Da Garota de Ipanema à Garota de Itapuã: conheça a história de Vinicius de Moraes com a baiana Gessy Gesse
Musa das canções "Tarde em Itapuã", "Morena Flor" e "Regra Três", atriz baiana conta como foi o romance que viveu com o poeta
“Eu vou me mudar pra São Salvador, lá tem mais amor, tem uma linda baiana por lá”. O refrão da música "Linda Baiana" parece contar a história de amor que trouxe a Bossa Nova de mala e cuia para Itapuã.
O mês do santo casamenteiro chega, e não há nada melhor para relembrar no dia dos apaixonados, como uma história de amor e bossa, de destino ou acaso, entre o poeta Vinicius de Moraes e a baiana Gessy Gesse.
Com isso, para celebrar o dia dos amantes e enamorados, neste 12 de junho, o Aratu On visita a história do casal do MPB, pela perspectiva da viúva que passou sete anos ao lado de uma das maiores figuras da cena brasileira.
A história pode parecer até um romance clichê, mas a composição de Vinicius de Moraes com Baden Powell reforça a célebre frase do primeiro: “A vida é arte do encontro”. Um dos pais da Bossa Nova, o poeta tinha 56 anos quando viu a atriz baiana Gessy Gesse, pela primeira vez, no final da década de 1970.
O encontro com aquela que se tornaria sua sétima esposa aconteceu graças à cantora Maria Bethânia. Amiga de Gessy, a santoamarense insistiu que Gessy, conhecida na época pela participação em filmes do movimento Cinema Novo, encabeçado pelo diretor baiano Glauber Rocha, fosse para o Rio de Janeiro.
Seja destino ou acaso, o convite de Bethânia coincidiu com os planos da atriz, que já planejava uma visita à cidade maravilhosa com a mãe e a filha naquele momento.
Quando Gessy chegou ao Rio, a cantora baiana avisou a ela a levaria para um evento numa pizzaria no Leblon, bairro nobre da capital fluminense. Tratava-se de uma reunião de amigos em comemoração ao dia em que Vinicius iria carimbar as mãos na calçada do local, como uma "calçada da fama".
Aos 85 anos de idade, Gessy conta que nem precisou deixar Bethânia terminar de falar. Negou de primeira: “Vou não. Festa de intelectual, coisa mais chata do mundo. Muito intelectual junto, é muito chato”.
Depois de insistir muito, Bethânia prometeu não demorar muito, fazendo com que Gessy cedesse e fosse ao encontro que mudaria o rumo da vida da atriz para sempre. É o romance entre Gessy e Vinicius e história da atriz que o Aratu On conta em mais uma reportagem da série "Fofocas da MPB".
PRIMEIRO ENCONTRO
Com uma mini saia e cabelos longos ao vento, a atriz chegou à pizzaria, segundo conta, e, logo, Vinicius fixou os olhos nela e a cumprimentou de longe, levantando o copo de whisky. Não demorou muito e Bethânia veio dar o recado à baiana: “Vinicius falou que vai casar com você”.
Depois da mensagem da cantora, Gessy percebeu uma movimentação "estranha". Aos poucos, lembra a atriz, um por um, os presentes se levantaram da mesa e, no final, ficaram apenas ela e o poeta.
Até que o compositor pediu para sentar ao lado da moça. Gessy disse que estava esperando os amigos retornarem, mas Vinicius rebateu alegando que ninguém mais voltaria à pizzaria. Incrédula, ela percebeu que era uma armação para que o casal ficasse a sós. Vinicius admitiu o plano para ele levá-la para casa.
No caminho, ele deu a ideia de passar num bar. Mesmo desconfiada, a baiana aceitou. Quando chegaram ao bar, Vinicius assumiu o piano, para impressioná-la com o que faz de melhor. Tocou e cantou “Minha Namorada”: “Se você quer ser minha namorada, ah, que linda namorada, você poderia ser...”
Gessy rememora que não caiu de primeira nos encantos do romântico, que já havia se casado seis vezes, antes de conhecê-la. O fim da noite chegou e o artista a levou para casa e nada além de muita conversa aconteceu.
