Agronegócio

Produção de algodão une máquinas e trabalhadores no Oeste da Bahia e afasta medo de tecnologia

De manutenção de tratores a operação de drones, capacitações promovidas por produtores de algodão na Bahia provam que é possível conciliar tecnologia e mão-de-obra humana

Por Lucas Pereira

Produção de algodão une máquinas e trabalhadores no Oeste da Bahia e afasta medo de tecnologiaCréditos da foto: Divulgação/Abapa
A substituição da mão-de-obra humana por equipamentos e tecnologias inteligentes é um dos temores da sociedade moderna e já virou até tema de filmes e séries, como “Eu, Robô” e “Black Mirror”. Na atividade agrícola, esse receio também existe, mas, em pelo menos um setor do agronegócio, produtores e associações têm garantido que o uso de tecnologias não significa o desemprego de pessoas, pelo contrário, que seja uma fusão entre os dois mundos: a cotonicultura, setor que produz algodão.
Com o segundo maior cultivo de algodão do país, os produtores baianos se orgulham de unir tecnologia e mão-de-obra para fazer o que chamam de “ouro branco do Cerrado”. Com grande força na região Oeste, em cidades como Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, o setor tem, inclusive, investido na capacitação de trabalhadores para atingir números impressionantes.
Em 13 anos, cerca de 80 mil pessoas já foram treinadas pelo Centro de Treinamento e Tecnologia da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa). Entre as formações, estão cursos de manuseio de pivôs de irrigação, operação de drones, navegação e operação em softwares de controle de aplicação e operação e manutenção de tratores agrícolas, tendo esse último uma turma exclusivamente composta por mulheres.

divulgação/Abapa


Coordenador do Centro de Treinamento da Abapa, Douglas Fernandes aponta que os cursos oferecidos pela associação estimulam a integração homem-máquina e busca fazer com que se amplie o horizonte de oportunidades para os produtores rurais e também aqueles que buscam no agronegócio uma forma de sobrevivência.
“Nós não podemos deixar que as pessoas achem que estão sendo substituídas pelas máquinas, não, elas estão tendo oportunidade de ter uma maior qualidade de vida a partir do manejo, na integração dessas tecnologias a rotina de trabalho deles”, afirma o coordenador. 

De acordo com Douglas, com o impulsionamento na cadeia produtiva de algodão através da inserção e aplicação da tecnologia, há uma necessidade cada vez maior de mão-de-obra. Esse trabalho pode ser especializado, voltado para o contato direto com as etapas da cotonicultura, ou para outros serviços, estimulados pelo crescimento das cidades envolvidas com a produção de algodão.

Divulgação/Abapa


O jovem município de Luis Eduardo Magalhães, no Oeste baiano é exemplo dessa expansão. Emancipada em 2000, a cidade apresentou um crescimento populacional de quase 80%, de acordo com dados dos Censos Demográficos de 2010 e 2022, se tornando a 17ª maior população do estado, à frente de cidades como Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas e Serrinha. O fenômeno tem relação com a força do agronegócio na cidade, que atrai pessoas de outros municípios e estados.
“A gente acompanha, nos nossos cursos, diversos casos de pessoas que vêm de outras cidades, que vem de Salvador, de outros estados, para se capacitar aqui, com a gente”, afirma Douglas. Aqui, elas têm acesso a coisas que não encontram em lugar nenhum. Por exemplo, uma colheitadeira de algodão, que custa em torno de R$ 15 milhões. Ela não vai encontrar essa máquina em nenhum outro lugar, se não dentro do ambiente como este em que o produtor rural disponibiliza a sua máquina sem nenhum custo, para a capacitação”.
“O nosso grande objetivo é fazer com que eles [os produtores] sejam aliados da tecnologia e que possam estar o tempo todo acompanhando todas essas inovações que estão presentes no campo”, destaca Douglas.

