ESPECIAL ?ELAS POR ELAS?: A força do esporte e o desejo de viver de uma mulher que é exemplo até quando respira
ESPECIAL ?ELAS POR ELAS?: A força do esporte e o desejo de viver de uma mulher que é exemplo até quando respira
O Aratu Online veicula hoje (8/3), data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a última reportagem de uma série de três capítulos que homenageia a figura feminina. São histórias de vida de três mulheres contadas por três repórteres também mulheres. Daí, a série intitulada ?Elas por elas?.
Veja a primeira história aqui: ESPECIAL ?ELAS POR ELAS?: Mãe de bebê com microcefalia, mulher de ?mil faces? faz do drama um tributo à vida
Veja a segunda história aqui: ESPECIAL ?ELAS POR ELAS?: A história da mulher que abdicou da própria vida para cuidar do pai com alzheimer
Boa leitura!
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Acordo às 6h45 da manhã do sábado (5/2). Sei que a missão do dia é entrevistar mais uma personagem de exemplo de coragem para completar a trilogia do especial ?Elas por Elas? ? série de reportagem do Aratu Online feita para homenagear mulheres distintas, que têm em comuns histórias de superação e amor pela vida.
O local de encontro é o clube da Associação Cultural e Esportiva Braskem (ACEB). É lá que irei conversar com Verônica Almeida Mauadie, primeira paratleta brasileira a conquistar na natação medalha de bronze nas Paralimpíadas de Pequim, em 2008. Chego cedo. Observo um treino de quase duas horas e vejo uma mulher séria e concentrada dentro daquele grande aquário de competição humana, que alguns preferem dar um nome mais mundano: piscina.
Após alguns longos minutos de espera, enfim, começo a entrevista. A mulher séria se apresenta. ?Sou Verônica Almeida, 40 anos, baiana, nordestina. Sou atleta, há oito anos paratleta. Sou formada em Educação Física e trabalhei a minha vida inteira como personal trainer?, diz ela, citando suas credenciais em perfeita harmonia entre as palavras firmes, faladas ?olho no olho? e o timbre suave da sua voz. Minha primeira conclusão: a simpatia descreve essa mulher.
O esporte sempre esteve presente na vida de Verônica. Aos cinco anos de idade, por incentivo da mãe que a achava muito pequena, entrou para a aula natação. Porém, foi em 2007 que a atividade passou a ter um verdadeiro sentido, quando descobriu que era portadora de uma doença rara e degenerativa que induz as células a pararem de produzir colágeno. É a síndrome de Ehlers-Danlos.
?Quando eu descobri a síndrome já trabalhava na área e precisava fortalecer de alguma forma o meu coração que estava ficando fraco. Como eu já tinha virado cadeirante e não podia correr, resolvi voltar para a natação. A natação voltou à minha vida como um meio de me fazer continuar viva?, conta Verônica, que antes de ter sua locomoção dependente de uma cadeira de rodas passou seis meses andando de muleta.
?Até os 32 anos da minha vida eu andei normal. Eu levava a vida normal entre aspas. Meu corpo tinha flexibilidade muito grande e eu já tinha feito cinco cirurgias no meu ombro direito, que é o qual eu não faço rotação porque ele é todo parafusado. Não era uma vida normal, eu vivia sempre hospitalizada e não conseguia descobrir o que era?, completa.
Veja vídeo:
Junto com o diagnóstico, a paratleta ainda teve de ver seus sonhos limitados em um curto período de um ano ? prazo de vida dado pelos médicos. No entanto, a mulher forte que sempre teve as idas aos hospitais dentro de sua rotina, mais uma vez ditou as próprias regras. ?Quando a pessoa fala que é uma doença degenerativa você se assusta, mas eu falei: ?Eu não quero viver só mais um ano?. Um ano para mim era muito pouco. Então, talvez eu não sofri muito porque eu fiquei tentando encontrar um meio de continuar viva. Não alinhava no que era a síndrome, no que estava acontecendo e degenerando. A minha preocupação instantânea era achar um tratamento que me fizesse continuar viva?.
E conseguiu. Contrariando as expectativas médicas, após três meses da descoberta da doença, Verônica já tinha conseguido índice para participar das Paralimpíadas de Pequim. Em 2012, venceu mais uma batalha ao garantir vaga nas competições de Londres. Agora, quase nove anos depois ela segue focada na rotina esportiva e se prepara para competir nos Jogos Paralímpicos 2016 que acontecem em setembro, no Rio de Janeiro. A rotina da paratleta é intensa e formada por um conjunto de: natação, fisioterapia, musculação, crossfit, yoga e psicólogo.
