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10 anos das Jornadas em Salvador: "Parecia que estava em uma guerra”, relata ativista

Jornadas de Junho de 2013 completam 10 anos e ativista Onã Rudá é o primeiro entrevistado de Aratu On sobre as marchas em Salvador

Por Juana Castro

10 anos das Jornadas em Salvador: "Parecia que estava em uma guerra”, relata ativista
As Jornadas de Junho de 2013 começaram com um protesto contra o aumento da passagem do transporte público do Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo. Durante aquele mês, a onda de manifestações ganhou novas pautas, adesões e cidades. Ativistas se engajaram e também pessoas sem experiência alguma na militância social. No auge do movimento, no dia 20 de junho de 2013, mais de um milhão de pessoas foram às ruas em 388 cidades do Brasil, incluindo Salvador. Na capital baiana, segundo a Polícia Militar, 20 mil pessoas participaram das Jornadas, número menor, como veremos a seguir, do que o citado por quem participou deste momento histórico.
Entre eles, estava o ativista Onã Rudá, então diretor da União dos Estudantes da Bahia, com 23 anos. Hoje, 10 anos depois, Onã lidera a União Nacional LGBT Bahia e é uma voz importante na causa antirracista do estado. O ativista é o primeiro entrevistado da série de Aratu On sobre as marchas de 2013 em Salvador. No relato, Onã rememora a sua experiência, avalia o impacto das manifestações na vida dele e reflete sobre os desdobramentos das Jornadas para o ativismo. "Parecia que estava em uma guerra, toda hora uma explosão", lembra Onã. 
Confira aqui o relato do ativista sobre as Jornadas em Salvador:



Vídeo: Juana Castro | Edição: José Neto
"Cena de guerra"
O ativista conta que havia chegado em Salvador de um congresso da União dos Estudantes da Bahia quando soube das manifestações. "Ninguém imaginava que, ao chegar ao Iguatemi, a gente veria mais de 120 mil pessoas, mas 120 mil pessoas que não sabiam pra onde ir, o que pedir, o que dizer". Onã também testemunhou o conflito entre a polícia e os manifestantes na Avenida Joana Angélica, no Centro da cidade:
"Lembro que eu estava com uma amiga no ombro, o pessoal tocando uma fanfarra, e tinha um grupo conversando com com o pessoal da PM [Polícia Militar]. Só vi esse pessoal sair de costas e, de repente, a Choque [Batalhão de Polícia] tomou a frente. E aí já não teve muita conversa, palavra de carinho, nada não. Bomba, bomba, bomba".

Onã conta que ele e a amiga conseguiram sair da confusão e ir para o Garcia, onde entraram em um bar. "Quando fomos depois para o Campo Grande, só ouvíamos 'bum!'. Parecia que estava em uma guerra, toda hora uma explosão", lembra. "Àquela altura do campeonato, achei que ninguém fosse me prender. Não tínhamos tocado fogo em nada e, de repente, aparece uma guarnição da Choque, olha pra dentro, a gente sentado, e 'taca' uma bomba, e a gente corre para dentro do bar", completa.
O episódio, diz Onã, chamou a atenção das organizações de ativismo para cuidar das bases, ainda que não tenha surtido muito efeito, segundo o militante. "Essa falta de organização deixou espaço para que surgissem pessoas dizendo representar 'todo mundo', mas elas não tinham um pingo de responsabilidade com sua saúde, segurança, família, transporte e alimentação. Estavam falando no nome delas".
"Perdi uma certa inocência"
Com experiência em movimentos sociais desde 2005, Onã estava filiado ao Movimento Juventude (JS) quando as Jornadas aconteceram. "A gente julgava que tinha estabilidade democrática e [entendia que] nosso desafio era mobilizar as pessoas pras pautas que o movimento estudantil julgava necessárias". As marchas de 2013 mudaram a percepção do ativista sobre os movimentos sociais. "Perdi uma certa inocência", confessa.
A "perda de inocência" para Onã é entender que o ativismo não dependia apenas do movimento orgânico de pessoas lutando pelas pautas sociais. "Em um dado momento, entendi que as pautas eram corporativistas”, afirma.  Onã notou que grupos de direita cresceram nas ruas das Jornadas de 2013, o que não era comum até então, segundo o ativista.
Para ele, “quem ocupa as ruas é quem dita as pautas do dia”. Por isso, o ativista concluiu que “a gente precisa ter muita consciência quando chama alguém pra fazer algo". E completa: "Mais vale a ideia que o afã do momento. A ideia fica e o afã do momento passa”. Para ele, o ativismo aprendeu com as Jornadas, que funcionaram, na visão do militante, como um "protótipo". 
"Sem uma vitória concreta"
O ativista diz que faltava condução ao movimento de junho de 2013. "Olhar aquilo ali, de dentro, era muito confuso", lembra Onã.  Para o militante, a falta de direcionamento enfraqueceu as Jornadas de Junho. "A ideia da espontaneidade na mudança é muito vazia, a mudança acontece quando a gente concretamente tem uma pauta. As pessoas pediam por saúde, educação e segurança, mas sem clareza do que traria isso".
Para ele, o final das manifestações, em Salvador, "é uma demonstração de perda de força, sem uma vitória concreta" para os movimentos sociais de esquerda:
"Acho que ficou provado que fustigar o ambiente onde a gente nega as instituições que promovem luta, historicamente, não é positivo, e no desaguar desse processo, surgiram organizações que, na minha avaliação, são protofascistas, que alimentam o ambiente antidemocrático, como o MPL. O MPL sumiu e surgiu o MBL [Movimento Brasil Livre] como um movimento alimentado para pegar esse ‘caldo’ político que foi gerado e ficou disperso".  

O MBL se define como um grupo conservador e de direita e está ativo desde 2014. O movimento apoiou a Operação Lava Jato, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a primeira eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro. De forma geral, Onã acredita que as Jornadas construíram um episódio emblemático da história brasileira. “Acho que documentos devem surgir dessa chamada 'guerra híbrida' que foi travada. A forma que ela se desenvolveu e passou a fazer parte da política do Brasil foi um laboratório", afirma o ativista. 
* Essa é primeira reportagem da série de entrevistas de Aratu On sobre as Jornadas de Junho de 2013 em Salvador. Na próxima reportagem da série, o jornalista e apresentador Pablo Reis relata como foi cobrir as marchas e como elas afetaram o jornalismo. 
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