Filmes e séries

'Agatha Desde Sempre' é um grande fanservice, que pode só agradar o próprio nicho

Enoe Lopes Pontes
Colunista On: Enoe Lopes PontesPesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Agatha All AlongDivulgação

Entre filmes, séries e minisséries, spin-offs, crossovers e muitas fases do MCU (Universo Cinematográfico Marvel), a Disney e todas as suas outras empresas adquiridas – incluindo a própria Marvel – sufoca o seu público de produções. Nesta lógica, nem toda obra do MCU é bem sucedida, muito menos necessária.  Ainda assim, certas histórias, mesmo que com suas imperfeições e tropeços, merecem ser acompanhadas. Este é o caso de Agatha Desde Sempre.

Spin-off de um spin-off, a obra ganha o espectador, principalmente, pelo carisma da protagonista Agatha Harkness (Kathryn Hahn) e as suas companheiras de ‘Witches Road’: as bruxas Lilia (Patti LuPone), Alice (Ali Ahn), Jennifer (Sasheer Zamata), Mrs. Hart (Debra Jo Rupp) e o adolescente agregado (Joe Locke). A união forçada entre elas e os desvios de caráter de Agatha elevam a complexidade das relações e das próprias reações de personagens.

Neste sentido, a atuação de Hahn continua chamando atenção, tal como na série Wandavision. Inclusive, este papel lhe rendeu uma indicação ao Globo de Ouro, em 2025. Ainda que ela não consiga apresentar a mesma qualidade de quando apresentou Agatha pela primeira vez, ela mantém a habilidade de equilibrar os tons sombrios e cômicos, em sua voz e corpo, muitas vezes em uma mesma frase, garantindo um bom resultado. 

A única questão que desagrada é que parece faltar uma motivação interna maior para seu papel. Mesmo que diversos elementos da trama precisem ser escondidos do público, é necessário que exista uma liga condutora das ações Assim, é preciso que esta fique nítida e coesa desde o princípio. Algo que destaca este é ponto é o fato da personagem do adolescente contém essa característica e ele soa muito mais como principal do que Agatha. 

Nem mesmo o garoto sabe porque ele faz certas ações, porém ele tem um objetivo e uma jornada para cumprir, de forma que há possibilidade da plateia torcer por ele. É notável, porém, que Locke não entrega o seu melhor trabalho aqui, pois o jovem ator demonstra insegurança no olhar e nos movimentos, o que fica bem mais nítido por ele estar cercado de intérpretes experientes e talentosas. No entanto, no roteiro, o Adolescente foi escrito de tal maneira que a sua trajetória amarra as das coadjuvante e até mesmo de Agatha. 

Por esta razão, os episódios ficam cansativos, a partir do 1x06. Isto porque é tão incerto o que está ocorrendo na história que quem assiste pode ficar perdido pensando se torce para que o grupo chegue ao final da caminhada das bruxas, se é o que Agatha quer, se aquilo tudo é real. Obviamente, todos estes elementos poderiam empolgar ainda mais o espectador, porém é a condução destas peripécias que não funcionam, por esse afrouxamento da escrita sobre Agatha.

Todavia, Agatha Desde Sempre não é uma produção ruim. Ela é cansativa e não é perfeita, mas ela garante um entretenimento em alguns de seus aspectos. Além de ver as boas atuações das bruxas, a equipe de arte tem um trabalho consistente. Assim como em Wandavision, há em Agatha cenários que retratam mundos e tempos diversos. A utilização das temperaturas, formatos dos objetos de cena e figurinos para fomentar a construção de personalidade das personagens e de seus conflitos é o ponto alto do seriado. 

Além disso, a Arte insere uma dinâmica inteligente ao explorar a figura de Rio Vidal (Aubrey Plaza) e do Adolescente em cada cenário de cada episódio. Ainda que as instalações do caminho das bruxas sejam mais características de cada bruxa em voga, as pistas sobre a identidade de Rio e do Adolescente são deixadas visualmente para a plateia. É frutífero esse jogo do que a vida, a morte e o espaço entre as duas. 

Por isso, a imersão é tão profunda e a conexão acaba sendo estabelecida. Cada sofá, tabuleiro de Ouija, sapatos, gavetas etc. fazem parte desse quebra-cabeça e se não fossem bem elaborados perderiam a maior parte do estabelecimento de atmosfera, dos riscos corridos pelas personagens e quem está ou não criando laços afetivos entre si. Outro ponto que, curiosamente, amarra o público ao programa é a música tema da série. 

Sim, The Ballad of the Witches vai além de ser uma canção grudenta – ela é, mas é mais do que isso. Impregnando a narrativa de significados plurais, a balada das bruxas é uma sina, uma sentença (sem escapatória para a maioria das personagens). Ela é passado e presente de Agatha e vai preenchendo os episódios com mais descobertas e segredos revelados. A música cria uma história paralela, de emoções que florescem na tela. 

No início, emociona e faz o espectador torcer pelas bruxas, no final, ela deixa o mesmo vazio que deixa em Agatha, porque recapitula tudo que ocorreu – ou pelo menos, dá esta sensação. Desta maneira, Agatha desde sempre entrega um bom elenco, uma visualidade bem tratada e uma consciência de construção de universo ficcional. Ainda que a sua direção não seja coesa e não consiga juntar os pedaços da trama com a criação de enquadramentos, movimentos e efeitos de câmera, a arte cumpre esse papel e não deixa o público emergir e sair do contexto da história. 

Faltam muitas características para esta ser uma série maravilhosa, mas também falta um abismo para que seja ruim. Não deixa de ser instigante para quem ama o audiovisual, por apresentar visualidades ricas. Também é uma boa pedida para sáficas que gostam de torcer por casais intensos. Por fim, obcecados pelo MCU ou pelo mundo dos Maximoff não podem deixar de conferir a produção, porque ela traz a chance de vivenciar o misticismo bruxônico, dentro do universo de super-heróis. Para quem só quer ver mais um seriado de ação, talvez não faça sentido gastar o tempo com algo tão específico e referenciado. 

Veja trailer:

 

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Enoe Lopes Pontes

Enoe Lopes Pontes

Doutoranda e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta para todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do cult ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo, como crítica.

Instagram: @enoelp

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