HISTÓRIAS MARCADAS PELO ALGODÃO
Na cotonicultura do Oeste da Bahia, não é difícil encontrar pessoas de outras cidades e regiões trabalhando em algum ponto da cadeia produtiva do algodão. Gente que viu no agronegócio uma oportunidade de crescimento e de sobrevivência, não apenas na parte direta do campo, mas também em outras pontas operacionais.
Gestora de Recursos Humanos no Grupo Franciosi, Daniele Pavanelo, é uma dessas pessoas. Gaúcha, a profissional trocou o frio do sul do Brasil pelo calor do Cerrado e afirma não se arrepende da escolha. Para ela, tão importante quanto as oportunidades de emprego, o que realmente faz a diferença é o estímulo das empresas ao crescimento de seus colaboradores.
“É preciso investir também no profissional, fazer com que ele se aprimore e seja estimulado a buscar isso. Um grupo não cresce sem que as pessoas que o compõem cresçam com ele”, afirma Daniele.

Um exemplo de como é possível crescer com as oportunidades é o caso do analista de produção Victor Ramos, funcionário da Icofort Agroindustrial, uma das maiores empresas no ramo de processamento de caroços de algodão. Natural de Santo Antônio de Jesus, Ramos trocou o Recôncavo para se aventurar no Oeste aos 18 anos. Começou na empresa como auxiliar de almoxarifado e, depois de muito esforço e estudos, alcançou o cargo atual, de analista de produção.
Para ele, o universo do algodão baiano é vasto e de muitas oportunidades. Para exemplificar, ele cita a nova fábrica da Icofort na cidade de Nova Mutum, no Mato Grosso, que será inaugurada em maio de 2024. “Vai nos colocar como os maiores processadores de caroço de algodão do Brasil”, afirma o analista de produção.
“É uma área repleta de oportunidades e que sempre precisa de gente. Gerando empregos, precisando de mão-de-obra. Então, algodão para mim é tudo”, conta Victor. 

Entre janeiro e julho de 2023, cidades da região Oeste se destacaram pela geração de novos empregos. Enquanto Luis Eduardo Magalhães gerou 2.907 novos empregos, Barreiras foi responsável por 1.653 novos postos de trabalho e São Desidério, outros 1.396. Os dados são do boletim da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) com o Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged).
O CRESCIMENTO COM A TECNOLOGIA
Mas e a relação entre tecnologia e o trabalho das pessoas no campo? A história do operador de máquinas Roberto Silva ilustra como a mecanização no campo trouxe novos postos de trabalho. Filho de trabalhador rural, ele seguiu os passos do pai e, desde 1993, trabalha com a colheita de grãos em vários lugares. Realizando cursos de especialização, Roberto se adaptou à nova realidade e está apto a trabalhar com máquinas muito modernas.
“Meu pai dizia que colhia algodão manualmente, com cestos. Hoje, com essas máquinas, está sendo muito bom, e acredito que será ainda melhor”.

Ilustrativa/Abapa


Esse é o ponto que o coordenador do Centro de Treinamentos da Abapa aponta como o caminho natural: a evolução da tecnologia no campo, acompanhada pela especialização também do trabalhador. “A tecnologia não tira o emprego, ela redireciona essa mão de obra para gerando oportunidade para que eles possam se qualificar e sim ter uma vida muito mais digna”, explica Douglas Fernandes.
Presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi também acredita que é através da capacitação que se é possível melhorar a vida do trabalhador do campo:
“Como é que aumenta a produção e eficiência? Através da tecnologia, do uso de máquinas. Como é que otimiza isso? Preparando as pessoas para essa nova realidade. Então, uma pessoa começa na fazenda, em uma situação, e [com capacitação] melhora, chega ao cargo de operador, por exemplo”, diz Luiz Carlos. 

O representante da Abapa destaca que a realidade do campo já é tecnológica. Luiz Carlos explica ainda que a inserção da tecnologia no processo produtivo do agronegócio foi o que possibilitou o aumento significativo da produtividade das plantações. Para se ter ideia, a safra brasileira da cotonicultura 2022/2023 deve gerar 67 toneladas a mais em relação à 2019/2020, de acordo com estimativas relatadas pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) em setembro. Com isso, a produção de algodão deve saltar para 3,07 milhões sem grande alteração na área plantada.
Para o presidente da Abapa, a força do agronegócio baiano e, especialmente da cotonicultura no estado, está ligada a três vetores:  investimento em tecnologia, capacitação de pessoal e aproveitamento da natureza. Segundo ele, os produtores rurais não devem disputar com a natureza, mas, sim, usar a tecnologia para viver em harmonia com ela e otimizar a agricultura.
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