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Conheça a história de João: o homem que abandonou a própria vida para "morar" com Lula em Curitiba

Conheça a história de João: o homem que abandonou a própria vida para "morar" com Lula em Curitiba

Por Cris Almeida

Conheça a história de João: o homem que abandonou a própria vida para "morar" com Lula em Curitibareprodução/PT

Do Linha de Frente


A sexta-feira parecia como qualquer um dos 579 dias que a antecederam: João* acordou, preparou o “chafé” e aguardou sentado o relógio anunciar 9h, quando os integrantes da Vigília Lula Livre pontualmente gritavam, a plenos pulmões, “bom dia, presidente Lula” 13 vezes para o ex-presidente, em frente à sede da Polícia Federal, no bairro de Santa Cândida, em Curitiba, onde o petista estava preso desde 7 de abril do ano passado.


Nesta data, o ex-mecânico – João, não Lula – trocou o calor do Piauí pelo severo frio da capital paranaense com o objetivo de defender “o homem que colocou comida no prato dos seus filhos” – agora sim, Lula. “Todos os dias eu sentei aqui em frente a este prédio e agradeci a ele. Em 2005 minha cidade passou a ofertar cursos técnicos gratuitos e eu consegui me formar. Em seguida, arranjei um emprego. Desde então, nunca mais faltou feijão lá em casa”, contou.


João foi um dos beneficiados pelas mais de 210 escolas técnicas federais construídas durante o governo Lula, entre 2003 e 2010. Com sotaque marcante e no auge dos 62 anos, o piauiense aproveitou a manhã da última sexta-feira (8/11) – quando o ex-presidente foi solto após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a prisão em 2º instância – para arrumar as seis peças de roupas que levou para o acampamento, carregar o celular que pegou de uma das filhas, e afinar seu violão. Tinha a esperança de finalmente poder mostrar a música que fez para Lula. Não à toa.


Na primeira entrevista que concedeu de dentro da PF, o ex-presidente prometeu que, no dia que deixasse o cárcere, ele iria sair pelo portão, atravessar a rua e caminhar os cerca de 50 metros que o separavam da vigília para agradecer aos militantes e tomar um “gole de cachaça” com todos. Não deu. O aglomerado de pessoas que aguardava a saída de Lula só permitiu um discurso de exatos 23 minutos e 38 segundos e visita rápida nas dependências do acampamento.


“Passei perto dele. Quando vi a cabeça branca, chorei e acabei sendo ultrapassado pelas outras pessoas. Tava feliz”, explicou João, que comparou o momento com um outro período da sua vida. “Só fui feliz assim quando peguei meu diploma, a partir dali, Lula virou meu norte. Não pensei duas vezes em vir pra cá quando ele foi preso. De carona em carona, cheguei e nem acredito que vamos sair”.


Antes de ir embora, relembrou períodos críticos da sua estadia nada confortável. Ele e os mais de 200 militantes entraram em confronto direto com policiais da sede. Aos poucos, a PF foi acalmando os ânimos, mas João e os demais companheiros continuaram em alerta. “Começamos a guardar paus, barras de ferro, facas e outras armas brancas em lugares estratégicos. Um amigo já ficou muito ferido e, a partir de então, não descansamos. Se viessem, estaríamos prontos”.


Para se manter na vigília, João economizou tudo que tinha, cerca de R$ 3 mil reais que pegou emprestado do cunhado, ainda no Piauí, mas o dinheiro não durou muito. Foi quando cedeu à comercialização de drogas nas proximidades do acampamento. “Cada um aqui procurava um jeito de se manter, cê sabe? Quem tem habilidade, recorria a ela, mas eu só sei consertar carro e não achei oportunidades. Morrer de fome eu não ia mais, Lula me acostumou mal”.


O contato com o tráfico surgiu no inverno de 2018, quando Curitiba atingiu a menor temperatura do ano, de -2,7º, com direito a geadas e nevoeiros durante a noite. Enquanto perambulava pedindo por doação de agasalhos, chegou até o Centro de Curitiba, onde está concentrado o maior ponto de comercialização de entorpecentes da cidade. João foi abordado e aceitou a proposta de vender de crack à cocaína em Santa Cândida, ganhando uma parte do lucro.


Ele, no entanto, garante que nunca consumiu qualquer substância ilícita. Quer dizer, mais ou menos. “Minha droga é o Lula, por ele eu faço loucuras e não meço esforços. Quero que continue ajudando pessoas como eu, olhando pelo Nordeste, colocando comida na mesa do trabalhador. Essa é a coisa mais triste de onde eu vim, as pessoas não sabem o que é fome até conhecer lugares como a minha cidade, onde a pobreza fala dentro da sua barriga”.


LULA LIVRE, E AGORA?


Horas antes da saída do ex-presidente, a notícia de que Lula moraria no Nordeste mexeu com João. Ele torceu para que fosse Teresina a cidade escolhida, afinal é a hora do petista homenageá-lo. Claro. “Eu estou esperando, né? Acho que ele vai pensar nisso porque mandei muitas cartas para ele nesses 580 dias, através dos seus advogados, estou confiante”, explicou.


João deve voltar para o Piauí ainda neste final de semana, de carona com uma caravana que também aguardava a saída de Lula. Os três filhos e 11 netos não o veem desde que o ex-presidente foi preso. “Minha preocupação é com os nomes, cê sabe? Já esqueci o de todos os netos”.


Passada a principal função de avô, de errar todos os nomes, João pretende voltar a trabalhar e tem esperança de dias melhores. “Preciso pagar meu cunhado, para garantir que o Natal seja de paz em casa e vou esperar o Lula decidir o que vai fazer da vida dele, para eu decidir a minha. Por enquanto, não tenho grandes metas. As duas coisas que eu mais quis na vida eu consegui: emprego e soltar o Lula. O primeiro graças a ele, o segundo graças a mim. Em mais de um ano aqui a gente se acostuma com a rotina, então não pensei como será a partir de amanhã”.


Ao final da entrevista, João fez um pedido à reportagem: “torce aí para que a minha mulher me aceite de volta. Troquei ela pelo Lula e isso ele não pode fazer por mim”, disse rindo, mas preocupado.


*João é um nome fictício. A reportagem optou por omitir a identidade original da fonte


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