Primeira brasileira na Academia de Ópera de Paris é fã de pop e tem raízes na Bahia

Nascida no ES e com raízes em quilombos baianos, a cantora Lorena Pires é a primeira brasileira na Academia de Ópera de Paris

Por Juana Castro.

Na infância, ela dançava sozinha no quarto, imitando as coreografias da Joelma do Calypso e sonhando com os musicais da Disney. Hoje, aos 26 anos, Lorena Pires prepara as malas para uma mudança que fará história: em setembro, se tornará a primeira mulher brasileira a integrar a Academia de Ópera de Paris, instituição de prestígio mundial que já formou alguns dos maiores nomes do canto lírico.

Lorena Pires | Foto: Vinicius Jardim/Reprodução/Instagram

Lorena cresceu ouvindo a família falar sobre visitas "à roça" no extremo sul da Bahia. Só em 2023, durante uma viagem de reconexão consigo mesma, descobriu que esses lugares eram, na verdade, territórios quilombolas.

"Minha família por parte de pai é do Quilombo Vila Juazeiro. Minha avó vem de outro, o Quilombo Helvécia, em Nova Viçosa. Sempre falávamos 'vamos pra roça', e só fui entender que eram quilombos quando pesquisei sobre uma festa tradicional de lá."

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A revelação deu novo significado à sua história. "Muita gente da minha família ainda vive nessas comunidades ou em Posto da Mata, onde minha bisavó morava. É uma conexão que agora levo com muito orgulho."

De Rouge a Jessye Norman, brasileira na Ópera de Paris conta como descobriu o lírico

Antes de se apaixonar pela ópera, Lorena era uma criança fascinada pela música pop dos anos 2000. "Eu amava o Rouge – tinha o CD todo brilhoso, com cheiro de tuti-fruti. E o Calypso? Minha melhor amiga e eu víamos o DVD escondidas porque minha mãe achava as letras 'adultas demais'. A gente imitava a Joelma, batia cabelo, fazia show pra plateia imaginária."

Mas o racismo a fez esconder seu sonho. "Tinha vergonha de dizer que queria ser cantora. O racismo me fez ficar tímida, só cantava em casa." A virada veio em 2016, quando começou aulas de canto. Suas professoras, cantoras líricas, notaram algo especial em sua voz. "Elas nunca me forçaram, mas diziam: 'Tem algo aqui que pode funcionar no lírico.'"

O momento decisivo foi em 2018, quando assistiu a uma montagem de ópera. "Era simples, com orquestra de câmara, mas me encantou. Ali eu soube: era isso que queria fazer."

Brasileira na Ópera de Paris buscou por referências negras no lírico

Quando começou a pesquisar sobre ópera, Lorena quase não encontrava cantoras negras. "Só via mulheres brancas no YouTube. Pensava: será que isso é mesmo pra mim?" Determinada, foi atrás de referências. Descobriu Jessye Norman e Leontyne Price, lendas estadunidenses, mas queria encontrar brasileiras.

"Fiz um podcast na faculdade sobre cantoras líricas negras do Brasil. Encontrei Elzy Houston, Maura Moreira, as irmãs Edna e Edinéia de Oliveira... Mulheres incríveis que estão na ativa." A ironia? Anos depois, ela mesma debutou ao lado de Edinéia no Palácio das Artes. "Foi muito forte. Ela foi a primeira Lauretta negra no Municipal do Rio, e eu acabei cantando o mesmo papel em 2023 – décadas depois dela."

O desafio da audição da primeira brasileira a integrar Academia de Ópera de Paris

Em 2023, Lorena foi selecionada para um intercâmbio na França pelo programa Ano França-Brasil. Já em Paris, decidiu arriscar a audição para a Academia de Ópera – mesmo sabendo que o processo seria difícil.

"Precisei aprender uma ária em francês em um mês e meio. No dia, torci para não pedirem justamente essa, mas adivinha? Pediram. Na hora, pensei: 'Meu Deus, é agora ou nunca.' Fui na coragem e deu certo."

Quando o e-mail de aprovação chegou, em fevereiro, a emoção foi indescritível. "Sou a primeira mulher brasileira lá, mas a terceira brasileira no total. Antes de mim, entraram dois homens, que hoje são meus grandes apoios."

Maria da Aparecida: a predecessora esquecida

Ao pesquisar sobre brasileiros na Ópera de Paris, Lorena descobriu Maria da Aparecida, uma soprano negra que em 1965 substituiu ninguém menos que Maria Callas em uma produção. "Ela foi a primeira cantora brasileira lá, mas sofreu racismo. Um empresário chegou a dizer que, mesmo com sua voz incrível, ela não poderia cantar no Municipal do Rio por ser negra."

A coincidência? Duas semanas depois de escrever um artigo sobre Maria da Aparecida, Lorena venceu o Concurso Joaquina Lapinha, cujo prêmio levava o nome da pioneira. "É como se eu estivesse seguindo seus passos, 60 anos depois."

Brasileira na Ópera de Paris fez vaquinha virtual

Apesar da conquista, os custos da mudança para Paris eram altos. Lorena criou uma vaquinha virtual para ajudar com passagem, aluguel e despesas iniciais. "O salário só começa em outubro. Precisei de ajuda para essa transição."

No início, a divulgação foi difícil. "Mandei e-mails para vários veículos, mas ninguém respondia." Até que o perfil Africanize compartilhou sua história. "Em uma semana, a vaquinha ultrapassou a meta. Até a Deborah Bloch compartilhou!"

Brasileira na Ópera de Paris já é referência e inspiração

Lorena sabe que sua trajetória impacta outros jovens negros. Recentemente, após um recital, um menino a esperou por uma hora no corredor. "Ele estava tremendo e disse: 'Sou seu fã.' Isso me emocionou muito."

Seu conselho para quem sonha alto? "Não espere as condições perfeitas. Faça o melhor com o que você tem. Eu nunca pensei em ser referência, só quis realizar meu sonho. Mas se minha história mostra que é possível, então que bom."

Agora, com as malas quase prontas, Lorena se prepara para escrever um novo capítulo – não só na própria carreira, mas na história da música lírica brasileira. E, como ela mesma diz: "Isso é só o começo."

Veja, abaixo, uma apresentação de Lorena Pires:

 

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