TARJA-PRETA: Estudantes encontram facilidade para comprar medicamentos de alto controle pela Internet
TARJA-PRETA: Estudantes encontram facilidade para comprar medicamentos de alto controle pela Internet
A facilidade e a velocidade com que as coisas acontecem na Internet dão a impressão, muitas vezes, de que tudo é possível através da ferramenta. Até mesmo a venda de remédios de alto controle, cuja prescrição de receita é obrigatória por lei – e sujeita à retenção nas farmácias – acontece no mundo virtual.
Não é difícil encontrar usuários na busca por medicamentos tarja-preta na rede. E as respostas costumam aparecer rapidamente. Em grupos de discussão sobre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), pessoas comercializam drogas como Ritalina — bastante utilizada no tratamento do referido problema — abertamente, a exemplo das imagens abaixo, coletadas pela equipe de reportagem do Aratu Online.
Sobre o medicamento
A Ritalina estimula o cérebro, através da metilfenidato, substância que facilita a circulação da dopamina, neurotransmissor responsável pela excitação do sistema nervoso central. Este, por sua vez, transmite informações para todo o organismo.
Não à toa, o medicamento é conhecido como ‘pílula do conhecimento’ ou ‘droga dos concurseiros’, por ser utilizada por muitos estudantes para se manter alerta e focado, principalmente às vésperas de provas importantes. Nas redes sociais, ofertas do remédio sob a premissa de ‘incentivo para os estudos’ são comuns. Uma até possui imagem da contagem regressiva para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para ilustrar.
Infiltrada no grupo e por meio de um aplicativo de conversa, a reportagem do Aratu Online procurou mais informações sobre a compra da Ritalina, com a pessoa que publicou o anúncio anterior. O(a) vendedor(a) fala em promoção e frete gratuito para o produto, o qual comercializa por R$ 190 (caixa).
Confira, abaixo, a conversa na íntegra:
Ao ser questionado(a) se o remédio chegaria mesmo em sua casa, o(a) vendedor(a) pareceu não gostar da abordagem e afirmou não ter motivos para ‘sacanear’ seus clientes. Ele(a) revela, ainda, que a cada cinco mil interessados, dois ou três mil compram o produto em sua mão. Se necessário, inclusive, em caso de transferência, pode passar o próprio CPF.
Riscos
O uso indiscriminado da Ritalina e outros remédios estimulantes podem trazer sérios danos à saúde e vida do indivíduo, como explica a psiquiatra Lívia Castelo Branco, especialista em psiquiatria pela Associação Brasileira da área: “Quem tem maior vulnerabilidade a ter transtorno psicótico ou alteração de humor grave pode ter esses problemas desencadeados”.
Além disso, como a droga também estimula o corpo, pode provocar taquicardia, insônia e agitação psicomotora. “Quadros mais graves, a exemplo da arritmia cardíaca, crise convulsiva, epilepsia e até uma morte súbita também podem ser causados”, afirma a médica.
Perguntada sobre o motivo de muitos estudantes recorrerem a esse tipo de estímulo, Lívia foi direta: “Muitas vezes, as pessoas escolhem o caminho mais fácil, sem levar em conta o perigo”. A orientação que a profissional faz, então, é “se organizar” e não “deixar tudo pra em cima da hora”, a fim de evitar o uso de uma espécie de “dopping” na tentativa de correr atrás do prejuízo.
“Ter uma vida saudável, com horas regulares de sono, e praticar atividade física adequadamente pode parecer mais complicado, porém é muito melhor a longo prazo. Se, ainda assim, sintomas e problemas persistirem, é preciso buscar ajuda profissional”, explica a médica.
Tipo “B”
Além dos estimulantes (psicotrópicos), classificados como “A”, em relação ao controle dos tipos de receita médica, outros medicamentos bastante prescritos por psiquiatras são os “B”, para tratar ansiedade e insônia, como é o caso do (famoso) Rivotril, Diazepam (Valium) e Alprazolam.
Assim como a Ritalina, são tarja-preta e sua comercialização deve seguir normas rígidas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para verificar os procedimentos de venda desses remédios, o Aratu Online passou por 11 farmácias de Salvador, do Centro ao bairro da Graça. Em todas, a receita foi exigida e a compra não efetuada.
No entanto, ao ligar para um estabelecimento, também no Centro, que entrega em domicílio, o vendedor – falando em tom mais baixo – disse que poderia ‘dar um jeito’, caso a cliente/repórter não tivesse a receita, e entregar uma caixa de Rivotril na casa dela. “A gente tem como conseguir um aqui pra ti. Se precisar, é só falar que a gente consegue te mandar”, diz.
Confira abaixo:
Perigos
O uso crônico desses remédios pode causar quadros demenciais, de acordo com a psiquiatra Lívia Castelo Branco. “Quem usa Rivotril todos os dias, há anos, tem mais chance de ter demência, principalmente o Alzheimer. Já a curto prazo, pode causar o atraso dos reflexos, o que pode gerar quedas e até um acidente de trânsito”, explica.
Há ainda, risco de depressão/parada respiratória, em casos de mistura com o álcool, por exemplo. Para reforçar o alerta, Lívia relembra o caso da cantora norte-americana Whitney Houston, morta em 2012. “Ela utilizou Alprazolam, ingeriu bebida alcoólica, deitou na banheira e se afogou, porque não conseguiu levantar para respirar”, diz a médica.
Fatores de risco
Mesmo que não misturado ao álcool, se o usuário da droga benzodiazepínica – nome dado ao fármaco do grupo dos sedativos e relaxantes musculares, entre outros – tiver um problema respiratório e “de base”, como apneia do sono ou obesidade, também pode sofrer uma parada respiratória, de acordo com Lívia.
Por isso, a indicação de remédios ansiolíticos e/ou estimulantes deve ser muito bem estudada, com uma avaliação psiquiátrica completa e exames complementares – como eletrograma e eletroencefalograma – que possam excluir doenças associadas, até porque essas drogas causam dependência e tolerância, quando são necessárias doses cada vez maiores para fazer efeito. “É preciso checar se o benefício é maior que o risco de usá-las”, conclui Lívia.
Dados
No Brasil, o Rivotril e similares são muito utilizados no tratamento da depressão e ansiedade, problema este que já afeta 9,3% da população, o equivalente a mais de 18 milhões de brasileiros, segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em fevereiro deste ano. Assim, o país lidera o ranking da América Latina no que diz respeito ao transtorno.
Legislação
De acordo com a legislação, prevista no artigo 273, parágrafo 1º-B, do Código Penal, é entendida como prática criminosa o comércio de substância expressamente proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A pena prevista é de três meses a um ano e ?na mesma pena incide quem vende, entrega ou fornece medicamentos?.
O texto base do projeto leva em conta a potencialidade prejudicial que os efeitos colaterais dos medicamentos possam trazer ao usuário e problematiza a venda indiscriminada, sem prescrição médica.
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*Publicada originalmente às 22h27 (5/11)