A surpresa, lembra a atriz, veio no dia seguinte, quando Gessy não conseguia entrar na própria casa de tantas flores que havia recebido. Os buquês chegavam de 30 em 30 minutos, conta a atriz com os olhos brilhando, como se estivesse revivendo cada detalhe do dia ao contar como foi a cena.
No dia seguinte, ela voltou para a Bahia, onde recebeu um telegrama do futuro marido. A mensagem repetia a pergunta que ele havia feito para a baiana no encontro do Leblon: “Você quer casar comigo?”.
“O começo foi assim, foi engraçado”, finaliza a artista, que um ano depois se casou com Vinicius em uma cerimônia cigana onde ambos faziam um pequeno corte no pulso e cruzavam o sangue. Vale ressaltar que ele se dizia ateu, porém acreditava nos orixás.
Gessy se orgulha ao dizer que ainda carrega o sangue de Vinicius em suas veias, e que o sangue dela, o carioca levou consigo, quando faleceu em 1980. Os padrinhos do casamento foram o casal de escritores Jorge Amado e Zélia Gattai.
[caption id="attachment_315337" align="alignnone" width="700"] Casamento cigano de Gassy e Vinicius | Foto: acervo da Casa Di Vina[/caption]
A VIDA A DOIS
Mesmo na tentativa de permanecer no Rio de Janeiro, Gessy levou uma cozinheira conterrânea da Bahia para o apartamento que dividia em Copacabana com Vinivius. Maria Dolores, carinhosamente apelidada de “Minha Dô”, levou um pedaço da Bahia para o Rio, mas não teve jeito. Esse amor, trouxe o samba e a poesia de Vinicius para viver uma vida tranquila em Itapuã.
Gessy afirma que, na época, foi acusada pelos cariocas de roubar o poeta para a Bahia e de transformá-lo num “hippie”. Cansada das acusações, Gessy respondeu às provocações: “Um dia eu estava tão retada, que eu disse, 'olha, gente, eu não dei água de calçola para Vinicius, não. Ele veio porque quis'”.
A mulher também ressalta que a relação do compositor da Bossa Nova com a Bahia vinha de berço. “Se tem uma coisa que muito pouca gente sabe é que o sangue baiano já está dentro dele. E não fui eu que meti o sangue baiano nele”. O avô paterno do carioca, Anthero da Silva Moraes, era de Feira de Santana.
Além do vínculo familiar, Gessy relata que, conforme foi conhecendo Vinicius percebeu que a relação dele com a Bahia também partia das suas criações artísticas, do samba afro e das poesias.
RELIGIÃO
O artista sempre se considerou ateu, mas também dizia acreditar nos orixás. Assim, começou a relação de Vinicius com a ialorixá Mãe Menininha do Gantois, falecida em 1986. Gessy conta que ela falava tanto de Menininha para Vinicius que o poeta insistiu em ter um encontro com a mãe de santo.
[caption id="attachment_315338" align="alignnone" width="700"] Vinicius e Gassy encontram Mãe Menininha do Gantois | Foto: galeria Vinicius de Moraes[/caption]
Segundo a atriz, foi "amor à primeira vista" entre Vinicius e a ialorixá. Embora não seguisse a religião, o carioca acreditava nas entidades da fé e admirava Mãe Menininha como um grande símbolo da resistência, da cultura e da ancestralidade do povo negro.
CASA DI VINA
Juntos por sete anos, tijolo por tijolo, o casal construiu a casa em que viveram no bairro de Itapuã. Todos os detalhes da casa foram pensados pelo casal, arquitetados e tornados realidade pelos arquitetos Jamison Pedra e Silvio Robatto, com foco no conforto e na vida que eles iriam construir ali.
Por falar em construção, a casa em Itapuã foi uma aposta do casal com o cantor e compositor Chico Buarque, que construía, ao mesmo tempo, uma casa na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A disputa era para ver quem terminava primeiro a construção. Quem perdesse deveria comprar uma mesa de sinuca ao ganhador da aposta.
