Beleza Fatal é a novela que o público precisa, mas não sustenta a própria intenção
Elenco famoso, trama de vingança, reviravoltas e personagens polêmicos, Beleza Fatal entrega em sua proposta um modelo que agrada à espectatorialidade brasileira. Criada por Raphael Montes (Bom Dia, Verônica), o maior ponto de qualidade da novela é a consciência que a equipe tem de que está fazendo novela e precisa apostar nos modelos basilares do formato para alcançar o que deseja mostrar.
Há uma coragem de Montes em investir em uma narrativa que se vale dos clichês e das conformações ‘novelísticas’. Assim, o público que gosta de telenovelas vai encontrar elementos já conhecidos por ele: o núcleo cômico, que é o da família sem dinheiro, os ricos apodrecidos, a vilã inescrupulosa etc. E esses pontos comuns reunidos revelam que há uma consciência em convocar um padrão familiar (Oi, Globo) para aproximar a audiência da produção.
Dessa forma, a HBO (emissora da novela) investe em Beleza Fatal e deixa nítido que está atenta a essa necessidade de mercado. E para contar essa história, com essas marcas comuns narrativas, a produção se vale também da estética visual da tradição de telenovela. O uso da luz mais chapada e aberta eleva a potencialidade desse universo de riqueza, beleza e cirurgia plástica, que é uma das bases do enredo.
Essa iluminação, aparentemente menos sofisticada, vem de um modelo de produção, por exemplo, no qual novelas originais são exibidas diariamente em três horários. Por isso, diversas vezes, o apelidado de “Luz de Maracanã” era acionado. Ainda que esse não seja o caso de Beleza Fatal, a obra mostra o conhecimento dessa visualidade e elabora a construção de atmosfera se valendo das marcas de seu próprio formato.
Algo semelhante pode ser observado no uso das sombras. Elas estão ali, principalmente, para acompanhar as personagens centrais da trama: a mocinha Sophia (Camila Queiroz) e a vilã Lola (Camila Pitanga). Olhar para Beleza Fatal é constatar as características estéticas de telenovelas, e essa é uma das confirmações. Assim como as sombras, a maioria dos recursos estéticos, de encenação e de som, estarão à disposição das duas figuras principais e do embate: mocinha x vilã.
E é esse o diferencial desse tipo de formato e de produção. A plateia vai vibrar, torcer e se engajar com a rivalidade entre as personagens centrais estabelecidas pela obra. Todo o resto não pode ser largado, mas é menor. E por ter esse foco, a sensação de conexão com a história se eleva. Dessa maneira, os pontos visuais e sonoros serão delas: de Lola e de Sophia - majoritariamente.
Quando o consumidor olhar para a cor rosa vibrante, vai imediatamente pensar em Lola. Amarelo (e suas derivações), em Sophia - seus cabelos, a roupa da sua mãe na prisão. O fato de a jovem ir perdendo esse brilho puro pela sede de vingança também é emblemático para a narrativa e posto de forma visual. Dentro de todas essas lógicas, o que move as escolhas da produção é acertado, porém falta ao produto sustentar a sua criação.
Em termos de enredo, além da obviedade dos encaminhamentos da história, as soluções repetidas cansam. A inserção dos problemas, as tensões e como tudo será resolvido são quase idênticos em cada bifurcação da trama. Assim, com certeza, Sophia vai descobrir um segredo de Lola ou da família Argento — os ricos, donos de tudo e corruptos —, ultrapassar todos os limites para expor o que encontrou de ruim e ser rebatida pela força da influência dos Argento e de sua arqui-inimiga.
Sem uma dinâmica de progressão ou controle das forças, a importância do que está sendo mostrado se esvai. E isso atinge o elenco, fazendo com que todos os núcleos fiquem monocórdicos. A única atriz que se salva disso é Julia Stockler, a Gisela, porque ela vai além do que está na obra e cria, através da voz e do corpo, outros tons para seu papel.
De toda maneira, a novela começa a ficar cansativa com tantos ciclos iguais. Outro elemento que pode ter interferido nessa sensação de repetição é sua forma de gravação. As sequências foram rodadas por locação, do início ao fim. Talvez, por isso, reste uma impressão de que não houve um desandar temporal e situacional. Quase todas as personagens agem sempre em um mesmo tom e a criação de atmosfera é semelhante o tempo inteiro.
Gradativamente, Beleza Fatal passa a ser entediante, cansativa e repetitiva. Ainda que ela cumpra uma função importante no que se refere ao mercado da teledramaturgia brasileira, não basta introduzir uma obra que chame o público. A manutenção da qualidade e o cuidado com a espectatorialidade do consumidor é o que garante seu retorno.
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