“Agente”, repórter do Aratu Online embarca com a Transalvador para entender agressões
“Agente”, repórter do Aratu Online embarca com a Transalvador para entender agressões
Os relatos que você leu acima são de agentes da Superintendência de Trânsito do Salvador (Transalvador). Esses depoimentos ilustram situações enfrentadas pelos servidores públicos, que, ultimamente, têm se tornado comuns no exercício de suas funções nas ruas da capital baiana.
Somente nos últimos 20 dias, três casos chamaram a atenção por suas relevâncias. Em todos, eles foram vítimas de tentativas e consumações de agressões físicas, cometidas por motoristas. O cenário compromete, seriamente, a relação de respeito e cordialidade que deveria existir entre os prepostos da prefeitura e condutores de veículos.
Intrigado com a polêmica, o Aratu Online resolveu pedir carona à fiscalização de trânsito para acompanhar, de perto, um pouco da rotina desses agentes e tentar entender o porquê de tanta animosidade. Na tarde da última quinta-feira (10/5), nossa reportagem esteve a bordo de uma viatura oficial e percebeu que, em uma rápida passagem pelo centro da cidade, é possível ver muitos condutores cometendo infrações.
Na oportunidade, não houve flagrante de violência ou alguma discussão acirrada. Porém, é nítida a insatisfação dos motoristas, que demostram sentir certo incômodo com a presença da fiscalização. “Hoje é comum estarmos tentando desempenhar o nosso serviço e o condutor autuado não aceitar nosso trabalho, além de querer atentar contra a nossa vida”, comentou Joatan Ribeiro, que conduzia “nossa” viatura.
INVERSÃO DE VALORES
O servidor lembrou, ainda, que suas atribuições vão além de fiscalizar infrações. Ele ressaltou a importância da presença dos agentes em muitos momentos de extrema necessidade para os condutores e ocupantes de veículos.
“Nós arriscamos nossas vidas em motos e viaturas pra chegar rápido em situações de acidente, por exemplo, e muitas vezes fazemos o primeiro atendimento até a chegada do Samu”, pontuou Joatan, considerando que está havendo uma infeliz inversão de valores no reconhecimento do trabalho.
Entre os últimos casos de agressões, dois estavam relacionados com autuações após estacionamentos irregulares em vagas destinadas a idosos: em um supermercado da Avenida Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, o trabalhador foi agredido com socos. Já no Rio Vermelho, o condutor ameaçou o agente com uma ?peixeira?.
Mais surpreendente foi a ação de uma motorista no bairro de Nazaré. Ela foi flagrada usando o telefone celular no momento em que dirigia. Insatisfeita com a notificação, a “cidadã” arremessou tinta contra o corpo do agente da Transalvador. O servidor público ficou praticamente todo “pintado”.
“INDÚSTRIA DE MULTA”
Normalmente, os agressores dizem que há falta de preparo e comportamento abusivo dos agentes ao lidar com as situações de trânsito. Mas, se tudo pode ser resolvido dentro dos argumentos da legalidade, por que pessoas supostamente esclarecidas lançam mão da violência?
A resposta se baseia em uma ideia incutida na cabeça dos condutores sinalizando para a existência de uma ?indústria de multas? instalada na cidade. Isso, de acordo com eles, estaria causando a reação violenta dos desequilibrados.
Um prestador de serviço de transporte por aplicativo, que não quer ser identificado, defende o pensamento e ilustra essa possibilidade com a sua experiência. Ele disse à nossa reportagem que já foi multado duas vezes no Vale de Nazaré por excesso de velocidade e acrescentou que as infrações foram flagradas através da fiscalização por radar, sem que o equipamento estivesse em local visível ou tivesse uma sinalização na via.
Outra reclamação veio de um mototaxista. ?Tem lugares que a gente passa e vê que a velocidade permitida é uma, mas poucos metros depois é outra menor, daí a gente acaba sendo pego por alta velocidade?, comentou, indignado.
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“PERSONIFICAÇÃO DO MAL”
Questionado sobre as motivações das atitudes agressivas dos motoristas, o psicoterapeuta e professor de psicologia, Danilo da Cruz, fez uma avaliação para o Aratu Online. Sem querer julgar o mérito das ocorrências ou justificar as ações, ele falou que uma das possibilidades seria a errônea percepção de ilegitimidade da autoridade dos agentes e, até mesmo, a crença de supostas comissões recebidas pelos servidores públicos, através das multas aplicadas.
“As pessoas são amplamente influenciadas por severas distorções cognitivas, tais como uma sensação de impunidade no caso da possibilidade de agressão ao agente”, comentou o professor, acrescentando que a intolerância atesta uma falta completa e irrestrita de educação emocional.
“Deslocamos em alguém o estresse que não cabe àquela pessoa. Isso justifica uma certa ‘personificação do mal’ que lançamos sobre as autoridades que supostamente representam o Estado, visto como maligno e usurpador”, avaliou.
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CONTRAPONTO
O superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller, comentou que a acusação referente à existência de uma “indústria de multa” é, apenas, o argumento que as pessoas tentam utilizar para justificar as autuações. “É mais fácil colocar dessa forma do que reconhecer o erro”, disse.
Para o gestor, a fiscalização cumpre à risca as normas contidas no manual de trânsito e esse tipo de reclamação não é particularidade da capital baiana. “Isso é uma coisa normal! Esse título não é só de Salvador, é de qualquer cidade”, observou Muller, ressaltando que, muitas vezes, as pessoas têm resistência a uma fiscalização intensa e rigorosa.
“A gente não precisa inventar. O material é farto, as infrações ocorrem a todo momento na cidade”, salientou. “Se não há espaço para estacionar, por isso se estaciona em cima do passeio?”, incrementou o superintendente.
Por outro lado, Fabrizzio admitiu que, em determinadas situações, podem haver erros na autuação, mas chamou a atenção para os recursos legais. “É por isso que existem três instâncias para pedir reconsideração e corrigir um possível erro”.
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*Publicada originalmente às 9h