[caption id="attachment_315341" align="alignnone" width="700"] Gessy Gesse na piscina da Casa di Vina | Foto: documentário "Casa Di Vina"[/caption]
“Eu terminei a casa primeiro e Chico até hoje não me pagou a mesa de sinuca". Nem sei se ele terminou a casa, mas todo lugar que ele faz show e eu estou, cobro a mesa”, conta a baiana. Gessy diz que, quando Chico sabe que ela está no show, já espera a cobrança.
Atualmente, a casa dos amantes funciona como hotel, restaurante e memorial da vida de Gessy e Vinicius. A propriedade, chamada de Casa Di Vina, é administrada por uma amiga da artista, a empresária Renata Prosérpio.
Quem visita o local percebe a admiração e carinho dos gestores pela história dos dois. A exemplo da suíte do casal, onde os banheiros levam nas portas os nomes: “Filhinho” e “Filhinha”, que eram os apelidos do carioca e da baiana entre eles.
A visita a Casa Di Vina faz os visitantes refletirem: “Como é o quarto de Vinicius de Moraes e Gessy Gesse?”, “Como eles viviam aqui?”. As questões levam à intimidade e à vida simples que era vivida ali, mas que chamam a atenção.
“Por incrível que pareça, eu tenho orgulho. Primeiro porque eu dei meu suor, dei meu sangue. Eu vejo que as pessoas procuram para ter amor, porque foi tudo plantado com muito amor, muita verdade”, diz a artista, ao comentar que os visitantes vão buscar "um pouco de amor e cumplicidade" na casa.
“E quando tem casamento eles querem o nosso quarto para lua de mel. Acham que aqui transavam muito”, diz Gessy, acrescentando que os visitantes querem "pegar o Axé" do casal.
[caption id="attachment_315348" align="alignnone" width="700"] Quarto que era de Vinicius e Gessy está disponível para locação | Foto: divulgação/Casa Di Vina[/caption]
Gessy explica que a maior parte do mobiliário do quarto é original. A cama usada pelo casal já não estava mais na casa quando a atual dona, Renata, assumiu a propriedade. Mas, por coincidência, quando a empresária estava em um centro de antiguidades, encontrou a cama original.
Na casa, moravam só os dois, mas isso não era sinônimo de casa vazia. Gessy diz que a casa vivia cheia de músicos e poetas. A atriz celebra ter vivido um dos melhores momentos da cultura, do MPB e do cinema neste período. “Elis Regina de um lado, Tom Jobim de outro...”
[caption id="attachment_315359" align="alignnone" width="700"] Casa de Vinicius e Gessy era frequentada por grandes nomes da MPB | Foto: documentário/Casa Di Vina[/caption]
Alguns detalhes da propriedade mostram que a Casa Di Vina era uma residência de artistas e para artistas. Durante a visita do Aratu On, os funcionários contaram curiosidades sobre a relação de Vinicius com Dorival Caymmi.
O poeta, em sua banheira com vista para o mar, fazia composições com Caymmi enquanto ele estava ali sentado na privada. Os dois chamavam esse encontro de “Conversa Privada”.
[caption id="attachment_315360" align="alignnone" width="700"] Ilustração de Dorival Caymmi conversando com Vinicius | Foto: acervo da Casa Di Vina[/caption]
Ao ser questionada se se sente desconfortável com a entrada de visitantes na casa que viveu com Vinicius, Gessy recita um poema de Vinicius: “A casa é sua, toda sua, toque nela, você vira toda nua”. “A casa foi toda feita assim”, diz a atriz.
“EU TENHO HISTÓRIA”
Artista, mãe, neta e avó, Gessy reforça a história dele pregressa e posterior à relação com o poeta. “Antes de Vinicius de Moraes, eu fiz parte do Cinema Novo da Bahia, eu fiz parte de Glauber Rocha”. Eu fiz parte de todo o movimento do cinema”.
Atualmente, Gessy clama por mais referências à história dela e a importância da atriz para a sétima arte. Sobre essa ausência que a artista sente, ela diz que a Bahia é uma “péssima mãe” e uma “ótima madrasta”. “Ela esquece os valores dos filhos, vem a quem vier”.
