Resgatando Vidas: saiba como está Leda, resgatada de trabalho análogo à escravidão depois de 50 anos de exploração
Foram cinco décadas trabalhando como empregada doméstica sem receber salário, e os patrões alegavam que não pagavam a funcionária porque a consideravam "parte da família"
Leda Lúcia dos Santos começou a ser obrigada a trabalhar aos 10 anos de idade. Na época, a mãe a entregou para morar na casa de Hildete Pimenta Rocha, professora de Ensino Fundamental, e nunca mais a viu. Aos 61, em 2021, 51 anos depois, ela foi resgatada após o Ministério Público receber uma denúncia de que a idosa estava sendo submetida a trabalho análogo à escravidão em uma casa no bairro de Patamares, em Salvador.
Foram cinco décadas trabalhando como empregada doméstica sem receber salário, e os patrões alegavam que não pagavam a funcionária porque a consideravam "parte da família".
Como não teve infância, Leda aprendeu a costurar bonecas, as quais trata com todo o carinho que tem para dar. À reportagem do Grupo Aratu, ela mostrou cada detalhe de uma delas, uma Emília: "Vou colocar mais cabelinho nela aqui, olha, está falhado. A roupinha, olha! Fiz até o sapatinho".
O vice-presidente da Associação Brasileira do Trabalho, Vitor Filgueiras, explicou à reportagem do Cidade Aratu, programa do Grupo Aratu, que o trabalho doméstico é uma das heranças mais vivas e persistentes do tempo da escravização:
"Então, todos os fenômenos mais bizarros de racismo, machismo, são expressos de forma muito mais direta no trabalho doméstico. Também travestido com figuras de linguagens covardes, como: 'Trato como se fosse da família', 'a gente está tentando ajudar'. Quando, na verdade, ninguém contrata ninguém porque está querendo ajudar, contrata porque precisa daquele serviço".
Quando Leda começou a envelhecer e não conseguir mais desempenhar as mesmas funções de antes, ela se tornou um peso para os patrões, como relatou Liane Durão, chefe do setor de Fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho.
"Ela meio que se tornou até um fardo na cabeça das pessoas, porque ela não estava com aquela força de trabalho que ela tinha antes, mas ela criou gerações ali naquela casa sem nunca receber salário, porque seria 'como se fosse da família'. Mas, ela estava no fundo da casa, sem energia elétrica. No depoimento dela, ela disse que a energia foi cortada porque ela ficava costurando as bonecas. Então, eles cortaram a energia lá nos quartinhos, não tinha água quente, não tinha luz. Ela costurava a luz de velas".
RESGATE
Após ser resgatada, Leda foi viver em uma casa de acolhimento. Mesmo depois de receber as indenizações devidas, ela escolheu permanecer no espaço, já que não tinha para onde ir. É que, lá, ela tem companhia.
Com o dinheiro, porém, ela começou a realizar alguns sonhos antigos, como o de comprar uma televisão. "Às vezes, eu assisto um 'desenhozinho'. Não gosto de filme muito forte, e tampouco notícia ruim. Não gosto".
Leda continua sendo acompanhada pelos órgãos que resgatam e combatem o trabalho análogo à escravidão na Bahia. Márcia Santos, da Coordenação de Proteção Social Especial da Secretaria de Justiça, explicou que isso é feito para garantir que a vítima consiga se inserir na sociedade após passar por uma experiência tão traumática.
"O pós-resgate é a forma do fortalecimento desse indivíduo que sofreu uma violência tão drástica. Cada indivíduo tem um potencial, e a gente precisa fazer com que ele entenda esse potencial para que ele tenha outra forma de sobrevivência".
DENUNCIE
Apenas em 2021, 1.937 pessoas foram resgatadas de situações em que eram vítimas de trabalho análogo à escravidão. Denúncias podem ser realizadas no site do Sistema Ipê, e podem ser feitas em sigilo.
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