O "neguinho" da família
Otávio Leal na infância | Foto: arquivo pessoal
Por muitos anos fui o "neguinho" da família. Ou ainda sou? Não sei ao certo...
Por ter a pela mais escura que a dos parentes da minha família materna, todas as "piadas e brincadeiras" sobre negritude eram direcionadas para mim, embora, para mim, nunca tenha soado como "piada ou brincadeira".
Lembro bem do dia em que, já cursando Direito, tendo adquirido mais autoestima, conhecimento e uma noção ampliada sobre mim, passei a reclamar daquela condição de inferiorizacão gratuita que tanto me constrangia.
Nesse dia conheci a revolta daqueles que possuem o desejo profundo de continuar sendo quem são, independente da dor do outro.
Naquele dia me acusaram de estar ficando "vaidoso" e "metido à besta", por estar cursando Direito. Imagine! Hoje em dia, eu seria taxado de "mimizento", diante dos que almejam liberdade de expressão/opressão.
Na verdade, era só um jovem querendo não ser alvo de um racismo estruturado, pronto e ávido por massacrar quem tiver mais melanina, cabelos crespos e um jeito atrevido de se manter vivo.
Um racismo tão duro que desconsidera a necessidade de garantir dignidade ao outro, crianças e adultos.
Por muitos anos aguentei calado e, por diversas vezes, me vi rindo da minha cor de pele e de todas as associações negativas que me faziam crer dela.
"Você tem esse jeito porque é assim, igual ao seu pai", sentenciava minha avó materna, enquanto esfregava o próprio braço com o dedo, indicando que o meu problema estaria na pele preta.
Nesse contexto, cresceu esse homem que agora lhes escreve, cheio de lembranças ruins, alguns traumas, mas também cheio de amor e de vontade de fazer algo que contribua para mudar o olhar da sociedade para essas crianças e jovens pretas.
Os parentes continuam amigos e eu continuo resiliente.
Atualmente vivo um dilema. Os pretos acham que sou branco e os brancos acham que sou preto.
Já eu acho que sou GENTE e que pertenço a um grupo de GENTE que tem a pele escura, mas que, justamente por ser GENTE, como todas as crianças e jovens de pele escura, merecem RESPEITO!
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