Apesar de tanto 'não', Bahia é bastião de políticas de igualdade racial destruídas nacionalmente
Lançamento da programação do Novembro Negro de 2016 | Foto: Pedro Moraes/GovBa
O estado da Bahia, mesmo com toda controvérsia da sua política de segurança pública, que assombra os quatro governos petistas de Jaques Wagner e Rui Costa, continua sendo o bastião das políticas de igualdade racial que foram destruídas nacionalmente.
O desmonte dessas políticas, que aconteceu na esteira de toda a destruição do Sistema Nacional de Proteção dos Direitos Humanos, se deu entre o final do governo Dilma Rousseff, passando pelo governo tampão de Michel Temer, até a pulverização total no governo Jair Bolsonaro. E, como em qualquer reforma administrativa, teve impacto nacional, provocando a extinção dos órgãos correlatos nos estados e municípios.
Menos na Bahia, que não só preservou a política, tornando-se o único estado do Brasil a possuir uma pasta com esse tema na sua estrutura, como em 2021 comemora os 15 anos da criação da Sepromi (Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia).
Por ela, passaram nomes históricos, como os militantes negros Luiza Bairros, Luiz Alberto, Elias Sampaio, Athaide Lima e Raimundo Nascimento, a militante sem-terra Vera Lúcia Barbosa e, na gestão atual, a cientista social Fabya Reis, do MST.
Mas, mais do que esses nomes, a Sepromi permaneceu como forte de uma política pública reparatória histórica e necessária para um estado como a Bahia, que possui 80% da população negra, e em um país como o Brasil, que possui dívidas seculares do processo de escravização que estruturou o modelo social e econômico nacional. Forte de uma política de uma década e meia voltada essencialmente para quilombos, terreiros de candomblé, organizações antirracistas atuantes nas bases territoriais negras, áreas rurais e comunidades tradicionais que têm seu povo afetado pelo racismo, entre outras faixas.
Já são, além dos 15 anos, algumas conquistas importantes. Mas eu destacaria a relevância da aprovação e sanção pelo governador Jaques Wagner, em 2014, do Estatuto da Igualdade Racial da Bahia, que transformou todas as políticas antirracistas implementadas até então em políticas de Estado obrigatórias e, na mesma canetada, destinou 10% do Fundo de Combate à Pobreza para políticas de promoção de igualdade racial.
Esse ato significou, desde então, R$ 90 milhões por ano distribuídos em diversas secretarias, mas que só podem ser executados a partir da coordenação técnica da Sepromi. É um valor de monta, considerando a finalidade de articulação da pasta (ou seja, o fato de ela não possuir a função de execução final, mas sim de diálogo com as demais secretarias) e também levando em conta que o orçamento anual próprio da pasta é de R$ 12 milhões – irrisórios para o tamanho do abismo racial que temos para tapar na Bahia e no Brasil.
Contudo, esses valores ganham em tamanho quando fazemos o exercício de comparação e observamos a Fundação Cultural Palmares passar por uma implosão simbólica sob o comando lisérgico do seu presidente, Sérgio Camargo, e a Seppir (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), órgão nacional correspondente à Sepromi, perder o status de ministério e se tornar um mero setor sem expressão dentro da estrutura do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MFDH), comandado por Damares Alves, outra figura conhecida por compor a ala psiquiátrica do Governo Bolsonaro.
Enquanto isso, na vanguarda, a Bahia executará, em um só edital, em caráter especial devido ao Novembro Negro, R$ 3 milhões para 60 ações de promoção da igualdade racial em todos os territórios do estado. Desde 2015, um total de R$ 8,7 milhões foram executados por meio deste mesmo edital comemorativo de novembro.
Outras ações também merecem destaque. Primeiro, os R$ 35 milhões aplicados em programas de assistência técnica rural para comunidades e povos tradicionais, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR). E depois, os investimentos feitos na construção de vias de acesso (R$ 4 milhões) e de habitações (R$ 3,5 milhões) para a comunidade remanescente de quilombos Rio dos Macacos, localizada nos limites de Salvador com Simões Filho, após as lideranças locais terem conquistado a titulação das terras após 50 anos de conflitos contra a Marinha do Brasil.
Em suma, é possível concluir que um estado que lidera rankings de mortes violentas, e que certamente quem mais morre são os jovens negros das periferias (afirmação possível devido a dados concretos de levantamentos), contraditoriamente permanece como protetor solitário das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil.
Explicar esse fenômeno, suas nuances e suas contradições é difícil, mas arrisco dizer que sou capaz de elencar uma série de porquês para essa configuração não exatamente coerente. Uma dessas motivações, certamente, é a resistência dos movimentos sociais e da sociedade civil de forma ampla, que empurram a política em uma direção vitoriosa.
Outro elemento indispensável é a capacidade que os atores e as atrizes que elaboram, comandam e executam as políticas públicas possuem para resistir a, mas principalmente para driblar, aos artilheiros que fazem gol contra quando estão na frente da pequena área.
Mas nisso não me estenderei, pois pretendo submeter o tema à seleção do mestrado de administração pública de uma importante universidade brasileira, em breve, e é recomendável para mim, que quero ser aprovado, não tirar o frescor das minhas análises.
Até a próxima coluna!
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.