[caption id="attachment_315346" align="alignnone" width="700"] Gessy também quer ser reverenciada por atuação no Cinema Novo | Foto: Bia Lago[/caption]
“Eu não nasci por causa de Vinícius. Foi uma consequência, que estava nas estrelas, não tenho culpa. Antes de Vinicius eu tenho história”, frisa a artista. Gessy diz sentir sua história apagada, os seus filmes, os seus trabalhos e a sua memória como mulher, como artista e indígena, serem resumidas em ser ex-mulher do carioca.
Gessy demonstra estar insatisfeita não apenas com o apagamento da sua história no cinema ou nos teatros, mas também da história da cultura indígena que faz parte do seu legado. A artista assume sentir falta da cultura Tupinambá que existe em Salvador, mas não é ouvida e aclamada.
"Eu quero a cultura indígena dentro de Salvador, ela existe e é forte. Essa moça, dia 2 de julho, não vai desfilar nunca na frente do caboclo ou da cabocla".
MINHA VIDA COM O POETA
[caption id="attachment_315358" align="alignnone" width="700"] Gessy e Vinicius passaram sete anos casados | Foto: acervo da Casa Di Vina[/caption]
Depois do falecimento de Vinicius de Moraes, em 1980, a musa de "Tarde em Itapuã", "Morena flor" e "Regra três", escreveu o livro "Minha Vida com o Poeta", dedicado ao que viveu com o carioca e contando uma visão particular do parceiro, o lado relaxado, romântico e intelectual, quando bebia e rendia ótimas histórias. Um dos momentos mais engraçados do livro, de acordo com a autora, é quando ela narra os sete melhores porres do cantor.
Na posição de escrever um livro sobre um dos grandes nomes da música e poesia brasileiras, Gessy diz: “Eu fui muito ousada. As outras não fizeram? Idiotas! Se empolgaram tanto em ser a primeira-dama e esqueceram de botar o melhor, que era a convivência. 'É a minha visão particular sobre Vinicius'”, exclama Gessy sobre o livro.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo no www.aratuon.com.br/aovivo. Siga a gente no Insta, Facebook e Twitter. Quer mandar uma denúncia ou sugestão de pauta, mande WhatsApp para (71) 99940 – 7440. Nos insira nos seus grupos!
O mês do santo casamenteiro chega, e não há nada melhor para relembrar no dia dos apaixonados, como uma história de amor e bossa, de destino ou acaso, entre o poeta Vinicius de Moraes e a baiana Gessy Gesse.
Com isso, para celebrar o dia dos amantes e enamorados, neste 12 de junho, o Aratu On visita a história do casal do MPB, pela perspectiva da viúva que passou sete anos ao lado de uma das maiores figuras da cena brasileira.
A história pode parecer até um romance clichê, mas a composição de Vinicius de Moraes com Baden Powell reforça a célebre frase do primeiro: “A vida é arte do encontro”. Um dos pais da Bossa Nova, o poeta tinha 56 anos quando viu a atriz baiana Gessy Gesse, pela primeira vez, no final da década de 1970.
O encontro com aquela que se tornaria sua sétima esposa aconteceu graças à cantora Maria Bethânia. Amiga de Gessy, a santoamarense insistiu que Gessy, conhecida na época pela participação em filmes do movimento Cinema Novo, encabeçado pelo diretor baiano Glauber Rocha, fosse para o Rio de Janeiro.
Seja destino ou acaso, o convite de Bethânia coincidiu com os planos da atriz, que já planejava uma visita à cidade maravilhosa com a mãe e a filha naquele momento.
Quando Gessy chegou ao Rio, a cantora baiana avisou a ela a levaria para um evento numa pizzaria no Leblon, bairro nobre da capital fluminense. Tratava-se de uma reunião de amigos em comemoração ao dia em que Vinicius iria carimbar as mãos na calçada do local, como uma "calçada da fama".
Aos 85 anos de idade, Gessy conta que nem precisou deixar Bethânia terminar de falar. Negou de primeira: “Vou não. Festa de intelectual, coisa mais chata do mundo. Muito intelectual junto, é muito chato”.
