BELEZA APÓS A MORTE: Com referências do barroco ao gótico, cemitérios de Salvador atraem amantes das artes
BELEZA APÓS A MORTE: Com referências do barroco ao gótico, cemitérios de Salvador atraem amantes das artes
Texto produzido por Ananda Souza, Clara Andrade, Kauan de Morais e Samuel Moreira, da Agência de Notícias Unifacs, e gentilmente cedido ao Aratu Online
Pode parecer macabro, mas uma visita ao cemitério é um programa interessante para os amantes da arte. Ainda que não sejam pontos turísticos convencionais nos planos de quem viaja à capital baiana, muitos túmulos e mausoléus são referência cultural e histórica, remetendo a estilos como o barroco, renascentista, gótico, contemporâneo, dentre outras inúmeras manifestações artísticas, que guardam os restos mortais de finados abastados. Na Bahia, é possível conhecer obras de renomados artistas expostas a céu aberto nos Cemitérios do Campo Santo e Britânico de Salvador, localizados na Federação e na Ladeira da Barra, respectivamente.
Apesar do preconceito relatado por profissionais da área, as artes cemiteriais, ou tumulares, têm ganhado relevância mundial. Cemitérios de países como Itália, França, Estados Unidos e Argentina, por exemplo, são famosos por abrigar túmulos e mausoléus de figuras ilustres como políticos, escritores, músicos, cientistas, dentre outros. No Brasil, o Cemitério do Campo Santo, na Bahia, pode ser considerado um templo de arte sepulcral do país. Inclusive, existe um roteiro criado pelo Museu da Misericórdia para incentivar a apreciação dos cemitérios como forma de arte, denominado Circuito Cultural.
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São mais de 200 obras, localizadas em sete quadras do cemitério, produzidas por artistas famosos e anônimos, com seus bustos e sinos de bronze e estátuas em mármore do tipo carrara. A mais famosa é a Estátua da Fé, do escultor alemão Johann Halbig, no local desde 1865 e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1936. Com cinco metros de altura, a escultura foi comprada na Alemanha pelo marechal Alexandre Gomes d?Argolo, o Barão de Cajahiba, em homenagem ao filho morto aos 21 anos. Outro destaque do acervo é o mausoléu de Otávio Mangabeira, assinado por Mario Cravo Júnior.
Comprado pela Santa Casa, em 1840, o cemitério do Campo Santo possui um verdadeiro patrimônio histórico dentro de seus muros, buscando equilibrar o antigo e o novo. O administrador do lugar, Anselmo Menezes, explica que o tour foi criado em 2007 com o objetivo de mostrar o acervo a todos os interessados. “O Circuito busca fazer com que o cemitério seja frequentado não apenas em momentos de dor, mas também para que seja valorizado como cultura e arte”, afirma.
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Para Menezes, a baixa popularidade desse gênero artístico se dá por fatores culturais. “Vivemos numa cidade mística, onde enxergam cemitério apenas como um lugar de sepultamento. Há uma carga de preconceito muito grande sobre esses lugares e uma barreira imensa para se quebrar”, relata. Aberto ao público, o Circuito Cultural pode ser visitado diariamente, das 8h às 17h, e as informações podem ser adquiridas através dos totens informativos disponíveis no local. A visita guiada também está disponível para grupos a partir de 15 pessoas e deve ser agendada previamente com a equipe do Museu da Misericórdia, através do número (71) 2203-9835, com gratuidade para Instituições Públicas e R$6 (inteira) e R$3 (meia), por pessoa, para os demais públicos.
Além dos turistas que visitam o Campo Santo, também existem pessoas de Salvador interessados no local. O auxiliar administrativo Ian Reis pode ser considerado um soteropolitano admirador da arte sepulcral. Ele foi frequentador assíduo do Campo Santo por mais de 15 anos. Segundo Ian, o fato de sua família possuir um jazigo perpétuo no cemitério possibilitou o conhecimento deste espaço como forma de lazer. “Eu costumava ir a enterros desde pequeno e aprendi a admirar a beleza dos túmulos. As minhas estátuas favoritas são a de Jesus Cristo bêbado, o anjo chorando e outra de um anjo caído”, afirma.
História e simbologia
O outro ponto turístico para a apreciação da arte sepulcral em Salvador é o Cemitério Britânico, ou Cemitério dos Ingleses, como é conhecido. Além de possuir vista para o mar da Baía de Todos-os-Santos, o local abriga obras de arte e túmulos de exploradores britânicos que passaram pela Bahia em momentos estratégicos da história brasileira. Fundado em 1811, sua finalidade principal era enterrar súditos do monarca britânico da época. Anos mais tarde, descendentes ingleses e grandes nomes como o médico John Ligertwood Paterson, um dos fundadores da Escola Tropicalista Baiana, e companheiros de expedição de Charles Darwin (mentor da Teoria da Evolução), foram sepultados nesse cemitério. Hoje, são raros os enterros no local, contudo, ainda é aberto para a visitação, bastando tocar um sino que fica na entrada do local.
A psicopedagoga Lúcia de Santa Bárbara, coordenadora do Circuito Cultural do Campo Santo, informa que o tema central do tour é a simbologia cemiterial, representada por homens e mulheres, folhas, flores e animais que representam a morte. Segundo ela, existem inúmeros simbolismos frequentemente encontrados nas artes que ocupam o cemitério. “A caveira representa a morte. Já a ampulheta alada significa a passagem do tempo da vida para a morte. As tochas invertidas simbolizam a chama da vida sendo apagada”, enumera. Lúcia explica, também, que a simbologia da fé, caridade, amparo, proteção no paraíso e união estão refletidas nas concepções cênicas através de outros inúmeros elementos. “A matéria-prima da arte cemiterial é sólida, pesada e durável, assim como a vida é concreta, difícil e eterna”, completa.
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Sobre a mudança da arte tumular com o passar dos anos, a estudiosa diz que ela ainda representa a forma como o falecido gostaria de ser lembrado, ou ainda as expressões de agradecimento da família pela perda do ente querido. “O que mudam são as maneiras de composição dos elementos decorativos, os materiais empregados e a composição estética e artística, pois a arte tumular, como qualquer outra, reflete a dinâmica do tempo e das sociedades. Como consequência, reflete as mudanças de atitude diante da morte”, finaliza.
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