Adolescência: nova minissérie da Netflix é pesada, sombria e intensa
Pesada, sombria e intensa, Adolescência é uma das novas minisséries da Netflix. A premissa em si já dá um nó na garganta, porque trata sobre um garoto de 13 anos, Jamie Miller (Owen Cooper), que é acusado de assassinar sua colega de escola. Apesar de algumas irregularidades, a série impressiona por sua consciência de encenação e desenho de som.
Como é que se conta uma história tão assombrosa quanto essa? Como setar o tom, sem ultrapassar limites? Em termos de diegese e extra-diegese (o que há dentro e fora da narrativa), a produção lida com essa premissa indigesta. Dentro da trama, um menino é preso por um crime de violência extrema. Para que o impacto da situação seja sentido desde o início, as dinâmicas da mise-en-scène são exploradas.
A sequência da prisão de Jamie acontece nos primeiros minutos do seriado e é um excelente exemplo da qualidade do trabalho aqui. A começar pelo fato de que ela tem poucos planos fechados, com movimentações espaciais intensas e mudanças geográficas - como a ida da polícia do primeiro andar da casa de Jamie para o segundo.
A luz da interna é baixa, com a arte trabalhada na temperatura azulada e pontos de luz que vêm dos policiais. Os sons possuem diversas camadas. Assim, o ambiente de caos é instaurado. Imagens e sons acelerados e intensos fazem com que o espectador se aproxime das emoções das personagens - como de desespero e dúvida.
Além disso, nesta sequência inicial e até o final do primeiro episódio, o público ainda não sabe para quem torcer ou o que pensar exatamente do que está ocorrendo. Há uma organicidade dos movimentos do elenco, das câmeras e ruídos que direcionam a plateia, em uma dança sinuosa entre ações físicas, amor familiar e contradições humanas.
Em termos de sons, após a saída da casa dos Miller, a potência do trabalho de sonoridades de Adolescence se eleva. A partir dali, quem assiste é convidado a mergulhar cada vez mais na atmosfera daquele universo ficcional. Quem faz o folley desta produção brilha - juntamente com toda a equipe de som. Cada elemento sonoro evoca um sentimento e explica cada situação vivenciada.
Depois do piloto, cada episódio se passa em um contexto - o que faz a série cair um pouco, é verdade, mas chegaremos lá -, mas, ainda assim, o espectador sente que está presente na narrativa justamente por conta dessa preocupação com os detalhes do som. Os ruídos da escola, da delegacia, da sala de terapia entregam uma experiência narrativa particular.
Está tudo ali: as portas que abrem e fecham (aumentando ou diminuindo o som de uma ambiente), os telefones que tocam, as escadas do colégio que têm aquele barulhinho de tênis rangendo. Mas, ainda melhor, o uso do silêncio. Com toda esta lógica de sonoridades, a ausência de ruídos é potente, é simbólica, é desconfortável. O auge desta estratégia também é no piloto.
A cena que tem um plano médio de Eddie Miller (Stephen Graham), pai de Jamie, vendo o filho ser revistado, sem roupas, pelos policiais, é, talvez, a melhor (em termos de qualidade, de sensações é a pior) parte de toda a produção. É muito inteligente como as direções - geral, fotografia e arte - mantém a integridade do menino sem tirar o peso do contexto da trama.
Toda a sequência da vistoria em Jamie é um plano longo em Eddie. O público vê apenas a sua reação e escuta o silêncio frio da sala da delegacia, interrompido somente pelas indicações dos policiais. Cada microexpressão de Stephen é captada pela plateia. Inclusive, ainda que todo elenco se saia bem, sem exceções, Graham é o grande destaque em termos de atuação.
A maneira como o ator joga com a contenção versus explosão de movimento eleva a potencialidade de significados dos seus sentimentos. As dúvidas e angústias de um pai que não sabe o que sentir em relação ao seu filho, mesmo o amando, ficam nítidas no trabalho de Graham por conta desta dinâmica física e corporal que ele investe.
No entanto, devido a lógica da minissérie, não é possível acompanhar a interpretação de Graham durante toda a obra. Modificando os cenários em cada episódio (delegacia, escola, instituição psiquiátrica, casa da família Miller), um quebra-cabeça se monta e as trajetórias das personagens são narradas. Todavia, ao mesmo tempo que esta estrutura esgarça o conteúdo da história, ela impede que as personagens se desenvolvam.
O que ocorreu no crime fica bem explicado no segundo episódio. Dali em diante, o público encontra repetições. Contudo, ao mesmo tempo, diversas figuras somem do enredo, sendo abandonadas pelo roteiro. É por esta razão que, apesar de todo um apuro estético, Adolescência é melhor em introduzir o seu universo ficcional do que mantê-lo.
A obra vale a pena por transmitir sensações profundas, através da técnica do audiovisual. Mas, não dá para se prender ao destino das personagens, senão a decepção irá se instalar.
Assista ao trailer oficial:
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On
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