Depois de insistir muito, Bethânia prometeu não demorar muito, fazendo com que Gessy cedesse e fosse ao encontro que mudaria o rumo da vida da atriz para sempre. É o romance entre Gessy e Vinicius e história da atriz que o Aratu On conta em mais uma reportagem da série "Fofocas da MPB".
PRIMEIRO ENCONTRO
Com uma mini saia e cabelos longos ao vento, a atriz chegou à pizzaria, segundo conta, e, logo, Vinicius fixou os olhos nela e a cumprimentou de longe, levantando o copo de whisky. Não demorou muito e Bethânia veio dar o recado à baiana: “Vinicius falou que vai casar com você”.
Depois da mensagem da cantora, Gessy percebeu uma movimentação "estranha". Aos poucos, lembra a atriz, um por um, os presentes se levantaram da mesa e, no final, ficaram apenas ela e o poeta.
Até que o compositor pediu para sentar ao lado da moça. Gessy disse que estava esperando os amigos retornarem, mas Vinicius rebateu alegando que ninguém mais voltaria à pizzaria. Incrédula, ela percebeu que era uma armação para que o casal ficasse a sós. Vinicius admitiu o plano para ele levá-la para casa.
No caminho, ele deu a ideia de passar num bar. Mesmo desconfiada, a baiana aceitou. Quando chegaram ao bar, Vinicius assumiu o piano, para impressioná-la com o que faz de melhor. Tocou e cantou “Minha Namorada”: “Se você quer ser minha namorada, ah, que linda namorada, você poderia ser...”
Gessy rememora que não caiu de primeira nos encantos do romântico, que já havia se casado seis vezes, antes de conhecê-la. O fim da noite chegou e o artista a levou para casa e nada além de muita conversa aconteceu.
A surpresa, lembra a atriz, veio no dia seguinte, quando Gessy não conseguia entrar na própria casa de tantas flores que havia recebido. Os buquês chegavam de 30 em 30 minutos, conta a atriz com os olhos brilhando, como se estivesse revivendo cada detalhe do dia ao contar como foi a cena.
No dia seguinte, ela voltou para a Bahia, onde recebeu um telegrama do futuro marido. A mensagem repetia a pergunta que ele havia feito para a baiana no encontro do Leblon: “Você quer casar comigo?”.
“O começo foi assim, foi engraçado”, finaliza a artista, que um ano depois se casou com Vinicius em uma cerimônia cigana onde ambos faziam um pequeno corte no pulso e cruzavam o sangue. Vale ressaltar que ele se dizia ateu, porém acreditava nos orixás.
Gessy se orgulha ao dizer que ainda carrega o sangue de Vinicius em suas veias, e que o sangue dela, o carioca levou consigo, quando faleceu em 1980. Os padrinhos do casamento foram o casal de escritores Jorge Amado e Zélia Gattai.
[caption id="attachment_315337" align="alignnone" width="700"] Casamento cigano de Gassy e Vinicius | Foto: acervo da Casa Di Vina[/caption]
A VIDA A DOIS
Mesmo na tentativa de permanecer no Rio de Janeiro, Gessy levou uma cozinheira conterrânea da Bahia para o apartamento que dividia em Copacabana com Vinivius. Maria Dolores, carinhosamente apelidada de “Minha Dô”, levou um pedaço da Bahia para o Rio, mas não teve jeito. Esse amor, trouxe o samba e a poesia de Vinicius para viver uma vida tranquila em Itapuã.
Gessy afirma que, na época, foi acusada pelos cariocas de roubar o poeta para a Bahia e de transformá-lo num “hippie”. Cansada das acusações, Gessy respondeu às provocações: “Um dia eu estava tão retada, que eu disse, 'olha, gente, eu não dei água de calçola para Vinicius, não. Ele veio porque quis'”.
A mulher também ressalta que a relação do compositor da Bossa Nova com a Bahia vinha de berço. “Se tem uma coisa que muito pouca gente sabe é que o sangue baiano já está dentro dele. E não fui eu que meti o sangue baiano nele”. O avô paterno do carioca, Anthero da Silva Moraes, era de Feira de Santana.