VIVER POR MAIS DOIS
As vitórias de Verônica Almeida, dentro e fora das piscinas, são motivadas por duas figuras. Os filhos Marcelo e Bianca, de 11 anos. Mãe dos gêmeos, a nadadora engravidou antes de receber o diagnóstico da síndrome — fato raro já que a falta de colágeno faz com que a placenta não se mantenha ligada ao útero.
?Hoje eu sou a única mulher no mundo, comprovada, que conseguiu gerar filhos com a doença que eu tenho. Esse o maior presente que eu poderia receber. Eu agradeço a Deus por ele me conceder o dom de poder ter os meus filhos ao meu lado. Eles são a minha fonte de inspiração, são eles os meus torcedores, meus fãs. Eu sou muito motivada por eles, apesar de passar muito tempo da minha vida longe deles. Apesar da distância eu me sinto apoiada?, conta, visivelmente orgulhosa por ter driblado mais um obstáculo que a vida colocou em seu caminho.
No dia-a-dia, a Verônica mãe mantém uma relação sincera e não esconde das crianças a realidade que enfrenta com a doença degenerativa. ?Eles conseguem ter uma percepção muito grande do que eu tenho, apesar dos 11 anos de idade. Eu vejo isso quando eles ouvem o meu passado e sempre choram. Então eu acho que o maior medo deles é de me perder. Eu nunca escondi o que é a síndrome e eles conseguem compreender muito bem, mas como é a mãe… a cabecinha deles ainda mexe muito?, desabafa, deixando pela primeira e única vez a emoção transparecer no rosto.
“É a minha história, a que eu quero que os meus filhos vejam lá na frente e que possam dizer: ?Por mais dificuldades que ela tenha tido, todos os obstáculos, ela nunca desistiu?. Essa é a forma que eu encontro de deixar para meus filhos esse legado de que eu nunca desistir. Para eles eu já sou uma heroína. Eles vêem o que é um treinamento, uma dedicação, o que eu preciso fazer para, além de ser atleta, me manter viva?.
DONA DAS PRÓPRIAS PALAVRAS
?Problemas não são obstáculos, mas oportunidades únicas de superação e vitória”.
A frase acima poderia ser uma frase de Lya Luft, Clarice Lispector ou de qualquer outra consagrada escritora brasileira, mas Verônica decidiu ela mesma encontrar as palavras que lhe passariam coragem e autoconfiança. Sem nunca pensar em desistir. São todos os dias pela manhã que a baiana consegue enxergar a força da superação.
Como figura pública, Verônica se sente gratificada ao ouvir relatos de pessoas que a tiveram como fonte de inspiração. Como mulher, integrante de uma sociedade, ela mantém ciente de que a sensibilidade é um fator pouco presente nas ações cotidianas. ?As pessoas precisam ainda aprender o que é o respeito e educação. Eu não me sinto diferente por ser uma cadeirante, mas existem limitações e necessidades, infelizmente. Eu não consegui enfrentar muita dificuldade com a coisa do preconceito. Existe mesmo a falta de respeito, de compreender que existem vagas e lugares?, conta.
Quando vejo que a conversa está chegando ao fim, quero saber se a entrevistada se considera uma super mulher ? aparentemente uma pergunta óbvia para você que ler esta matéria. Ela responde com um sorriso no rosto: ?Eu acho que sim! Pelo geral de ser mãe, de ter enfrentado e enfrentar a cada dia a doença, de ter que ser atleta, de ter que ser mulher. Então eu me considero sim uma super mulher?.
Com as palavras finais, agradeço e deixo a super mulher seguir para a próxima atividade do dia ? nesse momento a paratleta surpreende ao lançar o convite para que a repórter acompanhe a primeira avaliação do seu treino respiratório. O exercício faz parte do conjunto que tem preparado Verônica para vencer a próxima competição mundial, e se aprovado pelos fisioterapeutas Mateus Esquivel e Cauê da Mata, deve mantido por seis semanas, diariamente.
No exercício mecânico da respiração tenho a comprovação definitiva. Verônica não é apenas uma super-mulher, mãe ou apenas uma paratleta vencedora. É alguém que decidiu viver.
Que faz do ar que respira combustível para braçadas ainda maiores.
Veja vídeo: