Política

Na semana da Consciência Negra, Câmara de Salvador aprova homenagem a escravagista do século XIX; autor do projeto rebate críticas

O projeto aprovado em plenário pelo Legislativo soteropolitano troca de nome a Rua Vitorino Alves Moitinho, no bairro de Castelo Branco, para Bernardo Pereira de Vasconcelos; Moitinho foi morto no regime militar

Por Matheus Caldas

Na semana da Consciência Negra, Câmara de Salvador aprova homenagem a escravagista do século XIX; autor do projeto rebate críticasreprodução

A Câmara de Salvador aprovou, na última terça-feira (16/11), uma homenagem ao político Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850) advogado, jornalista e político símbolo do liberalismo do século XIX no Brasil. Contudo, segundos relatos históricos, ele foi considerado defensor da manutenção do regime de escravidão no Brasil. A polêmica ocorre em maio à semana da Consciência Negra, celebrada no próximo sábado (20/11).


O projeto em questão, aprovado em plenário pelo Legislativo soteropolitano, troca de nome a Rua Vitorino Alves Moitinho, no bairro de Castelo Branco, para Bernardo Pereira de Vasconcelos.


Em contrapartida, o atual nome do logradouro homenageia um dos mortos pelo regime militar, de acordo com a Comissão Nacional da Verdade. Ele morreu no episódio conhecido como “Chacina de Jacarepaguá”, no Rio de Janeiro, uma operação comandada por agentes do Doi-Codi em 1973.


Da oposição, a vereadora Maria Marighella (PT) criticou a aprovação do projeto por Alexandre Aleluia (DEM), principal defensor das bandeiras conservadoras e bolsonaristas na Câmara soteropolitana.


“Nesse sentido, eu queria registrar em ata o pedido para que essa matéria, e gostaria de pedir auxílio ao líder do governo [Paulo Magalhães Jr. (DEM)], que a matéria não é de consenso. Seria importante a consulta ao Conselho Municipal das Comunidades Negras”, disse, em discurso no púlpito da Casa.


RESPOSTA DE ALELUIA


No Twitter, o parlamentar rebateu as críticas de Marighella, criticou o que classificou como “militância esquerdista”, e garantiu que o Bernardo não era defensor da escravidão.


"Bernardo Pereira de Vasconcelos não era escravagista, apenas não se enquadrava no modelo de “herói revolucionário” da militância esquerdista. São inúmeros discursos abolicionistas. Agora os lacrahistoriadores não são tão rigorosos quando a verdade atrapalha as suas narrativas”, escreveu.


Ele ainda disse que vai pedir a mudança de nome da Medalha Zumbi dos Palmares para Medalha Princesa Isabel “a verdadeira abolicionista e redentora da nossa nação”. No post, ele homenageia o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo. Aleluia justifica a mudança porque Zumbi, na visão dele, era “traficante de escravos.


O QUE DIZEM OS REGISTROS


Segundo a dissertação “O Justo Meio: a política regressista de Bernardo Pereira de Vasconcelos (1835-1839)”, de Luaia da Silva Rodrigues, do Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense, o homenageado por Aleluia possuía uma “retórica pró-escravista”. 


Segundo a pesquisadora, ele propôs, em 1835 e 1836 o fim da Lei de 7 de Novembro de 1831, também conhecida com Lei Feijó, que declarou livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impôs penas aos importadores dos mesmos escravos.


A edição de 1º de agosto de 1835 do jornal O Sete D’Abril, extinto jornal que circulava no Rio de Janeiro, do qual o próprio Vasconcelos fazia parte da redação, reforça a tese de que ele defendia o escravagismo (por diferenças históricas, o trecho abaixo terá a ortografia readequada para melhor entendimento).


“Este sr. Deputado disse que a escravidão dos africanos não era tão odiosa como a representavam alguns outros senhores. Que ela era acomodada aos costumes, conveniente aos nossos interesses e incontestavelmente proveitosa aos mesmos africanos, que melhoravam de condição”, diz trecho da reportagem publicada na edição de número 266 do periódico, que retratou uma sessão realizada na Câmara dos Deputados naquele ano (veja na imagem abaixo a publicação original).



Foto: Arquivo / Biblioteca Nacional Digital  (clique aqui e leia na fonte)


De acordo com a revista Estado da Arte, do Estadão, Vasconcelos chegou a defender a abolição da escravidão. Contudo, ao abandonar os ideais liberais e tornar-se regressista, o discurso mudou.


“Fui Liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas ideias práticas; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram; a sociedade que então corria risco pelo poder, corre agora risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la (a sociedade), quero salvá-la, e por isso sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandono a causa que defendi, no dia do seu perigo, de sua fraqueza: deixo-a no dia em que  tão seguro é o seu triunfo que até o excesso a compromete. (…) O perigos da sociedade variam, o vento das tempestades nem sempre é o mesmo: como há de o político, cego e imutável, servir ao seu país?, teria dito Vasconcelos,  segundo o escritor José Murilo de Caralho, no trecho da “Coleção Formadores do Brasil” que trata sobre o homenageado pela Câmara de Salvador. 


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