CARNAVAL 2018: Com blocos em crise, festas privadas e a pipoca ganham cada vez mais espaço
CARNAVAL 2018: Com blocos em crise, festas privadas e a pipoca ganham cada vez mais espaço
“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?”, o famoso poema de Carlos Drummond de Andrade, publicado há quase 76 anos, ilustra o sentimento de solidão e abandono do eu-lírico em meio à cidade grande. Não muito diferente disso, o folião do carnaval baiano, acostumado a curtir a dentro das cordas dos trios elétricos, passa pela mesma sensação do protagonista do poema de Drummond, com o esvaziamento das atrações nos circuitos oficiais da festa.
A prova concreta dessa redução está no número de blocos com cordas que irá desfilar na quinta-feira (8/2) e terça-feira (13/2) no circuito Dodô (Barra-Ondina). Nenhum deles participará da quinta de Carnaval. Na terça, apenas o Camaleão, Filhos de Gandhy e Largadinho.
A situação obrigou a prefeitura de Salvador a mudar a data do Furdunço, que inicialmente aconteceria sexta-feira (na Barra) e domingo (no Campo Grande), para quinta-feira no circuito Dodô. O objetivo é levantar o primeiro dia da festa no circuito que vai do Farol da Barra até as gordinhas de Ondina.
Para a foliã Isabel Cristina Assunção, a festa passa por uma reformulação que remete aos carnavais antigos e, consequentemente, enfraquece os grandes blocos. “Se tem de graça, por quê pagar? Honestamente. acho bom. Os carnavais nos outros estados, como Rio e Recife, acontecem om blocos abertos, sem corda, sem pagamentos, e funcionam muito bem. Lotam as ruas todos os anos. Salvador acaba tendo um carnaval elitizado, com esse bando de camarote burguês, que deixa a cidade horrorosa e só alegra a classe abastada e os grandes empresários”, pontua.
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A ‘CRISE’ É SÓ NA RUA
Um dos fatores determinantes para o esvaziamento das atrações é a crise financeira que, segundo os empresários, diminue os investimentos dos patrocinadores. Blocos tradicionais como Cheiro, Yes, Nana Banana e Araketu não desfilam no Carnaval de Salvador desde 2017.
Para a folia deste ano, o Bloco Pagode Total, que desde os anos 2000 é atração certa no circuito Osmar (Campo Grande), na quinta-feira do carnaval de Salvador, anunciou que não vai participar do desfile de 2018 pelo mesmo motivo: dinheiro (ou a falta dele).
Em meio ao cenário duvidoso, os camarotes e as festas privadas passam por um processo inverso. O número de atrações fechadas dentro dos circuitos cresce a cada ano, com atrações nacionais de peso como. Wesley Safadão, Nego do Borel, Matheus e Kauan, Ludmilla, Marília Mendonça, Pabllo Vittar e Luan Santana são alguns nomes que integram a programação destas festas, cujo ingressos variam de R$ 300 a R$ 1.400 por dia.
Apesar de uma suposta instabilidade, o empresário Joaquim Nery, à frente da Central do Carnaval, que comercializa 18 blocos e nove camarotes, afirma que houve um crescimento nas vendas de blocos: de 10% à 15% em relação ao mesmo período do ano passado. O empresário atribui o aumento à incorporação de blocos já consolidados na festa ao catálogo de vendas da Central como “As Muquiranas” e o Afoxé “Filhos de Gandhy”.
O desenvolvimento do negócio de camarotes e festas privadas durante a folia de momo faz com que os empresários ousem mais a cada ano. Em 2018, a grande novidade é um novo circuito dentro do circuito Dodô, que irá unir dois grandes camarotes da região. O espaço intitulado de ‘Cidade Elétrica’ funcionará como um complexo de entretenimento, shows, serviços e alegria entre o camarote Harém e o Camarote Planeta Band.
A ação vai reduzir ainda mais o status do Carnaval de rua para um espaço vip, ou melhor, indoor, como os próprios empresários do bloco classificam. O Harém irá desfilar na quinta-feira (3/2) que antecede a abertura oficial da festa em um espaço exclusivo, na Arena Fonte Nova, com estrutura que mesclará trio e palco, com atrações como Alexandre Peixe e Danniel Vieira, no trio elétrico, e as bandas Papazoni, Trio da Huanna e MC Delano em um palco montado no complexo.
NOVOS MOLDES NA FOLIA: A PIPOCA SAI DO ARMÁRIO
Da mortalha ao abadá, o Carnaval soteropolitano passou por diversas mudanças que não foram só estruturais. Nos quase 70 anos, a festa viu o ?pau elétrico?, o pequeno armengue musical criado na década de 40 por Dodô e Osmar, se transformar em grandes trios elétricos. Presenciou o crescimento arrebatador dos artistas da Axé Music em todo o mundo tornar o carnaval de rua de Salvador o maior do planeta. Sobreviveu a mercantilização dos blocos de corda, o declínio e ascensão do carnaval raiz da pipoca e fantasias.
Quem é folião pipoca percebeu nas últimas edições a preocupação pro parte dos organismos públicos presentes na festa em aumentar as atrações gratuitas e independentes nas áreas oficiais da festa. Se antes os circuitos eram dominados pelas cordas que separavam a todos, hoje o movimento tenta ser mais democrático.
As atrações sem cordas são um dos destaques que crescem no Carnaval de Salvador. Somente para este ano, com o apoio estadual, mais de 100 atrações vão desfilar de graça para o folião. Nomes como Anitta, Baiana System, Bell Marques, Luís Caldas, Harmonia do Samba, Léo Santana e Baby do Brasil foram anunciados pelo governador Rui Costa para integrar a programação do Carnaval nos três circuitos oficiais.
Apesar de tantas crises existênciais, dúvidas sobre um possível colapso na festa ou no ritmo em que ela se firmou – a Axé Music -, os foliões percebem essas mudanças e alguns até comemoram os novos rumos que o carnaval está tomando, como é o caso do estudante Bruno Rodrigues, 20 anos. “Acontece que a crise é no axé. O ritmo já não bomba mais fora do estado, muito menos aqui. O que eu percebo é um aumento da presença dos artistas nacionais sem cordas e isso ajuda a vender o carnaval para fora. As pessoas começam a perceber que sem cordas é ótimo e com corda não é algo tão atraente. Mas isso não significa que os blocos vão acabar, os grandes como “Camaleão” e “Coruja” sempre terão espaço”.
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