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A questão da OSBA: entenda como a ATCA pode perder a gestão da orquestra regida por Carlos Prazeres

Nesta quinta-feira (20/7), a ATCA entrou com um recurso. Caso a decisão inicial seja mantida, a gestão da OSBA irá passar para o IDSM a partir de outubro deste ano

Por Bruna Castelo Branco

A questão da OSBA: entenda como a ATCA pode perder a gestão da orquestra regida por Carlos PrazeresCréditos da foto: Gabriel Camões/Divulgação

Há uma semana, uma questão erudita estourou a bolha de quem acompanha a cena cultural de Salvador e se tornou um assunto bastante comentado nas redes sociais, nas redações, nos portais locais e nacionais, nos corredores dos teatros, nas reuniões entre músicos de orquestra.


Após seis anos de contrato, a Associação Amigos do Teatro Castro Alves (ATCA) deve deixar de administrar a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA). A partir de outubro deste ano, quem deve gerenciar a entidade, que é mantida por recursos públicos do estado, é o Instituto de Desenvolvimento Social pela Música (IDSM), que venceu o edital. Nesta quinta-feira (20/7), a ATCA entrou com um recurso. Caso a decisão inicial seja mantida, a gestão da Osba irá passar para o IDSM a partir de outubro deste ano.


Mas… e aí? Qual é a polêmica? É que o IDSM também é o instituto que administra o NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), projeto fundado e dirigido pelo maestro Ricardo Castro que, de 2007 a 2011, também foi regente da OSBA. Atualmente, por indicação do próprio Castro, a orquestra é artisticamente liderada por Carlos Prazeres, maestro da companhia desde 2011.


Caso o IDSM realmente assuma, Prazeres, contratado da ATCA, vai sair da sinfônica - e é aí que, para muitos, está o problema. À frente da orquestra há 12 anos, ele é apontado como o maestro que conseguiu popularizar a orquestra dentro e fora do estado, com projetos como o CineConcerto, que transforma canções de filmes, como Harry Potter, e séries, como Game Of Thrones, em música sinfônica. A Concha Acústica do Teatro Castro Alves, onde o evento acontece, tem capacidade para 5 mil pessoas, e os ingressos, geralmente, esgotam em minutos.


A Osbrega, projeto que nasceu em dezembro do ano passado, também segue a linha da música popular: o concerto é formado por canções do brega brasileiro, como “Homem Não Chora”, “Morango do Nordeste”, “Garçom”, e “Infiel”, entre outras. E foi aí, neste ponto, que uma das maiores tretas eruditas da Bahia surgiu - ou, pelo menos, veio a público. À época, Ricardo Castro criticou o concerto nas redes sociais e foi apontado, por muitos, como elitista.



“Quando uma orquestra sinfônica estadual, depois de conquistar milhões inéditos para seu orçamento e poder contratar músicos excelentes, escolhe esse título para promover um concerto que poderia ser tocado melhor por Lairton e seus teclados, estamos, certamente, entrando em um círculo do inferno nunca Dantes visto neste país”, escreveu o maestro.



Daí em diante, a figura de Ricardo, que já foi diretor do IDSM começou a se desgastar frente o público de Prazeres. O abaixo-assinado intitulado “Manter a Gestão da OSBA com a ATCA”, criado há uma semana pelo fã clube da companhia, atingiu 7.180 assinaturas até o momento da publicação desta reportagem. O texto da petição diz: “Nós gostaríamos de solicitar a manutenção da administração atual feita pela ATCA e a Regência do Maestro Carlos Prazeres. Para tentarmos manter nosso amado CineConcerto, o OSBREGA, e todos os concertos maravilhosos criados por essa gestão”.


Dado o contexto, é importante ressaltar: o conflito artístico parece ter pouco ou nenhum impacto no futuro da orquestra. Isto porque, com ou sem o IDSM, que participou da licitação pela primeira vez, a ATCA não venceria esse edital, pelo menos não neste primeiro momento. E não venceria porque a instituição foi desclassificada por “incapacidade técnica” - e é por esse motivo que Prazeres pode deixar a OSBA em outubro. Mesmo se a ATCA concorresse sozinha, perderia a licitação. Ao Aratu On, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SecultBA) disse que, “caso todas as organizações que participam do edital não cumprissem as demandas previstas, seria lançado outro edital”.


DESCLASSIFICAÇÃO


O Aratu On teve acesso ao parecer técnico da comissão especial do edital 01/2023, formado por sete integrantes. Para definir a organização social mais apta a gerir a Orquestra Sinfônica da Bahia, foram utilizados três critérios: Capacidade Técnica, Qualificação da Proposta Técnica e Proposta Orçamentária. Nos três, o IDSM obteve mais pontos.


