Opinião

Trump é o Anticristo, Musk é Hitler, e eles vão sepultar o politicamente correto

No artigo desta semana, Pablo Reis reflete sobre os papéis de Trump e Musk na cena global

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A bem da verdade, caso esse mesmo artigo estivesse submetido a uma rigorosa - e imparcial - agência de fact checking, o título teria versão mais sóbria: “Não há evidências de anticristo, o gesto de Musk já foi praticado por progressistas e só nós podemos enterrar o politicamente correto”.  


Não faço ideia se Donald Trump é o Anticristo, embora estudiosos da escatologia apontem sinais relacionados a ele e às previsões bíblicas. O doutor em linguística, escritor, professor, pastor da igreja Bola de Neve, Daniel Lopez, é um destes. E não apenas agora, após a posse do 47° presidente americano, ele assinala isso. Já tem rastreado, há alguns anos, várias passagens da vida, e da obra, do magnata americano, a quem Jean Wyllys chama, sarcasticamente, de O Agente Laranja.


Se não podemos chamá-lo de Anticristo, é certo que o homem apontado como o mais poderoso do Ocidente traz o apocalipse para a cultura woke. Um termo que tem raízes nobres: “woke” é a derivação de “stay woke” (mantenha-se desperto), utilizado pelo movimento negro americano na década de 1970 para denunciar violações de direito, preconceito, racismo, em variados graus. No final da década 2010, a expressão passa a ser empregada em qualquer contexto de política identitária e disputa cultural. (Está tudo lá no verbete da Wikipédia, ferramenta que também o homem mais rico do mundo deve querer acabar). 
 
Falar em fim da cultura woke é mais óbvio e menos arriscado. Afinal, é o tipo de convenção capaz de se encerrar por decreto: elimina-se o banheiro para trans, aplica-se apenas dois gêneros nos formulários oficiais, bane-se sistemas de cotas, mede-se atletas em competições com base em cromossomos X e Y. 


Encerram-se as políticas de diversidade das big techs. O Mc Donalds e a Disney revisam, para menos, qualquer ambição no trinômio “diversidade, equidade e inclusão”. O governo que parece instaurar uma nova ordem mundial remove ações afirmativas da política de contratação da administração pública. Estamos vendo o wokismo sendo decepado a golpes de canetadas.


O fim do wokismo é mais causa do que consequência em termos de Donald Trump em segundo mandato. Os indícios estavam nos prejuízos de produções da Disney, ou no volume crescente das reclamações de atletas do vôlei feminino. Tudo isso poderia indicar já um movimento cuja epítome personificada atende por um bilionário de bronzeado excêntrico.


Mais desafiador é decretar o extermínio do próprio politicamente correto. Porque está além de medidas executivas: não é política pública que se revoga, ou diretriz corporativa que se abandona. Virou um código silencioso e discreto, quase um pacto de comunhão com a civilidade. O politicamente correto é o que nos traz até aqui, aos trancos e barrancos, tentando não nos matar, física ou simbolicamente. 


Só que, enquanto as normas de ESG que derivam em woke, na iniciativa privada ou na gestão pública, podem ser esmagadas com o peso de uma folha de memorando, não deveria ser tão simples e peremptório destruir todo esse conjunto de respeito e educação. Por isso, me atrevo a dizer: não eles, os malignos e mal-intencionados donos do império, mas só NÓS temos o poder de acabar com o politicamente correto. Nós, os bons. 


Nós, que defendemos a liberdade de expressão e o direito ao culto, sem restrições. Nós, que não estamos julgando as aparências e nem as orientações sexuais, e nem o livre exercício da estupidez pelo outro diferente da gente. Nós, que defendemos democracia e soberania das nações. Nós, que precisamos, primeiro, respeitar e, depois, tentar entender qual recado maiúsculo, majoritário e avassalador foi esse dado pelo povo americano. 


Talvez, não sejam ELES que derrotariam o politicamente correto. A não ser que NÓS também queiramos abdicar desse tipo de convivência. Como diz a música bem interpretada pelo excelente Michael Jackson (será que ele estaria no palco dos wokistas?), Man in The Mirror, “If you wanna make the world a better place/ Take a look at yourself and then make that/Change”, ou, em tradução livre, " Se você quer fazer do mundo um lugar melhor, dê uma olhada para sim mesmo e, então, faça a mudança". 


Aí, NÓS chegamos àquele incômodo gesto do homem, que não bastasse ser o mais rico do mundo, agora está oficialmente encarregado de dar eficiência na gestão governamental (que pode redundar na demissão de ⅓ do funcionalismo público). Aquele que apresenta uma mão esticada e espalmada ao infinito, quase simultaneamente à que dizia “Meu coração vai para vocês. É graças a vocês que o futuro da civilização está garantido”. Será que toda aquela agitação era euforia, era droga? Será que Musk é realmente portador do transtorno do espectro do autismo e convive com a neurodiversidade, como revelou em entrevistas, anos atrás
 
Nós temos mesmo dificuldade em aceitar que ele seja portador da síndrome de Asperger. E que tenha respondido à comparação com o nazismo com um tuíte: “Francamente, eles precisam de truques sujos melhores. Essa coisa de 'todo mundo é Hitler' está tããão ultrapassada” (com um emoji entediado). Depois, passou a compartilhar imagens de ícones da esquerda liberal (Barack Obama, Hillary Clinton, Taylor Swift) fazendo um gesto semelhante.


Líderes progressistas fazem gesto. | Foto: Redes Sociais

Líderes progressistas fazem gesto. | Foto: Redes Sociais




O nosso articulista Sérgio Rodrigues clama na Folha, veículo tradicional da mídia: “É nosso dever chamar nazista de nazista”. E determina ser um “heil, hitler, vigoroso, desabusado, cheio de orgulho… e pronto”.


Enquanto isso, no ex-twitter, um observador deles recorta gesto muito parecido do presidente da França, em cerimônia oficial e questiona: “Is Macron a nazi?


Para historiadores consultados pelos nossos grandes meios de comunicação, o ato foi a saudação nazista “sieg heil”. Para o psicanalista e cientista comportamental Ricardo Ventura, que tem o canal “Não Minta Pra Mim”, especializado em análise corporal, o mesmo gesto representaria uma reação à descarga de emoções, e já tinha sido repetido ao longo dos últimos séculos, em várias oportunidades.


Mas quem é Ventura na fila do pão do debate público para ter direito a uma palavra final? Que tal ouvirmos o representante máximo de Israel, o estado judaico? O premiê israelense Benjamin Netanyahu saiu em defesa pública daquele a quem chamou de um “grande amigo de Israel” e que desde o massacre de 7 de outubro “tem apoiado repetida e vigorosamente o direito de Israel de se defender contra terroristas genocidas e regimes que buscam aniquilar o único Estado judeu. Agradeço a ele por isso”. Um líder judaico aplaudindo e celebrando um nazista inveterado? Acho que não haveria outro ápice para o antissemitismo.  


Banalizar o nazismo é incômodo e preocupante, sobretudo para quem (como eu) teme, abomina e denuncia o nazismo. Por uma questão óbvia: se tudo o que a gente não gosta ou discorda vira nazismo, nada se torna nazismo. 


Pode ser que, por antipatia, receio ou pelo popular ranço, nós estejamos desesperadamente tentado colocar tal pessoa em tal companhia satânica para desqualificar qualquer coisa que esta diga ou faça. Afinal, um ser tão maligno merece repúdio social. 


O primário “bem contra o mal”, o raso “nós contra eles”, está perdendo. Surpreendentemente - ou não -, tenho visto muita gente querendo ser eles, em vez de nós.




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