A Pequena Sereia: entre altos e baixos, elenco carismático, com protagonista talentosa, salva sessão
Seja pela escolha do elenco, da direção ou por ser um live-action de uma das animações mais famosas da Disney, a nova versão de "A Pequena Sereia" gerou uma expectativa no público. Todavia, ao mesmo tempo, um receio de ter mais uma adaptação fracassada rondava a mente dos espectadores. A pergunta que não cessava era: estaríamos diante de um novo Mulan (2020)?
Ao entrar na sessão, já nos primeiros segundos de exibição, é possível sentir que não, aqui o caso é diferente. Com imagens do oceano e uma frase melancólica de Hans Christian Andersen¹, há neste breve prólogo um mergulho na atmosfera do filme, que cria uma ligação imediata com a história. Mas, talvez, a melhor forma de explicar o resultado geral do longa-metragem é dar uns passos para trás e falar da filmografia de seu diretor, Rob Marshall.
Apesar de ter realizado Chicago, que é um musical premiado e renomado, o restante de seu trabalho sempre está naquela linha tênue entre o bom e o ruim, como nos casos de O Retorno de Mary Poppins (2018) ou Caminhos da Floresta (2014). Isto porque estas são obras que possuem números musicais divertidos, com uma decupagem dinâmica, que gera uma conexão com as personagens, principalmente, das movimentações de câmera e do uso estratégico do close.
Marshall sabe conduzir as emoções de quem assiste, comovendo, emocionando e deixando tempo de tela para também abrir espaço para gags. Assim, de certa maneira, seus longas possuem certo charme, vindo desta habilidade do cineasta em criar momentos de envolvimento emocional, ainda que isso ocorra de maneira pontual.
Além disso, os castings dos seus filmes sempre são fatores relevantes, pois, muitas vezes, é no elenco que suas produções se encostam – vide Emily Blunt, em Retorno de Mary Poppins ou Kate Hudson e Marion Cotillard, em Nine. Em A Pequena Sereia nenhum destes elementos até agora citados são diferentes.
Mesclando momentos entediantes com empolgantes, o live-action conta com sequências que sacodem o público da cadeira, como na cena da canção Under the Sea (Aqui no Mar, em português) ou no momento da grande revelação durante o pôr do sol. Para além dos instantes de inspiração de Marshall, o maior ganho aqui é, sem dúvidas, o carisma dos atores.
A escolha de Halle Bailey para Ariel é bastante precisa, porque ela tem tudo que a personagem precisa: uma voz bonita e uma presença que contém um espírito juvenil incontrolável. Ariel precisa ter em sua construção uma mistura de força com ingenuidade, que estão presentes na criação de papel de Halle, que imprime com seu olhar um universo complexo de emoções da jovem sereia – medo, paixão, rancor, angústia, curiosidade etc.
Melissa McCarthy (Úrsula) e Jonah Hauer-King (Eric) fomentam esta certeza de que o casting foi realizado com sucesso. Melissa, apesar de não ser favorecida pela direção de Marshall – que criou enquadramentos e movimentações que mais escondem as emoções de Úrsula do que as revelam –, consegue criar uma personagem que convoca tensão para a tela.
[caption id="attachment_212771" align="alignnone" width="740"] Melissa McCarthy como a vilã Ursula | Divulgação[/caption]
A sua vilã é exagerada, porém é na medida correta, pois conversa com esta mescla de realismo e fantasia, proposto dentro da narrativa. Melissa também faz idas e vindas neste exagero, impedindo que a sua Úrsula fique caricata. Já Jonah consegue escapar do mocinho clichê em sua atuação, apesar de seu texto bobo e da canção melosa que precisa cantar na metade da sessão.
Desta maneira, o trio pode envolver o público, mesmo quando a dinâmica do enredo fica meio frouxa. Um exemplo que pode explicar esta impressão sobre o longa é que os três dias que Ariel tem para conquistar o príncipe Eric passam sem que haja uma marcação temporal precisa. Esta característica não é necessariamente um defeito, porém aqui se torna um problema, porque a tensão sobre o destino de Ariel se esvai.
Diferentemente da animação de 1989, o foco na tarefa que Ariel precisa fazer não fica tão marcada. Contudo, o jogo de cena entre Halle e Jonah ajuda o espectador a não perder a conexão com o enredo. Não há suspensão ou clima de torcida para que Ariel não seja vencida por Úrsula, mas as cenas entre ela e seu amado são leves e animadas.
A canção Kiss the Girl (Vai Beijar, português) ganha um tom mais cômico do que de torcida pelo casal, por exemplo. No entanto, vale ressaltar que esta tonalidade de humor também pode ser vista como um mérito e, mais uma vez, ele é vindo do elenco. As dublagens de Daveed Diggs (Sebastian/Sebastião) e Awkwafina (Scuttle/Sabichão) são um dos pontos altos de A Pequena Sereia, porque todas as piadas que funcionam estão nas mãos de suas personagens.
Talvez, algumas pessoas até torçam para que eles ganhem mais tempo de tela do que qualquer outro coadjuvante. Assim, de uma maneira geral, o novo filme de A Pequena Sereia possui os seus altos e baixos. Faltou para a equipe trabalhar melhor a progressão e os ganchos para o desenvolvimento da tensão. Neste sentido, a obra é um tanto flat.
Em contrapartida, as interpretações e o timing cômico salvam o filme do fracasso. Este é mais um longa mediado de Rob Marshall, mas sempre existe a possibilidade de ficar revendo as boas cenas no Youtube, após o desfecho da exibição.Quem nunca andou na esteira ou passou a hora do almoço ouvindo/assistindo “A cover is not the book”, “I wish” ou “Be Italian” deveria tentar!
Veja trailer:
https://youtu.be/5ws9yXH8Vwc
¹"Mas uma sereia não tem lágrimas, e, portanto, ela sofre muito mais", (Hans Christian Andersen).
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.