A ATCA foi desclassificada no primeiro critério, que avaliava a capacidade técnica da instituição de acordo com a proposta enviada por cada entidade. No primeiro quesito, que analisava a “experiência na gestão ou execução de serviços de gestão do serviço de produção e divulgação da música de concerto”, a ATCA recebeu 4 pontos, enquanto que o IDSM ficou com 10. No quesito “capacidade técnica do dirigente máximo a ser designado para gerir o serviço”, a ATCA também terminou com uma pontuação menor. No fim, a diferença entre as duas concorrentes nesse critério foi de 7,34 pontos: a ATCA saiu com 16,66, e o IDSM, com 24. Para ser classificada e seguir no certame, a pontuação mínima era de 20 pontos.


À reportagem, a SecultBA confirmou que, para comprovar a capacidade técnica da entidade, a empresa deveria apresentar “atestados emitidos por pessoa jurídica demonstrando a experiência na gestão ou execução” dos serviços listados, e que a ATCA “enviou um atestado, situando-se na faixa de cinco a sete anos de experiência, o que gerou uma pontuação de 4 pontos”.


O Aratu On entrou em contato com a ATCA que, no momento, afirma não poder se manifestar sobre o assunto.


Confira, na íntegra, a nota da SecultBA sobre a desclassificação da ATCA:



O critério do edital denominado Capacidade Técnica, exige a comprovação da Capacidade técnica da Diretoria Executiva; Capacidade Técnica do Dirigente Máximo a ser designado para  gerir o serviço e a Capacidade Técnica da Entidade. Esse último subcritério exigia que a organização apresentasse atestados emitidos por pessoa jurídica demonstrando a experiência na gestão ou execução de serviços de gestão do serviço de produção e divulgação da música de concerto. A ATCA enviou 01 atestado, situando-se na faixa  de 05 a 07 anos de experiência, o que gerou uma pontuação de 04 pontos. Com a soma das demais pontuações dentro desse critério, a organização conseguiu 16,6 pontos, sendo que o mínimo obrigatório previsto no edital é de 20 pontos. Por isso, a desclassificação”.



Outro ponto que consta no parecer técnico é o critério “incremento de meta e serviço”, que determina o número mínimo de concertos que a OSBA deve realizar no interior da Bahia: quatro apresentações em dois anos. No planejamento da ATCA, a organização propõe aumentar a meta e realizar seis espetáculos nesse intervalo. Já o IDSM indica que, nesse mesmo período, poderia fazer 10 apresentações.


As propostas orçamentárias também são diferentes: a ATCA pediu R$ 26 milhões para prestar o serviço em dois anos, custo máximo estipulado pelo estado. O IDSM requereu cerca de R$ 1.100 milhão a menos, e propôs o valor de R$ 24.868.372,50. No fim, mesmo se a ATCA não tivesse sido desclassificada, continuaria com uma pontuação mais baixa: 80,26 contra os 88,8 pontos do IDSM.


CONCERTOS


Em entrevista concedida à rádio Educadora FM, no dia 12 de julho, Ricardo Castro afirmou que não será o condutor da OSBA. Caso a ATCA realmente deixe a gestão da orquestra, o grupo será regido pelo maestro Cláudio Cruz, como também indicou o IDSM em nota.



“Eu não faço parte da proposta do IDSM, é o maestro Cláudio Cruz. Caso o IDSM vença essa licitação, ele virá a ser o diretor artístico e vai trabalhar para a Orquestra Sinfônica da Bahia. A cada cinco anos, tem essa oportunidade de uma instituição concorrer [ao edital], o IDSM achou por bem, que poderia oferecer um serviço melhor, e acredito que seja possível. Pude observar, ao longo desses cinco anos, os grandes avanços feitos, mas, acho que se pode fazer coisas melhores ainda com os recursos, que são consideráveis. Vamos dizer que isso é recurso público. Tenho um trabalho enorme no NEOJIBA, tenho um trabalho enorme também na Europa, como professor, como músico. Acho que já tenho o suficiente para fazer pelo resto da minha vida”.



Na mesma entrevista, Castro falou sobre a quantidade de concertos com a formação da orquestra completa realizados pela OSBA nos últimos anos, em Salvador e no interior. Em 2022, a ATCA bateu a meta de espetáculos pactuada com o governo do estado, com 43 apresentações públicas - mas, como aponta Ricardo, muitas delas aconteceram com um número reduzido de músicos: desses 43, de acordo com um levantamento obtido pelo Aratu On, 19 não foram realizados com a formação inteira.


De janeiro a junho deste ano, 20 espetáculos já foram realizados pela sinfônica - 10 deles com a formação completa, com 70 músicos, e 10 com o grupo reduzido. O projeto OSBA na Estrada, por exemplo, que leva a orquestra a cidades da Região Metropolitana de Salvador e do interior da Bahia, estava viajando, até junho, com uma formação de 14 músicos.


À Educadora FM, Ricardo Castro também apontou: “Eles acabaram de tocar na Chapada, e acho que levaram 12 músicos. E anunciam ‘Orquestra Sinfônica da Bahia’. Cadê os outros 60? Estão na praia? É esse o debate. Não é a questão de fazer um concerto. Essas orquestras, quando são bem remuneradas, precisam se reunir pelo menos umas 40 vezes por ano”.


