Por trás do ?trá? da Vingadora: Feminismo, religião e conto de fadas. Um perfil da artista que comanda ‘a música do Carnaval 2016’
Por trás do ?trá? da Vingadora: Feminismo, religião e conto de fadas. Um perfil da artista que comanda ‘a música do Carnaval 2016’
A primeira onomatopeia da Vingadora não é o famoso ?trá?. É um ?poc?. O barulho é provocado pelo contato do salto agulha, de 15 centímetros, com o lance de escadas que a cantora desce, apressada, apoiada no ombro de seu segurança particular.
‘Poc’.
‘Poc’.
‘Poc’.
Ela cansa. Encosta na parede de um dos andares da TV Aratu — durante visita na última sexta-feira (22/1) ao programa Universo Axé –, e consulta as mensagens no aplicativo do celular. É o tempo suficiente para tomar fôlego e encarar novamente os degraus sequenciais.
‘Poc’.
‘Poc’.
‘Poc’.
Tays Reis tem 21 anos recém completos ? seu aniversário foi na última quarta-feira (19/1). A menina de maquiagem carregada e cílios falsos é o alterego que se esconde por trás da personagem Vingadora, criada há 11 meses em parceria com seu empresário.
?Hoje tenho que me maquiar muito mais. Nem posso mais ir no mercado comprar pão. Se fizer isso já me apontam e falam mal?, ri, sem jeito.
Os longos saltos tentam ofuscar o pouco mais 162 cm da cantora. Em retrospectiva, é inevitável a alusão que sua história remeta ao batido clichê do conto de fadas e da mudança de vida ao toque de um condão.
Natural de Itabuna, no sul do estado, Tays cursava o segundo semestre de jornalismo quando a magia se conjurou num inesperado convite.
?Surgiu o projeto da Vingadora e me perguntaram se eu queria cantar. Lógico que disse sim. Larguei a faculdade e entrei nessa loucura (risos). Hoje praticamente moro dentro do ônibus da banda fazendo vários shows?, brinca a grapiúna.
Até então, Tays tinha tido apenas uma experiência na música. Cantou numa banda de forró e mergulhou no fosso comum a todos os artistas que não emplacam sucessos e banham-se nas águas turvas do ostracismo.
Ancorada na propulsão meteórica da Vingadora, porém, emergiu como o hit ?Minha mãe deixa?, de própria autoria. A música chiclete fez sucesso no interior do estado e abriu caminho para a banda adentrar as veredas misteriosas que se escondem por trás da predileção do grande público.
Uma das aliadas para este salto, gosta de lembrar, foi a cantora Ivete Sangalo. “Conheci ela [Ivete] no camarim de um show em Itabuna. Falei que era uma grande fã. Mas não ensaiei nada com ela. Juro! Aí quando Ivete já estava no palco ela me chamou pra cantar lá em cima. Eu fui. Bem nervosa, mas fui. A reação do público foi linda. Eles sabiam a música e a coreografia de ‘Minha mãe deixa’ toda”, diz Tays, com um brilho que antevê os olhos marejados.
O ato contínuo à primeira prova de sucesso viria, em um exercício curioso de retroalimentação, a definir a própria natureza da banda. Após o show de Ivete, a Vingadora começou a ser tocada nos paredões de som de Itabuna (leia-se por “paredão”: equipamentos gigantescos de caixas de som que são instalados, sem antes desprender pequenas fortunas, no porta-mala dos carros dos playboys da cidade). Os donos dos paredões competem entre si numa disputa sonora homérica. Cada um batiza seu próprio paredão a seu bel prazer.
Um dos mais almejados na cidade, justo pelo poder que exala em frequência de decibéis, é chamado de… paredão metralhadora.
?Aí pronto! Começamos a tocar no Paredão Metralhadora de Itabuna. Todo mundo queria estar lá e nós estávamos. Fizemos muito sucesso e resolvemos fazer uma música homenageando esse posto que ocupamos. Fizemos! E a música estourou mais ainda?, resume Tays.
A música ganhou destaque pela dança e pela onomatopéia que imita a projeção automática de uma arma de fogo. ?Trá, trá, trá, trá, trá?, puxa no refrão. E segue: ?As que comandam vão no trá?.
No clipe, há uma menção clara aos paredões de som e a competição que estimulam. Veja:
O alvo foi certeiro. Em escala, a cantora Anitta dançou, de biquíni, o hit durante uma ?pool party? e posicionou o disparo nacionalmente. Após isso, Fátima Bernardes, ex-Jornal Nacional, fez o convite para um programa ao vivo, na Rede Globo.
?Tô vivendo esse momento intensamente. Quero aproveitar tudo de bom nele?, diz a Vingadora.
As críticas, porém, vieram a reboque do sucesso. Julgamentos apressados, na opinião da artista, a taxaram como cantora que faz ?apologia à violência?.
?Não existe isso. A música é por outro motivo. As pessoas nem conhecem a história da música e se apressam em dizer o que é. O brasileiro quer tá bem, mas não quer ninguém melhor que ele?.
O tema lhe provoca irritação. A Vingadora engata uma fala ininterrupta, tal qual uma metralhadora.
?Não consigo decifrar o ser humano. A inveja é horrível. Desde que fiz sucesso já tentaram me botar pra baixo de várias formas. Se pudesse, metralhava a inveja de todas as pessoas?, ri, mas depois olha sério.
RELIGIÃO E FEMINISMO
Tays conta que, embora já tenha desembarcado no projeto da Vingadora com o nome pronto, ajudou a consolidar a criação da personagem.
?Queria ela como uma mulher forte, de atitude. Uma mulher que canta arrochadeira, que não tem medo de homem e sabe o que quer?.
Pergunto se ela se considera feminista. ?Sim, demais?, responde. E bonita? ?Claroooo, linda. Maravilhosa?, rebate.
Este empoderamento, em Tays, é tardio. Ela nasceu num berço de família tradicional, de religião adventista. Um dos dogmas deste braço pentecostal é guardar os sábados — e sequer sair de casa neste dia considerado santo.
Com o sucesso da banda precisou romper com sacerdócio e seguir os desígnios profanos. Entretanto, não vê conflito entre as duas correntes de vida. ?Canto minhas músicas, incentivo a saúde através da dança e continuo muito ligada a Deus. Quando tô sozinha é a ele que recorro. Foi ele que me colocou na rota do sucesso. Não tem outra explicação. Em 11 meses ninguém me conhecia. Hoje já estão me colocando como a música do Carnaval?, diz.
O desafio da Vingadora agora é romper a lacuna entre ser um ?sucesso de verão? e comandar uma carreira consolidada por muitos anos. Ela faz planos.
?Depois do Carnaval vamos lançar um novo CD. Não podemos parar. O artista morre quando se acomoda. Acha que já atingiu seu sucesso e relaxa. Eu quero é mais?, diz Tays, assertiva, fincando impaciente o salto agulha no chão de madeira.
‘Poc’.
As que comandam vão no ‘trá’.