Além do vínculo familiar, Gessy relata que, conforme foi conhecendo Vinicius percebeu que a relação dele com a Bahia também partia das suas criações artísticas, do samba afro e das poesias.
RELIGIÃO
O artista sempre se considerou ateu, mas também dizia acreditar nos orixás. Assim, começou a relação de Vinicius com a ialorixá Mãe Menininha do Gantois, falecida em 1986. Gessy conta que ela falava tanto de Menininha para Vinicius que o poeta insistiu em ter um encontro com a mãe de santo.
[caption id="attachment_315338" align="alignnone" width="700"] Vinicius e Gassy encontram Mãe Menininha do Gantois | Foto: galeria Vinicius de Moraes[/caption]
Segundo a atriz, foi "amor à primeira vista" entre Vinicius e a ialorixá. Embora não seguisse a religião, o carioca acreditava nas entidades da fé e admirava Mãe Menininha como um grande símbolo da resistência, da cultura e da ancestralidade do povo negro.
CASA DI VINA
Juntos por sete anos, tijolo por tijolo, o casal construiu a casa em que viveram no bairro de Itapuã. Todos os detalhes da casa foram pensados pelo casal, arquitetados e tornados realidade pelos arquitetos Jamison Pedra e Silvio Robatto, com foco no conforto e na vida que eles iriam construir ali.
Por falar em construção, a casa em Itapuã foi uma aposta do casal com o cantor e compositor Chico Buarque, que construía, ao mesmo tempo, uma casa na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. A disputa era para ver quem terminava primeiro a construção. Quem perdesse deveria comprar uma mesa de sinuca ao ganhador da aposta.
[caption id="attachment_315341" align="alignnone" width="700"] Gessy Gesse na piscina da Casa di Vina | Foto: documentário "Casa Di Vina"[/caption]
“Eu terminei a casa primeiro e Chico até hoje não me pagou a mesa de sinuca". Nem sei se ele terminou a casa, mas todo lugar que ele faz show e eu estou, cobro a mesa”, conta a baiana. Gessy diz que, quando Chico sabe que ela está no show, já espera a cobrança.
Atualmente, a casa dos amantes funciona como hotel, restaurante e memorial da vida de Gessy e Vinicius. A propriedade, chamada de Casa Di Vina, é administrada por uma amiga da artista, a empresária Renata Prosérpio.
Quem visita o local percebe a admiração e carinho dos gestores pela história dos dois. A exemplo da suíte do casal, onde os banheiros levam nas portas os nomes: “Filhinho” e “Filhinha”, que eram os apelidos do carioca e da baiana entre eles.
A visita a Casa Di Vina faz os visitantes refletirem: “Como é o quarto de Vinicius de Moraes e Gessy Gesse?”, “Como eles viviam aqui?”. As questões levam à intimidade e à vida simples que era vivida ali, mas que chamam a atenção.
“Por incrível que pareça, eu tenho orgulho. Primeiro porque eu dei meu suor, dei meu sangue. Eu vejo que as pessoas procuram para ter amor, porque foi tudo plantado com muito amor, muita verdade”, diz a artista, ao comentar que os visitantes vão buscar "um pouco de amor e cumplicidade" na casa.
“E quando tem casamento eles querem o nosso quarto para lua de mel. Acham que aqui transavam muito”, diz Gessy, acrescentando que os visitantes querem "pegar o Axé" do casal.
[caption id="attachment_315348" align="alignnone" width="700"] Quarto que era de Vinicius e Gessy está disponível para locação | Foto: divulgação/Casa Di Vina[/caption]
Gessy explica que a maior parte do mobiliário do quarto é original. A cama usada pelo casal já não estava mais na casa quando a atual dona, Renata, assumiu a propriedade. Mas, por coincidência, quando a empresária estava em um centro de antiguidades, encontrou a cama original.
Na casa, moravam só os dois, mas isso não era sinônimo de casa vazia. Gessy diz que a casa vivia cheia de músicos e poetas. A atriz celebra ter vivido um dos melhores momentos da cultura, do MPB e do cinema neste período. “Elis Regina de um lado, Tom Jobim de outro...”
