As redes sociais, o ódio e a extrema direita
A impressão de que as redes sociais podem ser um lugar hostil é uma sensação partilhada por muitos usuários. De fato, a necessidade da raiva e do medo para os algoritmos é algo largamente documentado.
A questão que surge dessa constatação é a seguinte: por que as redes sociais são um terreno fértil para esses tipos de afeto? A resposta mais curta é: esses sentimentos prendem nossa atenção, e a atenção é o bem mais precioso da internet.
Jarion Lanier, cientista da Microsoft e pesquisador dos impactos das redes sociais, explica que os algoritmos das big techs funcionam de modo a fazer com que as pessoas se sintam enraivadas, tenham medo ou se sintam em perigo. Embora as empresas não planejem o tipo de conteúdo que incita esses estados, as plataformas privilegiam as produções que são capazes de fazer isso.
Nos incontáveis entroncamentos que existem na internet, o usuário é frequentemente conduzido à paginas que propagam discursos de ódio, teorias da conspiração, violência, fake news, entre outros temas ligados a grupos extremistas.
De acordo com Mark Fisher, autor do livro “A máquina do caos”, esses conteúdos são populares justamente porque possuem relações com o medo e o ódio. Discursos contra as minorias, por exemplo, encontram grande repercussão, porque mobiliza o medo do diferente. Esse medo, por sua vez, transforma-se em ódio diante da presença de imigrantes, homossexuais etc.
Esses sentimentos, normalmente tidos como desagradáveis, são importantes porque mobilizam. Na língua da internet, "geram engajamento". Levadas por esses afetos, é comum que as pessoas comentem, compartilhem e curtam as publicações.
O pânico e a raiva mobilizam porque não apelam para o racional e sim para o que há de mais primitivo no ser humano. Ao encarar uma ameaça (real ou inventada) somos instigados a tomar uma atitude. Nas redes sociais, essa atitude significa passar a informação a diante para espalhar o alerta.
Cegas de ódio as pessoas lotam os campos de comentários com textos em caixa alta que contam com ofensas, xingamentos e até ameaças. No compartilhamento usa-se o tom alarmístico e urgente de um perigo que as outas pessoas parecem desconhecer.
É nesse contexto que a extrema direita encontra espaço propício para se desenvolver. Não é por acaso que a ascensão do neofascismo ocorre no mesmo momento do sucesso das redes socias.
Os articuladores dessa corrente política possuem muito mais espaço na internet e conseguem explorar melhor os ambientes virtuais. Isso quer dizer que a vantagem da direita sobre a esquerda nas redes sociais é em grande medida graças ao privilégio que os algoritmos dão ao conteúdo explorado por pessoas como Trump e Bolsonaro.
Esses políticos conhecem muito bem o papel do ódio para o seu crescimento e estabeleceram a raiva como matéria prima. Eles perceberam também que a internet é lugar excelente para minerar esse tipo de afeto.
Isso não quer dizer, entretanto, que os líderes da extrema direita sejam mais inteligentes ou melhores políticos. Eles apostaram no ambiente virtual, porque as ideias extremistas tinham pouco espaço na mídia tradicional. Ao explorar esse espaço perceberam que suas falas ecoavam atingindo um número enorme de pessoas. Assim, por meio do método de tentativa e erro aprenderam o caminho das pedras para dominar a internet.
É por essa razão que as pessoas desse espectro político são contrárias à regulação das redes sociais. A extrema direita sabe que é beneficiada pelos algoritmos que regem o meio virtual e sabem também que regulá-los poderia diminuir o alcance dos seus conteúdos.
Seria ingenuidade acreditar que as empresas de tecnologia desconhecem o fato de que os algoritmos privilegiam a extrema direita. Por mais que esse benefício possa não ter sido proposital, ao estabelecer o medo e o ódio como parâmetro, contribuiu para ascensão do neofascismo.
Infelizmente, ainda que a propensão das redes sociais para espalhar discursos que incitam a raiva o pânico seja afirmada por pesquisadores e por pessoas de dentro das empresas, além de ser verificável na prática, pouco tem sido feito em relação a isso.
Em sua grande maioria, as leis que surgem para regular os conteúdos na internet ao redor do mundo, limitam-se a policiar notícias falsas e punir crimes de ódio. É claro que esse é um passo fundamental, mas não suficiente, porque trata-se somente da ponta do iceberg.
Lidar exclusivamente com o conteúdo depois de sua circulação é enxugar gelo; não adianta punir um influenciador, se as plataformas estiverem trabalhando para elevar outros que defendem a mesma coisa.
O discurso contrário à regulação (normalmente feito por pessoas da extrema direita), argumenta que regular é sinônimo de censurar. Esse argumento não se sustenta, porque parte da premissa de que a internet é a terra da liberdade e tudo pode ser feito. Esse pensamento, entretanto, está longe de ser verdade, porque as próprias redes sociais possuem suas censuras.
Somente o fato de que as plataformas privilegiam um certo conteúdo já é argumento suficiente para desbancar a teoria da internet como terra da liberdade. Por mais que a pessoa possa, por exemplo, fazer um canal sobre quase tudo no YouTube, o alcance dos vídeos é determinado pelas leis que a empresa determina.
Assim, por mais que possa existir uma liberdade formal sobre o conteúdo produzido, não há liberdade, de fato, porque os produtores precisam se adequar ao que é esperado das redes sociais.
Portanto, não se trata de controlar o que é livre e sim de pensar outras formas de estabelecer o que queremos que a internet privilegie. Algumas pessoas poderão objetar essa posição, defendendo a autonomia das empresas. Contudo, a partir do momento que as redes sociais se transformaram em um ambiente onde as pessoas passam grande parte de suas vidas, os efeitos dos conteúdos consumidos sobre os indivíduos são incomensuráveis. Por isso, as empresas de tecnologia não podem ter liberdade irrestrita.
*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.