda menor de idade, recebeu centenas de nudes. “Recebo fotos de pênis de homens, adultos e velhos, constantemente na minha caixa de mensagens. Basta você ser mulher e gamer que muitas pessoas se acham no direito de dizer que eu venderia outros tipos de conteúdos”, contou.


Ela revelou que não precisa conviver apenas com os assédios sexuais, mas que também é lembrada pela xenofobia. “Se souberem que sou mulher e sou do nordeste, a coisa fica pior ainda”.


Racismo x Mundo dos jogos


Nascida no bairro de Pernambués, em Salvador, mulher negra e gamer, AthenaXis, ou Taiane Silva, é mais uma que ama se divertir no mundo online. Ela resiste ocupando o espaço virtual, considerado por muitos tóxico para pessoas que fogem do padrão clássico.


Atualmente vivendo como criadora de conteúdos digitais, a jogadora de 29 anos afirma que luta contra os ataques que sofre através da resistência. “Depois de receber uma ofensa racista, é óbvio que bate uma tristeza, mas eu estou nesse lugar, quem tem que sair é a pessoa que está incomodada. O racismo existe, ele está aí e precisa ser combatido de diversas formas e uma delas é resistir a ele”, afirmou.


Taiane conta que já chegou a receber questionamentos “absurdos”, mas que são reflexos da falta de representatividade negra no cenário. “Um dia, vi um comentário: ‘será que pessoas negras não gostam de jogar? Mas é claro que gostam! No começo, tinha medo de não me aceitarem, devido ao racismo. Para terem mais pessoas gamers pretas, alguém precisa ser a referência”.


Instagram: @athenaxiss

Segundo ela, não apenas o mundo gamer, mas a sociedade é falha quanto à diversidade. “Por que pessoas negras não têm acesso aos espaços competitivos? Um dos principais motivos é o valor dos computadores, que são muito caros para rodar esses jogos. A porcentagem da população negra que não tem acesso à renda no Brasil é muito grande. Essas crianças negras não têm acesso a um equipamento bom e não tem oportunidade de mostrar como são boas nesse mundo também”, apontou.


Indústria x Representatividade


Estudo realizado pelo site Brandtech Adventures constatou que mulheres entre 12 e 24 anos são a parcela de gamers que mais tende a comprar e consumir conteúdos relacionados ao meio. Mesmo não sendo a faixa etária que mais joga, em quantidade de tempo, as mulheres são as que mais investem.


Com isso, lançamentos de personagens em jogos online e até produtos no mundo físico, destinados a esse público, se tornam cada vez mais comuns, gerando uma “representatividade comercial”, como aponta Naiana Ribeiro. “Temos que lembrar que essas marcas de jogos, filmes e brinquedos não são boazinhas, elas querem dinheiro. Se a parcela que mais compra é mulher e jovem, elas não podem mais fazer um herói/personagem que não represente sua clientela”, analisa a jornalista.


Reprodução: Epic Games

Outro jogo online, desta vez o Fortnite, foi um dos que entendeu esse mercado e, em 2018, já contava com uma personagem gorda em seu repertório de bonecos digitais. Com isso, Naiana aponta a importância da forma como a personagem foi feita. “É um corpo fora das medidas padrão, mas não é desleixado, não é associado à lerdeza ou à falta de cuidado. Muitas vezes, quando vemos um gordo, ou gorda nos cinemas, eles estão associado à falta de cuidado e lerdeza, mas dessa vez, não!”.


Porém, Helen “Yariax” contou que não basta ter apenas espaços para mulheres e fazer campanhas de representatividade. É preciso que haja penalizações para os agressores.


“Não adianta nada sem punição. Se os espaços para jogos continuarem tóxicos como são, as pessoas fora do padrão vão ter cada vez mais medo de entrar, por isso, as empresas precisam banir as contas dos haters e proibir que criem novas”.


Já Naiana Ribeiro, revelou que a luta por inclusão e diversidade não deve ocorrer apenas na frente das telas, mas nos bastidores também. “Precisamos ter pessoas diversas. Comece chamando mais pessoas para ocupar cargos na sua empresa. Se tem uma pessoa negra na sua equipe, ela questionará o porquê de tantos personagens brancos”.


Para resolver os problemas apontados, AthenaXis nos contou que a luta contra o racismo precisa ser assumida por todos e, citando a escritora e filósofa americana Angela Davis, resume: “Conscientizar as pessoas é essencial, não apenas deixar de ser racista, mas ser antirracista”.


*Sob supervisão do coordenador Diorgenes Xavier. 

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