[caption id="attachment_315359" align="alignnone" width="700"] Casa de Vinicius e Gessy era frequentada por grandes nomes da MPB | Foto: documentário/Casa Di Vina[/caption]
Alguns detalhes da propriedade mostram que a Casa Di Vina era uma residência de artistas e para artistas. Durante a visita do Aratu On, os funcionários contaram curiosidades sobre a relação de Vinicius com Dorival Caymmi.
O poeta, em sua banheira com vista para o mar, fazia composições com Caymmi enquanto ele estava ali sentado na privada. Os dois chamavam esse encontro de “Conversa Privada”.
[caption id="attachment_315360" align="alignnone" width="700"] Ilustração de Dorival Caymmi conversando com Vinicius | Foto: acervo da Casa Di Vina[/caption]
Ao ser questionada se se sente desconfortável com a entrada de visitantes na casa que viveu com Vinicius, Gessy recita um poema de Vinicius: “A casa é sua, toda sua, toque nela, você vira toda nua”. “A casa foi toda feita assim”, diz a atriz.
“EU TENHO HISTÓRIA”
Artista, mãe, neta e avó, Gessy reforça a história dele pregressa e posterior à relação com o poeta. “Antes de Vinicius de Moraes, eu fiz parte do Cinema Novo da Bahia, eu fiz parte de Glauber Rocha”. Eu fiz parte de todo o movimento do cinema”.
Atualmente, Gessy clama por mais referências à história dela e a importância da atriz para a sétima arte. Sobre essa ausência que a artista sente, ela diz que a Bahia é uma “péssima mãe” e uma “ótima madrasta”. “Ela esquece os valores dos filhos, vem a quem vier”.
[caption id="attachment_315346" align="alignnone" width="700"] Gessy também quer ser reverenciada por atuação no Cinema Novo | Foto: Bia Lago[/caption]
“Eu não nasci por causa de Vinícius. Foi uma consequência, que estava nas estrelas, não tenho culpa. Antes de Vinicius eu tenho história”, frisa a artista. Gessy diz sentir sua história apagada, os seus filmes, os seus trabalhos e a sua memória como mulher, como artista e indígena, serem resumidas em ser ex-mulher do carioca.
Gessy demonstra estar insatisfeita não apenas com o apagamento da sua história no cinema ou nos teatros, mas também da história da cultura indígena que faz parte do seu legado. A artista assume sentir falta da cultura Tupinambá que existe em Salvador, mas não é ouvida e aclamada.
"Eu quero a cultura indígena dentro de Salvador, ela existe e é forte. Essa moça, dia 2 de julho, não vai desfilar nunca na frente do caboclo ou da cabocla".
MINHA VIDA COM O POETA
[caption id="attachment_315358" align="alignnone" width="700"] Gessy e Vinicius passaram sete anos casados | Foto: acervo da Casa Di Vina[/caption]
Depois do falecimento de Vinicius de Moraes, em 1980, a musa de "Tarde em Itapuã", "Morena flor" e "Regra três", escreveu o livro "Minha Vida com o Poeta", dedicado ao que viveu com o carioca e contando uma visão particular do parceiro, o lado relaxado, romântico e intelectual, quando bebia e rendia ótimas histórias. Um dos momentos mais engraçados do livro, de acordo com a autora, é quando ela narra os sete melhores porres do cantor.
Na posição de escrever um livro sobre um dos grandes nomes da música e poesia brasileiras, Gessy diz: “Eu fui muito ousada. As outras não fizeram? Idiotas! Se empolgaram tanto em ser a primeira-dama e esqueceram de botar o melhor, que era a convivência. 'É a minha visão particular sobre Vinicius'”, exclama Gessy sobre o livro.
Acompanhe nossas transmissões ao vivo no www.aratuon.com.br/aovivo. Siga a gente no Insta, Facebook e Twitter. Quer mandar uma denúncia ou sugestão de pauta, mande WhatsApp para (71) 99940 – 7440. Nos insira nos seus grupos!