DE VOLTA PARA O PASSADO: Mergulhamos na onda retrô para desvendar o que há por trás do ‘velho modinha’ e do ‘velho autêntico’
DE VOLTA PARA O PASSADO: Mergulhamos na onda retrô para desvendar o que há por trás do ‘velho modinha’ e do ‘velho autêntico’
Há alguns anos, a moda retrô literalmente invadiu espaços e ganhou terreno como conceito estabelecido. É como se, diante de tantos avanços tecnológicos, o mundo revisitasse o que havia de bom antes da automação que viria a reboque do mundo digital.
O problema é que, em muitos casos, a moda retrô é um conceito que fica léguas de ser verdadeiramente original, autêntico. Bares, restaurantes, pizzarias e barbearias buscam essa concepção “antiga” nas mobílias, decoração, nomes ou mesmo nos produtos comercializados. Usam a indústria de hoje para reproduzir objetos inventados décadas atrás. Sem antes, óbvio, dar uma repaginada no design — e, também, no preço.
Já locais verdadeiramente antigos, com quinquilharias que fariam ruborizar até os antropólogos mais comedidos passam ao largo do grande público.
Um exemplo para ilustrar: se você tentar vender seu toca-disco anos 1990 vai conseguir apenas alguns poucos caraminguás por ele. Mas tente comprar o mesmo produto em uma destas lojas de grife…
Ah, só tente…
Então, imbuído deste espírito justiceiro, nós, do Aratu Online, enviamos a repórter Daniela Mazzei para buscar a diferença entre o ‘retrô modinha’ e o ‘velho autêntico’.
Se delicie com esse relato, tão novo, quanto original.
Ah, e boa leitura!
(porque, veja bem, boa educação nunca sai de moda)
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A BARBEARIA DO PELOURINHO
Uma reunião de tiozões legais. Foi assim que me senti ao passar alguns minutos na ?Barbearia dos Irmãos?, que, por não ter placa, tomei a liberdade de chamá-la de ?Barbearia de ‘Seu Zé?.
José Roberto, conhecido como ?Seu Zé?, tem 51 anos de vida e há 38 é barbeiro. Trabalha lá todos os dias, de domingo a domingo, dividindo o espaço com outros três irmãos.
Localizada no Pelourinho, o estabelecimento fica num casarão azul em frente ao Museu Tempostal. Do lado de fora, não há indícios de que ali trabalham quatro barbeiros há tanto tempo. Isso porque a vaidade com a estética do lugar não é prioridade por ali.
Os objetos empoeirados, e tudo mais que lá se encontra, parece acomodado por conta própria. Em ordem aleatória. Petrificados no tempo. Imóveis.
Mas as conversas e causos dão vida ao local. Enquanto Seu Zé atende clientes, mais e mais amigos vão chegando no espaço. Perguntei se eles estavam aguardando para serem atendidos. Disseram que não. Estavam lá — vejam só — apenas para a resenha diária.
Lá, cabe até jogatina. Sem pedir licença, dois homens chegam apressados na barbearia, abrem o tabuleiro e começam uma bem intrincada partida de damas. Como todos os outros que ali estavam, se mostram íntimos do local e, por tabela, de Seu Zé.
?Aqui é assim todo dia. É bom, né? Eles abusam um pouquinho, mas é bom pra gente?, diz o proprietário do espaço, sempre sorridente e brincalhão.
Joir de Souza, 36 anos, corta o cabelo, faz a barba e sombrancelha com Seu Zé há 10 anos. ?Meu irmão e meu cunhado que me apresentaram a ele. Agora só venho aqui?, diz Joir.
Dois quadros de fotos enfeitavam a parede de pedra da barbearia. São fotos dos jogadores do Bahia — time pelo qual o dono não esconde sua predileção. Seu Zé, inclusive, trajava uma camisa do Tricolor no momento da nossa entrevista.
Mas isso não é empecilho para os torcedores do Vitória frequentarem o ambiente. Muito pelo contrário.
?Aqui somos mesmo que uma família. Conversamos de tudo, damos conselhos, resenhamos, damos risada… Aqui é só chegar que não temos frescura?, garante Seu Zé.
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A BARBEARIA DA PITUBA
Lugar pequeno, aconchegante, apetitoso esteticamente, refrigerado e organizado. Tudo que existe no ambiente foi milimetricamente planejado. Algumas coisas, porém, foram pensadas para passar a impressão de que estão bagunçadas. Pretensamente fora de ordem.
Essa é “A Barbearia”, fundada em agosto de 2015 por três sócios amigos que têm o mesmo nome e idade. São três ?Gabriel?, de 25 anos. Além de oferecer serviços de barba, cabelo e bigode, o local conta com um serviço gourmet de aperitivos e bebidas — incluindo uma carta com cervejas artesanais.
