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Obra inacabada e insatisfação: por que a travessia Salvador/Mar Grande é suspensa todos os dias e como solucionar?

Funcionando há mais de 50 anos, o sistema é de extrema necessidade para um grande número de pessoas, mas quando a maré está baixa, as lanchas não têm condições de realizar o serviço.

Por Dinaldo dos Santos

Obra inacabada e insatisfação: por que a travessia Salvador/Mar Grande é suspensa todos os dias e como solucionar?  Créditos da foto: Dinaldo dos Santos/Aratu On

"Sem condições de atracamento, por conta da maré baixa, a travessia será temporariamente suspensa"


O anúncio acima é uma informação frequente, direcionado aos usuários das lanchas que fazem o transporte marítimo que liga a cidade de Salvador a Mar Grande, localidade de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica.


Funcionando há mais de 50 anos, o sistema é necessário para um grande número de pessoas. Uma situação natural, no entanto, costuma impedir que a operação do serviço aconteça dentro de uma programação ininterrupta.


Quando a maré está baixa, as lanchas não têm condições de aportar em Mar Grande. Isso porque a profundidade no entorno do atracadouro da Ilha fica inadequada para a navegação, fazendo com que as embarcações não consigam atracar.


"Pra a gente é uma situação horrível!", disse, à reportagem do Aratu On, o morador local Eduardo Aguadêr, de 69 anos. Ele trabalha na Prefeitura de Salvador e, muitas vezes, chega atrasado no serviço, mesmo acordando cedo.


De segunda a sexta-feira, às 6h30, Eduardo está no terminal. Pra quem vai iniciar o trabalho às 8h, o horário é razoável. Mas, na prática, isso nem sempre funciona: às vezes, ele já chega com a maré baixando.


Em algumas ocasiões, o funcionário público não encontra disponível o vale do idoso: um abatimento na tarifa, destinado para 10% da capacidade da embarcação. "Aí a primeira lancha sai, e acontece de a maré baixar no horário seguinte quando vou embarcar", explicou Eduardo, que há mais de 30 anos depende do transporte para trabalhar.


Situações como a dele não são raras. Além dos trabalhadores, estudantes têm dilemas semelhantes: provas no primeiro horário é um grande problema. Imagine, ainda, o drama das pessoas que, por muito custo, marcaram uma consulta ou exame médico e ficam impedidas de comparecer ao compromisso importante.


Se, por um lado, os usuários das lanchas se sentem prejudicados, não muito diferente ficam os operadores do sistema de transporte. Interrupções diárias do serviço acabam interferindo, de forma significativa, nas receitas dos proprietários das 12 embarcações que compõem o sistema.


"A gente tem que trabalhar já prevendo isso", disse, à nossa reportagem, o presidente da Associação dos Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab), Jacinto Chagas.  "Tem dias que o tempo [de suspensão] é um pouco maior e, às vezes, chega até quatro horas. Varia muito com as tábuas da maré e a fase da lua", explicou.


DRAGAGEM INTERROMPIDA


Apesar de ser um fenômeno da natureza, a intercorrência que altera o processo da travessia poderia ser evitada. Para isso, o Governo da Bahia precisaria realizar uma obra que é esperada há décadas por quem depende das lanchas.


A intervenção seria um processo de dragagem, que teria por objetivo remover parte do fundo do mar por meio de equipamentos chamados de dragas e, dessa forma, seria aumentada a profundidade do local. "Eles iniciaram, inclusive, um projeto que não foi pra frente", ressaltou o presidente da Astramab.


O serviço mencionado por Jacinto foi aprovado em 2019 com investimento orçado em R$ 7,8 milhões. Realizado pela Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), foi interrompido na fase inicial. O órgão informou que um processo de licitação está em andamento para a retomada da construção da dragagem.


De acordo com a Seinfra, a implantação do canal de navegação permitirá que as embarcações realizem as travessias entre Mar Grande e Salvador sem interrupções, permitindo um serviço com melhor qualidade. O Governo informou, também, que o processo licitatório é para a conclusão da obra, que já foi 40% executada e precisou ser interrompida por problemas técnicos.


Os detalhes que travaram o andamento dos trabalhos, porém, não foram esclarecidos pela Seinfra. Mas as consequências ambientais que a obra estaria causando, provavelmente, motivaram a paralisação. Pelo menos é o que pode ser deduzido, diante de uma denúncia formalizada junto ao Ministério Público Estadual, pedindo o embargo da obra, sob a alegação de prejuízos à sustentabilidade.



PRESERVAÇÃO DOS CORAIS


A denúncia partiu de alguns moradores de Vera Cruz, apoiados pela Pró-Mar, uma Organização da Sociedade Civil, que milita em favor de causas socioambientais, na ilha de Itaparica. Ao Aratu On, o presidente da entidade, José Roberto ou "Zé Pescador", reconheceu a importância da realização da obra para a região e reforçou que ela foi parada porque a empresa, a Metro Engenharia, observou algumas falhas durante a execução.


"Além disso, a metodologia utilizada era pouco sustentável e o projeto foi subdimensionado, com o uso de uma tecnologia inapropriada para alguma situações, principalmente, no trato dos recifes", comentou.


Para Zé Pescador, é preciso que haja uma preocupação com a preservação dos corais: "Uma das sugestões que nós demos ao empreendimento foi que fizessem o resgate de fauna, do local onde vai ser dragado", argumentou.


RISCOS DE EROSÃO


O professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Guilherme Lessa, também defende a importância do empreendimento para proporcionar uma melhor qualidade de acesso entre Mar Grande e Salvador. Porém, entende que no projeto interrompido foi cometido um grande erro ao ser removido o material dragado do litoral.


O especialista admitiu que não teve acesso às informações oficiais sobre a obra, mas o que apurou sobre a dragagem deriva de observações feitas no local e de conversas com moradores atuantes em causas ambientais. 


"O rejeito da dragagem foi lançado em terra e posteriormente transportado por caminhão para não sei onde. Esta estratégia é duplamente condenada, pois remove a areia que estaria sendo transportada em direção a Bom Despacho e gera despesas pesadas com o bombeamento do material para terra e seu posterior transporte", pontuou.


O especialista apresentou, ainda, outra situação: ele destacou que existe um sistema de movimentação de areia, ao longo da praia, na costa da ilha, que está voltada para o mar e para Salvador. Segundo Lessa, este sistema é impulsionado pelas ondas e correntes de maré e se divide em segmentos Norte e Sul.


"Ocorre um trânsito constante de areia ao longo de todo um segmento, a partir de sua origem, como se fosse uma esteira rolante de areia [...] Se você interrompe este fluxo com um muro, cortando a praia ou um canal dragado (os quais reterão a areia), faltará areia acima do segmento, causando erosão", ressaltou o oceanógrafo, comparando a possibilidade com situações ocorridas em Amoreira e Ponta de Areia, outras localidades da ilha.


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