O músico e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Joatan Nascimento, membro da Osba desde 1989, defende que, a depender do concerto, não é necessário tocar com a orquestra inteira. “Existe uma quantidade enorme de repertório que precisa de um grupo pequeno. Às vezes, não vale a pena reunir uma orquestra sinfônica inteira, monumental, com 80, 100 músicos, para fazer um repertório. Existem muitos repertórios com um contingente menor de músicos. E aí, ele questionou: ‘Onde estão os outros, na praia?’. Olha a distorção”, pontua.


Joatan também defende que, com uma orquestra menor, é possível chegar a lugares que não têm espaço para receber os 70 músicos. “Por exemplo, deixamos de fazer o concerto em Santo Amaro, cidade em que nasceu Caetano e Bethânia, porque não foi possível ter um palco. Veja só, você sair daqui com músicos para uma turnê, uma viagem… isso não se discute, temos que fazer isso. É a Orquestra Sinfônica da Bahia, não a Orquestra Sinfônica de Salvador, temos que fazer esse tipo de inserção. Mas, isso esbarra, infelizmente, na logística. Não é simplesmente pegar os ônibus, colocar os músicos e ‘vamos lá’. Nem sempre as cidades comportam”.


O NEOJIBA, em contrapartida, segundo informações divulgadas pelo IDSM, não viaja sem a orquestra completa. Em setembro de 2022, 100 músicos fizeram uma turnê por seis países da Europa e, em agosto deste ano, a sinfônica vai passar por sete cidades do Norte e do Nordeste do Brasil, com 150 instrumentistas e cantores.


MAESTRO


Por mais que essa mudança de mãos ocorra por uma questão burocrática, causada pela falta de documentos comprobatórios exigidos pelo edital, toda essa história foi pessoalizada em torno de duas figuras: Carlos Prazeres e Ricardo Castro.


Joatan Nascimento, que já trabalhou com os dois maestros, destaca as diferenças artísticas entre eles: enquanto que, na opinião do músico, Ricardo é mais conservador, Prazeres consegue trazer um público novo para as apresentações da OSBA:



“Não tenho nenhum problema pessoal com Ricardo. O problema é com as ideias. Quando ele [Ricardo] chegou na OSBA, a gente saiu quase de um zero absoluto, sem músico, minguando, para uma realidade completamente diferente. A OSBA cresceu. Começou a tocar um repertório bacana, maestros e solistas vieram. Então, neste aspecto, funcionou. Os concertos não enchiam ainda, mas, começaram a ser mais frequentados. Não era como é hoje, mas funcionou. Diante do que vivíamos, o período em que Ricardo esteve à frente foi muito interessante”.



Porém, para Joatan, Carlos Prazeres é o maior responsável por fazer a OSBA, finalmente, “cair no gosto das pessoas”: “Foi muito bacana a entrada de Carlos Prazeres, e isso foi sentido por nós [músicos], ao longo do tempo, como uma gestão revolucionária. Música de concerto já vivia uma crise, né, nos anos 1980. Nessa época, já se falava que as salas estavam começando a se esvaziar. Já não tinha uma afluência de público tão interessante. Então, o que Carlos fez foi muito importante”.


Mas, por mais que o trabalho de Prazeres, que também é maestro da Orquestra Sinfônica de Campinas, seja respeitado por grande parte do público e por profissionais da OSBA, ele não é uma unanimidade. Uma fonte ligada aos instrumentistas da orquestra que preferiu não se identificar, reconhece os avanços proporcionados por Prazeres, mas conta que, entre alguns músicos, há um incômodo em relação à imagem da orquestra ter ficado tão atrelada à do regente:



“Na gestão, ele trouxe resultado, e o pessoal da orquestra sabe. Ele conseguiu desconstruir a imagem sisuda da OSBA, ainda que a orquestra já fizesse apresentações fora da caixa. Só que a divulgação não era tão boa. Prazeres fez isso de forma mais acessível, em propaganda e na construção das apresentações. Ele é uma pessoa extremamente marqueteira. Ele acaba trazendo problemas com isso, porque a imagem da OSBA ficou atrelada a Prazeres. No momento em que ele saísse, não teria como ser sem polêmica”.



A reportagem tentou contato com Carlos Prazeres, mas, até a publicação desta reportagem, não obteve resposta.


De acordo com Joatan, porém, o maestro se sobressair é parte do ofício. “Mundo afora, na Europa, por volta de 1940, 1950, alguns chefes de estado faziam misuras aos maestros, tal a mitificação em torno desses caras. Não vejo problema nenhum. Essa mítica em torno do maestro já está cristalizada. Não seria natural que um gestor, um diretor artístico que provocasse a popularização da orquestra, fosse também popular?”.


A decisão final sobre quem, finalmente, irá comandar a Orquestra Sinfônica da Bahia pelos próximos anos, deve ser anunciada nas próximas semanas.
LEIA MAIS: Carlos Prazeres x Ricardo Castro: entenda a polêmica em torno da administração da Osba

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