O ambiente segue a tendência do estilo retrô ? redução da palavra ?retrocesso?. É algo que está relacionado ao passado, mas que volta a estar na moda. Mas, ao contrário da barbearia de Seu Zé, lá estão depositados propositalmente objetos decorativos exóticos, projetados por um arquiteto.
Os donos também não são barbeiros. Um dos sócios, Gabriel Lima, chegou a admitir que fez um curso de barba e cabelo para ter noção do negócio que administra. “Fiz mais pra saber o que está acontecendo aqui, se tá sendo feito o serviço certo e também pra dar consultoria. Eu dou muita opinião sobre barba dos clientes?, diz.
Os clientes também são diferentes. Localizado na Pituba, o lugar é frequentado por jovens da classe média e alta. Entre uma cerveja e outra, eles conversam, dão risada e vêm o jogo da Liga dos Campeões (da Europa, com times como Milan, Barcelona e Real Madrid) que passa na TV da (Bar)bearia.
?A ideia, na verdade, não é que a pessoa venha cortar o cabelo e fazer a barba, mas que ela se sinta parte de um clube, de uma família. Aqui ela pode espairecer, conversar, conhecer pessoas novas, e relaxar antes de ir pra casa?, afirmou um dos sócios, Gabriel Lima.
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HAMBURGUERIA NO SHOPPING
A tendência retrô também se expande para bares e restaurantes de Salvador. A hamburgueria da rede americana The Fifties é um exemplo. Os quadros com imagens em preto e branco compõem a parede temática do restaurante. A decoração inspirada nos anos 1950 segue desde o formato das mesas e pilastras, até, nos mínimos detalhes.
Os clientes, na sua maioria jovens, se mostraram mais reservados. Os sorrisos, gestos e interação ficavam mesmo só entre as pessoas de uma mesma mesa. A literal demonstração do: cada um no seu quadrado.
O lugar segue uma tendência claramente norte-americana. Os quadros mostram pontos dos EUA em meados do século XX — época das jaquetas de couro, brilhantina no cabelo, rock and roll de Elvis Presley e sensualidade esbanjada em um copo de milk shake, hambúrgueres robustos e porções infinitas de batatas fritas.
A impressão é que aquele lugar poderia funcionar perfeitamente em Michigan, Ohio ou no Kansas (três estados americanos). Mas estamos na Bahia…
RESTAURANTE DO MAMÃO
A decoração pode até deixar o ambiente mais charmoso e atraente. Mas os clientes em geral hão de concordar que o diferencial mais importante é o bom atendimento. E isso tem de sobra no famoso ‘Bar do Mamão’.
Localizado em Itapuã, o bar é a segunda casa dos moradores da região, que chegam a ‘pendurar contas’ e beber fiado. “Aqui o cara é amigo, não é só cliente. A gente cria uma família. Tenho clientes fiéis”, afirmou o dono do bar, seu Jorge Onofre, mais conhecido como Mamão.
Coincidência ou não, o bar tem o mesmo tempo de existência da barbearia de Seu Zé. São 26 anos agradando a clientela. Assim como Seu Zé, o bar do Mamão também não possui placa na fachada e é reconhecido e frequentado pelos moradores e clientes antigos. A diferença é que Mamão torce pro Vitória. E o amor pelo time também está exposto no estabelecimento.
A decoração do lugar evidencia a apreciação do dono por discos de vinil e, mais precisamente, pelo cantor Chico Buarque. No bar, uma mistura de objetos antigos como livros, discos e gaiolas de passarinhos demonstram a energia do lugar. Lá tudo é sossegado. Tudo é espontâneo e à vontade.
“Tudo bem que a gente precisa de dinheiro pra pagar as contas, mas a essência dessa coisa afetiva é o que me interessa, por isso meus clientes tornam-se meus amigos”, afirmou.
São nos pequenos detalhes que moram as mais grandiosas distinções. Enquanto locais retrô zelam por boa organização, asseio, qualidade no serviço e decoração de primeira; o ‘antigo clássico’ — ou genuíno — tem um toque que beira, à primeira vista, a desorganização, ao informal, além de uma pitada de regionalismo espontâneo. Não à toa, foi lá que encontramos os proprietários ostentando, orgulhosos, as camisas da dupla Ba-Vi.
Em locais retrô, vimos pessoas assistindo partidas da Liga dos Campeões da Europa (de Messi, Cristiano Ronaldo ou Suarez) ou se deliciando com milk shakes em meio a decoração dos Estados Unidos.
O que é melhor ou pior são juízos de valores. Que cabe a cada um.
O importante é que tem para todo os gostos. Seja qual for sua tendência vale aproveitar as novid… Ôh, pera! Digo, as antiguidades!!
Pois, ao que parece, o velho nunca esteve tanto na moda.